Para 75% dos usuários que usam cartão não haverá mais o desconto de 20 centavos, o que pode aumentar a circulação de dinheiro e o risco de assalto aos ônibus; empresas que fornecem vale transporte são as mais penalizadas

A partir de segunda-feira (1º) a grande maioria dos usuários do transporte coletivo de Campo Grande sentirá no bolso o reajuste de 8,7% na tarifa do serviço. É mais que o dobro da inflação registrada no período de 12 meses, que fechou em 4,36%. E a medida ainda traz mais um ingrediente perigoso: com o fim do incentivo ao uso do cartão, pode aumentar a circulação de dinheiro e, consequentemente, o número de assaltos aos ônibus.

A Prefeitura partiu para uma solução ardilosa ao evitar elevar o valor da tarifa para pagamento em dinheiro, o que atingiria só 25% dos usuários do transporte coletivo, mas recolocaria Campo Grande no topo do ranking das tarifas mais caras do país. Ao invés disso, decidiu penalizar os usuários do cartão eletrônico, bancado na quase totalidade pelas empresas que fornecem vale-transporte a seus empregados.

O passe custa até domingo R$ 2,30 para pagamento com cartão, e R$ 2,50 para pagamento em dinheiro. Foi essa diferença que fez com que 75% dos usuários pagantes optassem pelo uso do cartão. Com a equalização dos preços, tanto faz usar cartão ou pagar em dinheiro: a tarifa do ônibus vai custar R$ 2,50 de qualquer jeito em Campo Grande, a partir de segunda-feira.

Inadequado

Como a quase totalidade dos cartões eletrônicos são comprados e recarregados pelas empresas que fornecem vale-transporte a seus funcionários, já sabem que a conta do reajuste é deles. “Quem paga a conta somos nós, o funcionário só tem 6% descontado do seu salário. E esse reajuste vem num momento em que não deveria acontecer, no início do ano quando as empresas já estão descapitalizadas por causa de tantas despesas”, reclama o vice-presidente da Associação Comercial de Campo Grande, João Carlos Polidoro.

Ele levanta uma questão mais palpitante: questiona a necessidade do reajuste. “Não há o que justifique esse aumento. Nós temos a segunda maior tarifa e não temos o segundo melhor transporte público do país. Os funcionários reclamam diariamente de ônibus lotados, atrasos, faltam carros nos horários de pico”, enumera.

Essa inadequação entre custo e qualidade é que deixa mais evidente que o reajuste era desnecessário. “As planilhas deveriam ser mostradas, não tem justificativa esse aumento”, diz.

O que vai acontecer é óbvio, afirma Polidoro: a conta vai ser paga pelo consumidor geral. “O empresário não tem mais como absorver nada. Temos obrigatoriamente que repassar para os preços. Isso vai refletir na inflação. Aliás, a inflação está alta em função do transporte coletivo.”
Absurdo

E não são só os empresários que acham absurdo o aumento no transporte público. A aposentada Lenir da Silva, 58 anos, avalia que já estava muito cara a tarifa, por não corresponder com a qualidade do serviço. “Tenho que madrugar para chegar no horário certo, os ônibus atrasam, demoram muito”.

Lenir usa o cartão porque era mais barata a tarifa, agora tanto faz. Maria Rosa, 66 anos, é beneficiada pelo passe livre e ainda assim considera um “desrespeito” esse aumento, e também desestimula o uso do cartão, já que o valor será o mesmo.

A recepcionista Márcia da Silva, 30 anos, não concorda com o aumento, mesmo a conta sendo bancada pela empresa. “Acho injusto para as pessoas que não usam o cartão. Se fosse para unificar a tarifa, era melhor baixar para R$ 2,30 para todo mundo”.

Joice Lange de Lima, 27 anos, vendedora ambulante, usa cartão pago por ela mesma, reclama da superlotação e repudia o aumento. Vai passar a gastar R$ 150 por mês só com o transporte coletivo. Ela vende chipas na praça para tirar o sustento e com o aumento da tarifa, sua qualidade de vida será pior, conclui.

Aparecida Gomes Ribeiro Silva, 42 anos, é tesoureira de uma empresa e usa o cartão. Com a experiência que tem na área contábil, tirou de letra a lógica do reajuste. “É um absurdo, porque querendo ou não sai do nosso bolso o dinheiro. A gente contribui com o IPTU e outros impostos, e não vê resultados. Tem que melhorar”.

Estratégia

A Prefeitura justifica o reajuste na tarifa do cartão afirmando que o “incentivo do desconto” de 20 centavos não estava surtindo o efeito esperado, que era o fim da circulação de dinheiro nos ônibus. O diretor da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Rudel Trindade, refuta a lógica de que, com a equalização da tarifa, vai aumentar a circulação de dinheiro e o risco de assaltos, que já são muitos. Só em janeiro foram 106 roubos, em um caso o motorista foi esfaqueado e ficou em estado grave.

Rudel diz que em seis meses será proibido o pagamento do passe com dinheiro. Mas ele não sabe ainda como isso será implantado sem causar transtornos. Nesse período a Prefeitura quer estudar estratégias utilizadas por outras cidades, como Goiânia (GO). A primeira “solicitação” feita à Assetur (Associação das Empresas de Transporte Urbano) foi para que duplique o número de pontos de venda e recarga de cartões.