O juiz José Berlange Andrade deixou a magistratura na sexta-feira passada, segundo informação publicada no Diário da Justiça.

A ele foi concedida a aposentadoria voluntária. Berlange, que há uma década representava o Judiciário na cidade de Terenos, a 27 km de Campo Grande, ficou conhecido no mundo jurídico por quebrar algumas regras como, por exemplo, sair do gabinete e seguir até a comunidade que movia processos e não tinha como ir ao fórum da cidade.

Já no ano passado, o magistrado foi questionado pela Polícia Civil local por ter permitido prisão domiciliar a um traficante de maconha. Mais: o juiz teria entrado na cadeia e emprestado seu celular ao encarcerado em questão (saiba mais sobre a polêmica em notícias relacionadas, logo abaixo).

A aposentadoria do magistrado foi noticiada no site do TJ-MS. A reportagem quis saber de Berlange por meio do telefone o motivo de sua saída voluntária, mas não conseguiu.

O juiz, nascido em Porto Velho, capital de Rondônia, entrou na magistratura sul-mato-grossense, em agosto de 1992, 19 anos atrás. Em junho de 1994, por antiguidade, foi promovido para comarca de Brasilândia e, em março de 2001, removido para Terenos. Antes de tornar-se titular daquela comarca, ele atuou em Aquidauana, respondendo pelas varas cível e criminal. Atuou também na Comarca de Porto Murtinho. Pessoa simples, José Berlange vai deixar saudades também entre os colegas.

A juíza Sandra Artioli, da 5ª Vara dos Juizados Especiais da Capital, conhece-o desde os tempos de faculdade, pois foram contemporâneos, e o considera uma pessoa ímpar. “Sempre coerente em seus princípios, ele é muito humanista em suas decisões e em sua conduta como magistrado. Ele não é só técnico. Berlange sempre foi um colega leal e solidário”, disse ela.

Antes de ser aprovado no concurso para magistratura, José Berlange foi assessor da presidência do TJ-MS, quando esta era exercida pelo desembargador Miltom Malulei. Foi também assessor do desembargador Higa Nabukatsu.

“Ele sempre foi a mesma pessoa em todos esses anos. Muito querido, acho que ele se encontrou como juiz de comarca do interior. Vamos sentir falta dele na magistratura”, concluiu a juíza.

Outro a falar do amigo Berlange é o servidor Hamilton Marques Batista, que trabalhou com ele quando ainda era uma liderança sindical. “Ele foi presidente do Sindijus e depois fez parte da diretoria. Sempre alegre, prestativo, amigo de todo mundo, sempre foi um líder”. (com informações da assessoria de imprensa do TJ-MS).

Note aqui um texto publicado sobre Berlange no site da OAB-RJ (Ordem dos Advogados de Brasil) do Rio de Janeiro, em outubro de 2007. E, logo abaixo, em notícias relacionadas, o polêmico episódio do traficante que conquistou prisão domiciliar por determinação do magistrado.  

O duro ofício de ser criativo na Justiça

Com soluções pouco convencionais, alguns magistrados tentam driblar a burocracia do Poder Judiciário

Por Renata Albinante

Uma juíza do Rio de Janeiro e um juiz de Terenos, pequena cidade no interior de Mato Grosso do Sul, levaram ao pé da letra a filosofia de que “a Justiça tem de ir onde o povo está”. Em agosto, os magistrados Mônica Labuto Fragoso Machado, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso Regional de Madureira, e José Berlange Andrade, titular da única vara da cidade sul-mato-grossense, ganharam o noticiário graças às soluções pouquíssimo ortodoxas de que lançaram mão, cada qual à sua maneira, para driblar a burocracia no Judiciário.

A postura criativa de José Berlange na condução da atividade judicante alçou o magistrado ao status de personalidade local e modificou a rotina da Justiça de Terenos, município com cerca de 18 mil habitantes. Para agilizar o julgamento de mais de três mil processos, o juiz costuma realizar as audiências literalmente no meio da comunidade e bem longe do fórum da região, situado em lugar de difícil acesso para os 58% da população que vivem na zona rural. Como a distância entre o campo e a cidade é grande, Berlange não se acanha em enfrentar uma estrada de terra e um trajeto de mais de 40 km para resolver os problemas do povo.

