Fonte da PF revela que ausência corpo do cacique dos kaiowás guaranis não é impedimento para que a polícia esclareça seu desaparecimento

“Se não há corpo, não há crime”. Um velho chavão policial tem caído por terra, de acordo com análise feita por fonte da Polícia Federal, em Campo Grande, à reportagem do Midiamax.

Hoje existem inúmeras técnicas periciais, e de investigação, além dos depoimentos de testemunhas e os antecedentes criminais, para que se comprove a morte de uma pessoa, mesmo que o corpo nunca apareça. 

A fonte da PF citou casos como o Ulisses Guimarães, cujo helicóptero caiu no mar, e cujo corpo nunca foi encontrado, afirmando que existiam outras evidências que permitiram a declaração oficial de morte.

No caso Nisio, até agora o relato das testemunhas está embasando as investigações. Segundo o site de notícias da revista Veja, “relatos de dezenas de índios já ouvidos pelo delegado da Polícia Federal , Alcídio de Souza, confirmam que cerca de 40 homens encapuzados e armados invadiram o acampamento”.

Mas segundo a fonte da PF, o delegado trabalha em mais de uma linha de investigação, inclusive a de procurar contradições entre os depoentes. A própria reportagem presenciou procedimento semelhante do delegado com o filho do cacique, Vilmar Cabreira, no local do atentado.

Para o policial que falou com a reportagem, um simples exame de DNA pode comprovar se o sangue recolhido no local é compatível com o mesmo DNA dos seus parentes. Se a análise não for positiva, a investigação pode mudar de rumo.

Denúncias paralelas de Valmir intrigam PF

Além do desaparecimento do corpo, existem outras denúncias gravíssimas de Valmir, que a PF está analisando com todo o cuidado, para ver se há comprovação ou contradições. Nos meios policiais, causa estranheza o fato do grupo de pistoleiros ter sequestrado crianças junto com o corpo, porque isso daria muito mais repercussão à morte do cacique – o que acabou ocorrendo.

Por enquanto, nenhum dos pais denunciou o desaparecimento dos filhos. Se o desaparecimento ocorreu de fato, acredita-se que os pais estejam dispersos nas matas da região, ainda temerosos com o ataque. Se não aparecerem, o caso pode ganhar outros contornos.

Outra afirmação de Valmir também causou dúvidas. Por que entre as caminhonetes haveria uma Ranger com o emblema de um “gavião”, também presente nas vestes de um dos pistoleiros?

Para a fonte da PF, o “descuido” seria um erro absurdo, que facilitaria a sua identificação do grupo, mesmo que encapuzado.  E num momento em que a existência de milícias armadas financiadas está em investigação no Ministério Público Federal, desde 2008, quando casos comprovados, e confessos, ocorreram na mesma região.

Além dos emblemas, Valmir relata a existência de uma chapa branca mal disfarçada, fato que indicaria a presença de integrantes de forças policiais – outro grave erro, segundo o policial. No entanto, erros acontecem.

Quando esteve no local, a reportagem do Midiamax fez exatamente estas perguntas a um dos representantes da Funai, que não quis se identificar pelo temor de represálias. A resposta dele foi que, se de fato os emblemas e a chapa branca estavam aparentes, como afirmou Valmir, isso se explicaria, hipoteticamente, por uma eventual sensação de impunidade da milícia. Mas se a desfaçatez fosse total, para que capuzes?

São dúvidas pertinentes a uma investigação séria que, segundo a PF e a própria Funai, marcam a apuração do caso, inclusive pela intensa repercussão nacional e internacional.

Especulações colocam em dúvida depoimento de Valdir

Muito antes do resultado da ação prudente que a PF adotou no caso, recém ocorrido, surgem boatos em Campo Grande e no interior do estado, e que se repetem – o que indica um determinado grau de articulação. Há um questionamento sobre a veracidade do depoimento de Valmir, sua pouca idade, e até mesmo sobre a real morte do cacique Nisio.

Chega-se a afirmar que a perícia vai declarar não ter certeza se o sangue encontrado no local é humano, o que só poderia afirmado depois do acesso privilegiado aos resultados dos laudos sigilosos da PF, ainda inconclusos.

Nessa propalada hipótese de “armação”, toda uma comunidade indígena estaria envolvida, mentindo para a PF sobre o ataque. Há se considerar que os índios teriam comprado balas de borracha, alvejados uns aos outros, jogado sangue de animal no lugar, furado o chapéu do cacique Nisio – que estaria escondido para sempre – e depois fugido para as matas.

E que o jovem Valmir seria incapaz de narrar a morte do próprio pai, depois de presenciá-la. Tudo em nome da farsa, para enganar a imprensa e a opinião pública nacional, internacional.

Casos anteriores lembram denúncias de Valmir

A Procuradoria da República em Dourados apurou casos de morte de indígenas da região de Dourados, Ponta Porã, Amambai e Aral Moreira. Os nomes das vítimas, que constam no Processo n°: 2009.0300014015 -7, são bastante conhecidos: Dorvalino Rocha, morto em 2005; a anciã Xurete Lopes, morta durante uma desocupação de área por pistoleiros; e Hilário Cario de Souza, atropelado por um funcionário de uma empresa de segurança privada de uma fazenda – e que é citada nos outros casos.

Ao relatar sua investigação, o antropólogo e perito Marcos Homero Ferreira Lima descreve cenas de tiros dirigidos a um acampamento nas margens da rodovia que liga Dourados a Ponta Porã, e queima de barracos.

Houve casos, segundo o MPF, em que a Funai e a Funasa foram proibidas de entrar em áreas de fazendas ocupadas, pela mesma empresa de segurança.

Sobre o assunto da formação de forças paramilitares no país, o jornal “O Globo”, do Rio De Janeiro, publicou reportagem no último dia 29 de outubro, com o título “Milícias se alastram por pelo menos 11 estados”, citava o Mato Grosso do Sul.

Segundo a publicação, “as milícias estão organizadas na Paraíba, no Espírito Santo, no Ceará, em Mato Grosso do Sul, no Pará, em Pernambuco, em Alagoas, no Piauí, em Minas Gerais e em São Paulo, além da Bahia e do Rio. Os grupos agem com características diferentes em cada estado.”

O próprio governo federal, através da Secretaria de Direitos Humanos, da presidência da República, “considera que a região de Dourados, no Mato Grosso do Sul, é um dos palcos mais grave de conflitos entre indígenas e fazendeiros no país. Esse assassinato não é caso isolado, mas sim de violência sistemática contra os povos indígenas na região, que vivem em uma situação de confinamento humano e extrema pobreza”.

Comitiva de Brasília e o superintendente da PF do MS vão para a região

Para acompanhar a investigação do delegado de Defesa Institucional da PF, Alcídio de Souza, estão se juntando a equipe da Presidência da República e o próprio diretor da PF no MS, Edgar Paulo Marcun .

A nota divulgada pela Secretaria ainda afirma que “o governo federal e o CDDPH não medirão esforços para fazer cessar práticas desumanas de execução sumária e não poupará esforços para identificação e responsabilização dos criminosos. O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana se deslocará para a região e acompanhará a situação in locu para dar apoio às famílias indígenas que permanecem no local a fim de garantir a vida e a integridade física e moral dessas comunidades”.