A intervenção federal no Distrito Federal, requisitada pelo procurador-geral da República a fim de assegurar três princípios constitucionais constantes do artigo 34 – “forma republicana, sistema representativo e regime democrático” – dificilmente será deferida pelo Supremo Tribunal Federal, conforme prevêem os ministros aposentados Carlos Velloso e Maurício Corrêa, que presidiram a Corte nos períodos 1999-2001 e 2003-2004, respectivamente. Ambos apostam numa posição “cautelosa” do tribunal, como um todo.

Para Velloso, é “muito evidente” a improcedência do pedido do chefe do Ministério Público – ao contrário do que resultou na prisão preventiva do governador José Roberto Arruda. Corrêa não chega a desqualificar a petição do procurador Roberto Gurgel, mas também opina no sentido de que a intervenção é uma “medida extrema”, já que seria quebrada a “nomenclatura sucessória” estabelecida na Constituição – e o que é mais grave – num ano de eleições gerais.

Na petição de 27 páginas em que requer a intervenção federal, Gurgel ressalta, principalmente, a impossibilidade de ser obedecida, com o afastamento de Arruda, essa linha sucessória: “Não menos certo é que, esgotadas as inúmeras medidas tendentes a recompor a ordem e a conferir legitimidade às decisões da Câmara Legislativa do DF no curso da apuração de responsabilidades, e a restaurar um mínimo de compostura na administração distrital em que governador, vice-governador e secretários de Estado aparecem envolvidos nos crimes, alternativa não resta senão a intervenção da União no Distrito Federal, no intuito de assegurar a observância do princípio republicano”.

– Não vejo como se pode invocar o inciso 7, letra “a” da Constituição, que permite a intervenção nos estados ou no DF para assegurar a observância do princípio republicano – afirma Carlos Velloso, que integrou o STF de 1990 até se aposentar, aos 70 anos, em janeiro de 2006. – O “caput” do dispositivo em questão é bem restritivo. Ele não diz que “a União pode intervir”, mas que “a União não intervirá, exceto para…”. A intervenção federal é uma medida patológica, excepcional. No caso, o princípio republicano a ser observado é o da substituição natural do governador, de acordo com a linha sucessória, que tem ainda o vice-governador, depois o presidente da Câmara Legislativa e, por último, o presidente do Tribunal de Justiça do DF. Não há nada mais republicano do que isto.

Maurício Corrêa – que foi eleito senador pelo DF em 1986 e foi ministro da Justiça do governo Itamar Franco, antes de ser nomeado para o STF em 1994 – acha que “quebrar a regra de substituição do governador, que vai até o presidente do Tribunal de Justiça, “é uma violência, muito embora os fatos que vêm ocorrendo nos deixem desanimados”.

– O processo mais democrático e republicano, o mais correto, em face da atual situação do DF, deve começar com o impeachment do governador, que é um processo político – opina Corrêa. – Para isso, é preciso que a Câmara Legislativa se organize moralmente e assuma uma nova postura, de respeito aos próprios eleitores.

Os dois ministros aposentados do Supremo estão convencidos de que os atuais integrantes da Corte levarão em conta estas ponderações, além de outras “adjetivas”, de ordem política, como o fato de que o DF elegerá em outubro o novo governador, oito deputados federais, dois senadores e 24 deputados distritais, e o de que o parágrafo 1º do artigo 60 da Constituição proíbe a aprovação de emendas constitucionais “na vigência de intervenção federal, do estado de defesa ou de estado de sítio”.