Moradias coletivas ajudam dependentes químicos a retomar convívio social
“Acordo, arrumo a cama, faço a higiene pessoal, tomo café, ajudo nas tarefas da casa”. O relato de ações que são cotidianas para a maioria das pessoas não fazia parte da vida de João Silva*, 33 anos, há pelo menos nove anos. Somente há dois meses, quando passou a morar em uma das casas do […]
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“Acordo, arrumo a cama, faço a higiene pessoal, tomo café, ajudo nas tarefas da casa”. O relato de ações que são cotidianas para a maioria das pessoas não fazia parte da vida de João Silva*, 33 anos, há pelo menos nove anos. Somente há dois meses, quando passou a morar em uma das casas do programa municipal de Residência Terapêutica (RT) especial, que acolhe dependentes químicos, o ex-morador de rua pode voltar vivenciar situações simples, mas que refletem a reconquista de uma cidadania perdida.
“Na rua, você fica isolado. Não tem trabalho, família, lazer, amigos. Não tem roupas adequadas. Para ir no médico, [por exemplo] para estar no meio de pessoas que vivem normal, você fica mal, fica abandonado de tudo”, relatou. Encaminhado à residência por meio do serviço do Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), João terá pelo menos seis meses para reestruturar seu convívio social e readquirir a capacidade de trabalho. Na próxima terça feira (19), ele começa o curso de garçom.
Em funcionamento há quase um ano, a casa, no bairro Grajaú, extremo sul da capital paulista, já recebeu 18 moradores. A ideia é proporcionar aos dependentes químicos a atmosfera de uma residência, permitindo que durante o período em que são acolhidos eles consigam se readaptar à vida em sociedade e restabeleçam os vínculos familiares. De acordo com a coordenação do programa, o índice de reinserção social de usuários de drogas com esse modelo é de aproximadamente 75%.
Segundo Elenice Castelli, interlocutora de Saúde Mental da Prefeitura de São Paulo, a maioria tem alcançado a meta do programa, que é conseguir gerir a própria vida, voltar para a família e construir um lar. “Ele volta a ser sujeito, com condição de ser visto”, explica. Enquanto estão na casa, os residentes recebem atendimento terapêutico no Caps. “Aqui [na residência], eles são moradores. Lá, eles são pacientes”, diz Elenice. Diferentemente dos processos de internação, os residentes têm autonomia para transitar pela casa e fora dela.
Esse modelo de residência para dependentes químicos também deve ser adotado pelo governo estadual como parte do programa de combate ao crack, que teve como medida recente uma parceria entre os poderes Judiciário e Executivo para acelerar as internações compulsórias. De acordo com o governo do estado, serão disponibilizadas 75 vagas. Assim como no projeto municipal, a ideia é que a prioridade seja para os moradores de rua, que depois do processo de internação precisam de um tempo para reestruturar a vida.
As atividades da casa são responsabilidade dos próprios moradores. “São eles que fazem as compras do mês, limpam a casa, fazem comida. Fazemos uma espécie de assembleia e dividimos as tarefas semanalmente de acordo com as habilidades de cada um”, relatou Maria Carolina Nogueira, psicóloga que atua diretamente na residência. Além das tarefas internas da casa, os moradores cuidam de uma horta que funciona inclusive como instrumento de vínculo com a comunidade. “O que nasce lá, a gente usa na casa, mas os vizinhos também vêm aqui pegar alguma coisa”, contou João.
O programa trabalha com o conceito de redução de danos no tratamento de dependentes químicos. “Não há a exigência de que eles estejam em abstinência. Trabalhamos com as capacidades que eles apresentam para, aos poucos, irem se reabilitando. Eles precisam basicamente ter o desejo de querer construir outra história”, explica a assistente social Tatiana Helena Silva, coordenadora do Caps AD da Capela do Socorro, no Grajaú. Além dessa residência terapêutica, que tem capacidade para até 12 moradores, a prefeitura dispõe de dez RTs, que integram a rede de saúde mental do município.
*Foi usado um nome fictício a pedido do entrevistado.
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