Reportagem quis saber de Beatriz Dobashi para onde vão os pacientes do SUS quando não encontram atendimento na rede credenciada e secretária afirma que o problema não existe

De tão corriqueira que são as reclamações de falta de atendimento e demora na marcação de exames no SUS no Mato Grosso do Sul (como no resto do país), a reportagem do Midiamax foi perguntar à secretária de Saúde, Beatriz Dobashi, para onde vão as pessoas que não conseguem atendimento nos grandes centros de saúde do estado, como Campo Grande ou Dourados.

A dúvida dizia respeito às superlotações declaradas e conhecidas de há muito da Santa Casa de Campo Grande e do Hospital da Vida em Dourados. Em ambos os casos, a falta de leitos e equipes disponíveis agem como se fossem um funil. De toda a demanda, os casos novos que não são de urgência vão escoando pelo sistema apenas quando surgem novas vagas, e pacientes com cirurgias eletivas ou problemas graves, mas não imediatos, ficam “estocados”.

Por este motivo, o Hospital da Vida parou de atender pacientes da macrorregião de Dourados, além da capacidade dos seus médicos, enfermeiros e corredores, sempre lotados.

A pergunta feita à secretária Dobashi foi simples: para onde vão os pacientes que não encontram acolhida nos hospitais do SUS, os que “sobram”, como ocorreria em Pontã Porã, Maracaju e outros municípios menores? Ficariam nos pequenos hospitais municipais? Em casa?

A resposta da secretária de Saúde do MS foi negativa. Para Dobashi, o SUS do MS acolhe a todos os pacientes, de um modo ou de outro. “Isso são exceções, não é a regra. Nós temos mais de seis mil internações mensais do SUS no estado do Mato Grosso do Sul. Pode ser que uma ou outra pessoa tenha dificuldade de atendimento, mas os hospitais estão funcionando, são 69 hospitais do SUS funcionando, 18 deles são regionais, e os 51 são locais”, garantiu Dobashi.

A secretária admitiu que há superlotação, mas não falta de atendimento na rede: “Às vezes tem superlotação, tem dificuldade de atendimento, mas eles podem ser atendidos nas UPAS, nos centros 24 horas, às vezes a gente encaminha para tratamento fora de domicílio, então não é que a rede está em colapso, o atendimento vem sendo feito”, garantiu Dobashi.

E no caso de paciente que não consegue atendimento, fica em casa aguardando? “Não, não é assim. Ele acaba conseguindo, a Saúde da Família atende, põe em leitos de observação, a gente muda de um hospital pra outro, a Central de Regulação funciona 24 horas exatamente por isso”, concluiu Dobashi.

Pacientes do SUS relatam situação precária de seu atendimento

Diante das garantias da oferecidas pela secretária de Saúde do MS, a reportagem fez uma rápida sondagem para descobrir casos considerados “exceções” – aqueles que estão na fila de espera por tempo por considerável. Não precisou prospectar muito: dois exemplos ilustram a situação dos pacientes que não encontram abrigo imediato no SUS, ou, quando encontram, não tem atendimento satisfatório – o que significa que o problema de saúde não é resolvido.

O primeiro caso é de Campo Grande, de paciente do Hospital Regional Rosa Pedrossian, o maior estadual do SUS. Dona Maria Pires, de 63 anos, não consegue fazer um exame do coração, que lhe causa dores há 15 anos.

O médico do HR depende de uma “cintilografia do miocárdio” para compreender exatamente o que se passa com o coração de Maria, mas ela não consegue o exame pelo SUS.

A alternativa, segundo a paciente, é caseira: “Quando tenho dor no peito, do lado esquerdo, no braço, e “aperta”, sinto falta de ar. Aí fico passando a mão até passar a dor, uns cinco minutos e passa. Tem dia que não dá, é o dia inteiro”.

Os sintomas descritos podem significar obstrução de artéria do coração, que leva ao “infarto do miocárdio”, conhecido como “ataque do coração”, quando o parte do músculo do órgão morre por falta de irrigação de sangue e oxigênio. Caso não tratados podem ser fatais. Mas, porque Maria não consegue tratamento?

A paciente do HR responde: “Não sei, falam que não tem vaga, telefono e não atende, nós ligamos e eles não ligam de volta”. Certamente, Maria Pires se refere à Central de Vagas de Campo Grande, ou a do Estado, mas não soube explicar.

O caso descrito pela paciente do HR é clássico: enquanto o tratamento não vem, que pode ser cirúrgico, o paciente fica em casa esperando a solução. Se tiver um infarto que não seja fulminante, aí será levado para o PS do “Rosa”, como ela fala, em emergência. Se escapar de novo, boa aparte de seu coração, e da sua vida, estarão comprometidos para sempre.

O segundo caso vem do interior, da cidade de Naviraí, no sul do estado. Ali, uma usuária típica de SUS, de baixa renda, tem duas filhas doentes, uma de 15 e outra de nove anos. A menor tem “escoliose”, má formação óssea que “entorta” a coluna do paciente quase como um leve S.

É o caso da mãe Sara de Oliveira. A filha de nove anos que tem escoliose já chegou a passar por um clínico geral e um ortopedista do SUS em Naviraí mesmo, antes que um deles fosse embora da cidade, de onde não era originário.

O depoimento da mãe contrasta com o da secretária de Saúde: “A minha filha sente muita dor no caminhar, ou quando tenta correr. Eu precisava muito de passar em um médico, um especialista, saber o que fazer, porque faz muitos anos que ela sente dor, tá sempre sentindo dor nas costelas, nas costas, dor no pescoço”, garante Sara de Oliveira.

Mas, e qual o tratamento oferecido pelo SUS, ou os medicamentos? “Não deu remédio nenhum, nada pra passar, nada pra tomar. No SUS, porque particular eu não posso. Faz uns dois anos e meio que eu estou tentando resolver isso daí, só que até agora não tem nenhuma solução, ainda”.

Infelizmente não é só: dona Sara também não consegue resolver o problema de outra filha de 15 anos, que tem rinite (alergia respiratória) e sinusite, que são tratáveis com variados procedimentos clínicos.

“A minha filha mais velha ficou duas vezes internada aqui na Santa Casa de Naviraí com pneumonia e bronquite, mas sempre tá com problema de sinusite, e aí tem que fazer um exame do pulmão dela, também. Faz tempo que eu não faço, porque aqui não faz também. Tem que ficar aguardando, faz dois anos, hoje fui atrás lá na Câmara Municipal, já fui na Saúde. Mas não adiantou”. Sara foi atrás de favor de vereador, o que poderia indicar uso político da SUS.

E quando as pessoas não encontram atendimento em Naviraí (e região) para onde vão, quis saber a reportagem? “Umas vão para Dourados ou Campo Grande (quando a Central de Vagas libera), outros que vão para Umuarana”. Umuarama é um município do Paraná, situado a 150 km de Naviraí.

Se tiver que ir para Campo Grande, estes pacientes têm que “concorrer” com os outros da capital e de todas as cidades do estado. Para Dourados, aí dependem do aparecimento de vaga no Hospital da Vida ou no da Universidade Federal da Grande Dourados, sempre lotados.

Ouça o áudio da entrevista: