Se as previsões se confirmarem e Daniel Day-Lewis ganhar o Oscar por seu trabalho em “Lincoln” , um recorde será quebrado: ele será o único homem a vencer por três vezes na categoria melhor ator e, como Meryl Streep, Jack Nicholson, Walter Brennan e Ingrid Bergman, ficará apenas uma estatueta atrás da campeã de todos os tempos, Katharine Hepburn, quatro vezes premiada pela Academia.

Não que Day-Lewis, 55 anos, pareça estar ligando para isso. Admirado por outros artistas (“ele é tão bom que nos irrita”, disse George Clooney) e celebrado por diretores como Martin Scorsese, Steven Spielberg e Paul Thomas Anderson, o recluso ator dá poucas entrevistas e se mantém longe do mundo das celebridades.

Extremamente seletivo em seus papéis, não tem medo de dar um tempo na carreira para ficar na Irlanda com a mulher, a diretora Rebecca Miller, e os dois filhos do casal (o terceiro, mais velho, é do casamento com a atriz Isabelle Adjani). Nos intervalos dos filmes, ele já se dedicou, por exemplo, a aprender a fazer sapatos.

Day-Lewis nasceu em Londres, filho de uma atriz e um poeta. Começou a carreira no teatro e conseguiu seu primeiro papel de destaque no cinema em 1984, no longa “The Bounty”. No ano seguinte, atuou em “Minha Adorável Lavanderia” e “Uma Janela para o Amor”, sendo premiado pelos dois filmes pelo New York Film Critics, num reconhecimento de sua versatilidade.

O estrelato e o primeiro Oscar vieram em 1989, com “Meu Pé Esquerdo”, de Jim Sheridan. Day-Lewis conquistou público e crítica interpretando Christy Brown, um irlandês de família humilde com paralisia cerebral que usa o pé esquedo, único membro dotado de movimento, para escrever e pintar.

“Meu Pé Esquerdo” revelou a principal característica de Day-Lewis: a total entrega e devoção ao trabalho, que o leva a permanecer no personagem mesmo durante os intervalos das filmagens. No set, a equipe tinha que levar o ator de um lado para o outro em uma cadeira de rodas, além de alimentá-lo.

Dali em diante, as excentricidades foram ganhando notoriedade a cada papel – dizem, por exemplo, que ele sempre exige ser chamado pelo nome do personagem mesmo por colegas de elenco.

A seletividade na hora de selecionar papéis, outro traço marcante da carreira de Day-Lewis, resultou em longos hiatus nas telas. Após ganhar o Oscar por “Meu Pé Esquerdo”, ao invés de aceitar a enxurrada de trabalhos que lhe foram oferecidos, ele preferiu manter o critério de escolha lá em cima. Em toda a década de 1990, fez apenas cinco filmes, entre eles “O Último dos Moicanos”, “A Época da Incocência” e “Em Nome do Pai”.

De 2002 a 2012 foram apenas outros cinco, com destaque para “Gangues de Nova York” e “Sangue Negro”, que lhe rendeu o segundo Oscar.

Day-Lewis relutou em aceitar interpretar o ex-presidente americano Abraham Lincoln no filme de Steven Spielberg, mas disse ter sido conquistado pelo personagem. Até o set de filmagem, foi um ano de preparação, incluindo a leitura de muitos livros, um mergulho nas anotações do próprio líder e um estudo de fotografias históricas. No set, falou o tempo todo com a voz de Lincoln.

Em entrevista ao jornal New York Times, Day-Lewis afirmou que não gosta de discutir seu processo de preparação, que chama de “o trabalho”. “A tendência hoje é desconstruir e analizar tudo. Acho que isso é ruim para o negócio”, afirmou.

O ator contou, porém, que sentiu tristeza quando as filmagens acabaram pela ligação que criou com o ex-presidente. “Sei que não sou Abraham Lincoln. Estou ciente disso. Mas a verdade é que todo esse jogo se resume a criar uma ilusão. E, por algum motivo, por mais que soe como loucura, uma parte de mim me permite acreditar (que ele é o personagem)”, afirmou. “Esse é o truque.”