Desde 2002 tem sido assim. “Quando cheguei à comarca, encontrei uma situação atípica. Mais da metade da população de Terenos está no campo, em razão da reforma agrária. Os assentamentos geram disputas entre fazendeiros, associações e sindicatos que organizam os trabalhadores sem terra. Daí surge os conflitos e a necessidade de resolvê-los. A demanda na cidade, por outro lado, é menor. Os litígios são tipicamente urbanos, em geral dizem respeito a aposentadoria e pensão alimentícia. Não posso permanecer no meu gabinete só cuidando desses casos, pois a presença do Estado na área rural é quase inexistente”, pondera Berlange, que já utilizou um bar como sala de audiência numa conciliação.

A popularidade do magistrado pode ser medida pelo número de convites que recebe para dar palestras e participar de festas em fazendas e assentamentos. Até para batizar crianças ele foi lembrado. “O juiz tem de ser criativo. Sempre volto com o problema resolvido”, garante Berlange. Há dois anos ele trabalha com a ajuda de um Conselho de Segurança formado por 32 entidades da sociedade civil, que identifica as lideranças e as necessidades dos camponeses e discute questões ligadas ao controle social. Quando o problema compete ao estado, à prefeitura ou a alguma companhia privada, o juiz entra em contato com as autoridades responsáveis para atender às reivindicações. “As pessoas que estão ali, por mais humildes que sejam, acabam se familiarizando com o funcionamento do Judiciário”, comemora.

Enquanto o povo aplaude, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul vê com reservas a iniciativa. O Conselho de Segurança criado por Berlange até hoje não possui a chancela do TJ/MS. Mesmo sem a ratificação da Corregedoria, permanece em atividade. “É preciso lembrar que o Judiciário presta um serviço à população. A formalidade não pode ficar acima de tudo; os juízes têm de se adaptar a essa nova conjuntura”, conclui.

Assim como o magistrado sul-mato-grossense, a juíza carioca Mônica Labuto divide opiniões por conta de seu espírito de vanguarda. Em agosto, ela foi alvo de reportagens nos principais jornais do país, mereceu notas na imprensa internacional e ganhou notoriedade porque decidiu despachar na calçada do Fórum de Madureira após ter seu pedido para trabalhar além do horário de funcionamento do prédio negado pela administração do TJ/RJ.

Titular desde 31 de maio da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso Regional, Mônica havia programado, no dia do incidente, diligências em casas noturnas da região para apurar denúncias de prostituição, presença de adolescentes em bailes funk e festas rave e venda de bebidas alcoólicas a menores. Como o expediente forense termina pontualmente às 21h em Madureira – quando soa um alarme automático e os juízes são obrigados a deixar seus gabinetes, ao apagar das luzes -, a magistrada solicitara, semanas antes, permissão para estender o horário de trabalho, a fim de realizar as fiscalizações.

Alegando preocupação com a segurança de seus funcionários, o Tribunal de Justiça achou por bem não atender ao pleito da juíza.

Mônica conta que só ficou sabendo da proibição oficial no momento em que já estava na calçada. “A Vara de Madureira foi criada em janeiro e, até o momento em que assumi o posto de juíza, nenhuma diligência externa havia sido feita, apesar de recebermos denúncias todos os dias e de o Estatuto da Criança e do Adolescente determinar as fiscalizações. Sabemos que as casas noturnas funcionam a partir das 23 h, e este era o motivo alegado para não se realizarem as diligências. Informei à diretora do Fórum que o trabalho precisava ser feito e pedi a ela uma solução para o problema da segurança. Dois dias antes da primeira diligência, recebi um ofício da diretora avisando que o prédio teria de ser evacuado às 21h, conforme determinação. Imediatamente, escrevi ao presidente Murta Ribeiro relatando a impossibilidade de realizar meu trabalho porque o fórum seria fechado no horário.

Matéria editada às 13h25 minutos para acréscimo de informações