Conquistas da nova classe média devem sobreviver à desaceleração

A recente desaceleração da economia brasileira e de outros países emergentes pode frear o processo de redução da pobreza e expansão da chamada “nova classe média” ou “classe C” nesses países, mas não deve significar uma reversão das conquistas da classe na última década. Essa é a avaliação de especialistas no tema de redução da […]

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A recente desaceleração da economia brasileira e de outros países emergentes pode frear o processo de redução da pobreza e expansão da chamada “nova classe média” ou “classe C” nesses países, mas não deve significar uma reversão das conquistas da classe na última década.

Essa é a avaliação de especialistas no tema de redução da pobreza ouvidos pela reportagem, como o brasileiro Francisco Ferreira, economista-chefe do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento do Banco Mundial.

“Se o critério para a classificação de indivíduos como pobre ou classe média é puramente a renda, evidentemente é possível que uma família específica que esteja no que chamamos de faixa de vulnerabilidade volte para a pobreza ─ por exemplo, se algum de seus membros ficar desempregado”, diz Ferreira.

“Mas estamos falando de casos individuais. Não acredito que uma desaceleração possa reverter os ganhos sociais dos últimos anos de forma generalizada ─ o que podemos ter é uma freada no ritmo dos avanços.”

Jens Arnold, economista sênior da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) especializado em Brasil, e Homi Kharas, do programa em Economia Global e Desenvolvimento do Brookings Institution, nos EUA, concordam que a expansão da classe média brasileira e de outros emergentes seria um fenômeno “sustentável”.

“No Brasil em especial, temos um processo de redução das desigualdades amparado em tendências bem estabelecidas como o avanço no acesso a educação e a redução das diferenças salariais entre trabalhadores qualificados e não qualificados, além de políticas de transferência de renda que dificilmente serão revertidas”, afirma Arnold.

Classificação

Segundo dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), ligada ao governo brasileiro, de 2001 a 2011 cerca de 35 milhões de brasileiros deixaram a pobreza para serem incluídos nas fileiras da nova classe média, segmento que hoje incluiria 53% da população.

Os critérios para classificação de uma família nesse grupo, porém, são tema de amplo debate. Pelos parâmetros da SAE, fazem parte da classe média indivíduos com renda entre R$ 291 e R$ 1.019 mensais, ainda que vivam em moradias precárias, sem saneamento básico, por exemplo.

No caso do Banco Mundial, são considerados de classe média indivíduos que recebem entre US$ 10 e US$ 50 por dia, ou entre US$ 300 (R$ 680) e US$ 1500 (R$ 3.400) por mês.

Segundo explica Ferreira, os que vivem com uma renda diária de US$ 4 a US$ 10 ─ o que equivale a um salário mensal de US$ 120 a US$ 300 (R$ 272 a R$ 680) ─ seriam parte de uma espécie de classe média baixa considerada “vulnerável”, que incluiria 37,5% da população latino-americana.

“Nossa estimativa é que, com essa renda, os indivíduos tem um risco de mais de 10% de voltar para a pobreza em 5 anos. Por isso eles são considerados vulneráveis”, diz.

Durante os protestos que tomaram as principais cidades do país no mês passado, uma das hipóteses levantadas por observadores e analistas era que algumas pessoas teriam saído às ruas motivadas pelo “medo” de ter seus ganhos da última década revertidos em um cenário de maior inflação e menor crescimento econômico ─ apesar de os níveis de desemprego brasileiros ainda estarem historicamente baixos.

Protestos

“Não acho que esse medo seja tão significativo, mas o que concluo desses movimentos é que a expansão da classe média deve ter um efeito importante sobre o equilíbrio político do país, embora a essa altura seja difícil estimar qual será tal efeito”, opina Ferreira.

“No longo prazo poderíamos ter uma pressão mais consistente por melhorias nos serviços públicos, por exemplo.”

Kharas, do Brookings Institution, vê na expansão da classe média o elemento de ligação entre os protestos brasileiros e os ocorridos recentemente em outros países em desenvolvimento, como os protestos por mais segurança na Índia, organizadas após uma estudante ser estuprada em Déli; a onda de manifestações iniciada na Turquia por um projeto de urbanização que destruiria um parque na praça Taskim e os protestos ocorridos na Indonésia em junho por causa do aumento dos combustíveis.

“Em todos esses países temos uma classe média em expansão, em um contexto em que é cada vez mais fácil se organizar por internet e a repressão política é menos aceitável”, diz Kharas.

“As classes médias dependem muito dos serviços públicos e boas regulamentações governamentais para manter seu padrão de vida, então é natural que a pressão pela melhoria da eficiência desses serviços cresça com a expansão de tal classe em diversas partes do globo.”

O economista admite que há “evidências contraditórias” sobre a agenda política das classes médias de países emergentes, o que faz com que seja difícil prever os resultados no médio e longo prazo de ondas de protestos como essas.

Alguns grupos tendem a ser mais conservadores e até apoiam regimes autoritários, enquanto outros são mais liberais.

“Mas, apesar dos riscos, tais movimentos representam oportunidades importantes para se criar mecanismos que garantam políticas públicas mais eficientes e um maior engajamento do governo e das classes políticas com os cidadãos.”

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