Venda de terras em larga escala pode agravar insegurança alimentar, alerta organização

A venda de terras de comunidades tradicionais em larga escala pode agravar a insegurança alimentar, principalmente com a concentração da posse por grupos estrangeiros. O alerta está no relatório Situação da Terra, divulgado hoje (16), Dia Mundial da Alimentação, pela organização não governamental (ONG) ActionAid. No levantamento, a organização analisa o avanço das grandes aquisi…

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A venda de terras de comunidades tradicionais em larga escala pode agravar a insegurança alimentar, principalmente com a concentração da posse por grupos estrangeiros. O alerta está no relatório Situação da Terra, divulgado hoje (16), Dia Mundial da Alimentação, pela organização não governamental (ONG) ActionAid.

No levantamento, a organização analisa o avanço das grandes aquisições de terra em 24 países da América Latina, África e Ásia, inclusive no Brasil, e aponta os riscos desse mercado para as comunidades tradicionais, principalmente as mulheres, considerado o grupo mais vulnerável.

Com a concentração da terra na mão de estrangeiros, a produção agrícola passa a ser focada na exportação e a produção local fica marginalizada, comprometendo a sobrevivência das comunidades e os preços dos alimentos no mercado interno.

“Em geral, as grandes aquisições envolvem transferência de direitos do uso da terra das comunidades para os investidores, colocando grandes áreas – e a água – nas mãos de poucos, em detrimento dos pequenos produtores”, diz o texto.

O fenômeno do comércio de terras em larga escala tem avançado nos últimos anos estimulado, segundo o relatório, pelo aumento do preço dos alimentos e pela expansão da produção de biocombustíveis, que elevam a demanda por áreas agricultáveis. “Até 2008, girava em torno de 4 milhões de hectares de terra por ano. Só entre outubro de 2008 e agosto de 2009, movimentou 45 milhões de hectares, tomou uma proporção muito grande”, compara o coordenador executivo da ActionAid Brasil, Adriano Campolina.

O documento cita casos como o de uma comunidade no Quênia, em que uma multinacional comprou uma área de 2,3 mil hectares para a produção de arroz, deixando sem terra e com menos acesso à água os pequenos agricultores que viviam na área. Também destaca a situação da Guatemala, onde 8 mil hectares por ano vêm sendo convertidos em plantações de palma para produção de biocombustível.

“Geralmente, os países que têm fragilidade institucional maior são mais propensos a sofrer as consequências dessa apropriação, dessa tomada de terras. Mais de 45% das transações recentes ocorrem na África”, explica Campolina.

No Brasil, a má distribuição das terras é apontada como um problema histórico, marca da colonização. Segundo dados da ActionAid, 56% da terra agricultável do país estão nas mãos de 3,5% dos proprietários rurais. Os 40% mais pobres têm apenas 1% dessas terras.

De acordo com o estudo, a estrangeirização de terras no Brasil ainda é um fenômeno relativamente recente, mas já há pelo menos 4 milhões de hectares em mãos de grupos não nacionais, a maior parte empresas ligadas à produção de soja e de cana-de-açúcar para a fabricação de etanol. Entre 2002 e 2008, foram aplicados cerca de US$ 47 bilhões de investimento externo direto no agronegócio brasileiro, informa a pesquisa.

A desatualização da legislação nacional sobre a venda de terras para estrangeiros e falhas no cumprimento da lei são, segundo Campolina, os maiores gargalos para avaliar a real situação no país.

“A maior deficiência é fazer com que a lei seja cumprida. É necessário um sistema de registro mais rigoroso, hoje em dia é autodeclaratório. E há uma defasagem no tempo, muitos cartórios não informam há mais de dez anos os registros de terras por estrangeiros. É preciso melhorar a capacidade de regulamentar essa possível estrangeirização da terra”, explicou o coordenador.

A pesquisa reconhece os resultados de programas sociais como o Bolsa Família e iniciativas de fortalecimento da agricultura familiar, mas aponta a necessidade de efetiva implementação de políticas para proteger populações mais vulneráveis à exploração fundiária. Entre as recomendações, estão o aumento da criação de assentamentos da reforma agrária, o reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas e a ampliação da regulação de compra de terras por estrangeiros, para aumentar o controle desse comércio.

A implementação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, regulamentada em agosto, e a redução drástica no uso de agrotóxicos na agricultura nacional também estão entre as sugestões do documento para o caso brasileiro.

Entre as recomendações em âmbito global está a reformulação do sistema mundial de produção e distribuição de alimentos, para que o foco seja a pequena agricultura. A organização também defende a criação de mecanismos de controle e transparência em contratos internacionais de compra e venda e terras e de garantias de consulta e compensações para as comunidades atingidas pelas desapropriações.

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