Defesa quer levar para o STF; advogado de defesa chama de frágil a acusação pela falta de laudos e teme ‘caça às bruxas’

Mesmo com a morte da médica anestesista, Neide Mota, vítima de depressão e que tirou a própria vida no fim de novembro do ano passado, o processo pela prática de abortos continua a tramitar na Justiça e deve promover uma discussão nacional sobre o tema se chegar à Suprema Corte.

Hoje, a defesa conseguiu protelar o júri da psicóloga e três enfermeiras com o argumento de ‘excesso de acusação’. Três promotores estavam no plenário para o julgamento marcado agora para o dia 8 de abril, um mês após o Dia Internacional da Mulher.

“Ontem foi negado à liminar no STJ, vamos ver se vamos para o Supremo. Entramos com recurso no TJ, mas ele manteve o júri. Tentamos recurso especial no STJ, mas não conseguimos e agora estamos esperando o STJ decidir sobre o agravo de instrução que é a forma de irmos direto para o STF”, explica Siufi.

O advogado Renê Siufi teme que haja um ‘caça às bruxas’ e que as quatro acusadas venham a pagar com a prisão pela hipocrisia da sociedade, diz ele. “Esse julgamento não pode ser plebiscito. O alvo era a Neide. [médica anestesista] Tudo que o MP pediu foi concedido e nada que a defesa pediu foi concedido”.

“A promotoria diz que apreendeu todas as fichas das pacientes e as outras onde estão e quem são? Só uns vão a júri? Onde estão os médicos que levaram as pacientes? Isso é hipocrisia. Se me perguntar eu digo que sou contra o aborto, mas o CRM sabia, a polícia e o Judiciário também sabiam”.

Por outro lado, a promotoria, responsável pela acusação, trava uma batalha judicial para colocar na prisão a psicóloga e as três enfermeiras processadas. Mas, o promotor Paulo Passos disse que a suspensão do processo das pacientes trouxe reflexos que acabaram por beneficiar os maridos, que não foram punidos.

Já as três enfermeiras e a psicóloga poderão ser punidas com condenação de 1 a 3 anos de detenção por cada uma das 25 mulheres submetidas à penas alternativas. “Daria 25 anos de detenção”, estima Passos.

A polêmica

A psicóloga Simone Aparecida Cantaguessi de Souza, que trabalhou na Clinica de Planejamento Familiar da médica anestesista Neide Mota, considera absurdo o fato dela e de as enfermeiras Libertina de Jesus Centurion, Rosângela de Almeida e Maria Nelma de Souza ser submetidas a júri popular pelo crime de aborto.

Abalada, cercada pelos filhos, marido e parentes, a psicóloga deixou o Fórum. O processo já está no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Para a psicóloga, é um abuso o risco de serem presas. “Não estão lidando com quatro marginais, fui presa, é muita humilhação”. Simone Souza trabalhou seis meses na clínica, segundo o advogado de defesa, Renê Siufi. Já Paulo Passos, um dos promotores, disse que documentos indicam ao menos dois anos de trabalho no local.

Passos disse que a psicóloga atuava no convencimento das ‘clientes’ da clínica e se baseia em documentos, segundo ele. Já Siufi contesta, ao dizer que as 25 mulheres citadas no processo negam a prática do crime.

“Estou muito mal, a imprensa já me prejudicou tanto. É uma absurdo muito grande. Nunca tentei convencer as pessoas até porque na Psicologia o papel é mostrar as possibilidades, mas a escolha é do paciente. Me arrependi de ter pisado naquele lugar, tenho família, filhos e profissão. É um absurdo, humilhante. Todo ser humano tem direito a uma segunda chance”, desabafa Simone de Souza.

A psicóloga foi julgada pelo Conselho Regional de Psicologia por ter ferido o Código de Ética. Sofreu uma censura pública, mas não perdeu o direito de exercer a profissão.

Clínica

Por 20 anos, Neide Mota administrou a clínica localizada perto da antiga rodoviária de Campo Grande. Embora a prática de aborto no local fosse algo conhecido entre as autoridades, foi uma reportagem da afiliada da TV Globo, TV Morena, em 2007 que mostrou o problema e resultou nas prisões tanto da médica como das funcionárias.

No Brasil, o aborto é definido de seis formas. O consentido é crime previsto por lei com pena de reclusão de 1 a 4 anos; nesse, a gestante não o pratica, permite que outro o faça e ambos são legalmente responsáveis. Há também o autoprovocado, crime previsto por lei com pena de reclusão de 1 a 3 anos, conta com a presença do dolo.

O aborto qualificado é considerado crime já que resulta em lesão ou morte da gestante. Nesse, a pena pode ser duplicada.

A chamada interrupção legal é aquela em que a gravidez causa risco de vida à gestante ou quando é originada por estupro.

O aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante é considerado crime previsto por lei para o agente provocador com pena de reclusão de 3 a 10 anos. Esse pode ser fruto de violência grave ou em caso de menor de 14 anos, alienada ou deficiente mental.

O aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante é também crime previsto por lei. A gestante responde por crime de autoabortamento e o agente causador pode ser punido com pena de reclusão de 1 a 4 anos.

(Matéria editada às 11h08)