SDH identifica cerca de 1,2 mil camponeses mortos e desaparecidos entre 1961 e 1988

Relatório apresentado ontem (26) pela Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) identifica 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988, período indicado pela Lei nº 9.140/1995 – a primeira lei a reconhecer […]

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Relatório apresentado ontem (26) pela Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) identifica 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988, período indicado pela Lei nº 9.140/1995 – a primeira lei a reconhecer que pessoas foram assassinadas pela ditadura militar (1964-1985).

Apesar do número expressivo (3,5 vezes acima do total de reconhecidos oficialmente como mortos por perseguição política) apenas 51 casos foram analisados pela CEMDP e desses 29 tiveram a causa da morte relacionada à questão política.

“Ficando excluídos 1.145 casos de camponeses e seus apoiadores mortos ou desaparecidos”, grande parte porque não teve “acesso nem reconhecimento aos direitos da Justiça de Transição”, descreve o relatório.

Na opinião de Gilney Viana, assessor da ministra-chefe da SDH, Maria do Rosário, a desproporção mostra que “os camponeses foram excluídos em vida e continuam sendo excluídos na morte”. Segundo ele, o volume de mortes impressiona e contraria a tese de que a ditadura militar no Brasil foi “branda” na comparação com os países vizinhos.

“Aqui morreu mais gente que no Uruguai”, estima. De acordo com o estudo, há mortes durante o regime militar e também durante o regime civil. Quatro pessoas foram assassinadas antes do golpe de abril de 1964; 756 foram mortas durante a ditadura (sendo 432 na abertura política após 1979); e 436 após março de 1985, já na transição civil (governo Sarney).

Segundo o documento, o aumento da violência no campo a partir da distensão e ao longo da chamada Nova República tem a ver com a organização política dos trabalhadores rurais. “Neste período já se tinha observado redução da repressão policial militar nas cidades quando o movimento popular, sindical e de oposição política conquistou progressiva abertura política; porém, no campo se promoveu e se tolerou uma vasta onda repressiva contra organizações e lutas camponesas produzindo centenas de assassinatos de duas lideranças”, descreve o texto que soma 602 mortes de lideranças (mais da metade dos assassinados).

Segundo a contagem, 463 pessoas mortas ou desaparecidas eram “lideranças de lutas coletivas”. Além desses, 75 eram sindicalistas; 43, sem militância informada; 14, advogados; e sete, religiosos. O documento mostra que apenas um em cada grupo de quatro casos teve inquérito policial e apenas 5% registraram desfecho judicial (condenatório ou não).

O texto recomenda que esses casos sejam “examinados, esclarecidos e reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade, como manda a Lei 12.528/2011”. Por lei, está fora do prazo para exame na CEMDP. Os estados que acumulam o maior número de pessoas assassinadas (lideranças ou não) são o Pará (342 mortes); o Maranhão (149 mortes); a Bahia (126 mortes); Pernambuco (86) e Mato Grosso (82 mortes). Mais de 96% dos assassinados eram homens. Outra peculiaridade dessas mortes é que grande parte não ocorreu pelas mãos dos “agentes do Estado” (policiais e militares), 15% do total (177 casos); mas por “agentes privados” (milícias e pistoleiros contratados).

Apesar desse perfil, os autores do estudo opinam que “não há que se alegar que não houve motivação política na repressão policial e militar aos camponeses; e, menos ainda negar, a participação direta de agentes do Estado, em alguns caos, e indireta em outros, por cumplicidade, omissão, acobertamento e apoio a ações de poder ilegítimo de polícia de agentes privados”.

Para Gilney Viana, há diferenças e conexões entre as mortes que ocorriam na ditadura e as que ocorriam (e ocorrem) no regime civil. “É espantoso que ainda haja crimes no campo diante do Estado de Direito Democrático. O que revela uma certa sequela da época da ditadura. As autoridades locais são coniventes com milícias privadas e pistoleiros.

A impunidade ainda campeia”, disse ao salientar que com a facilidade da comunicação nos dias atuais é mais difícil ocorrer casos de morte sem repercussão. Além dos camponeses, a SDH prepara estudo sobre a situação dos indígenas – que tiveram direitos afetados principalmente por causa de projetos de infraestrutura, como abertura de estradas. Segundo Viana, houve casos documentados em que indígenas que resistiam às obras eram tratados como guerrilheiros.

O relatório deve ficar pronto em dezembro. Ontem (26) a Agência Brasil revelou que a Comissão da Verdade usará documentos históricos e depoimentos para apurar crimes contra indígenas.

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