Presença do Estado é maior em setores estratégicos

Seja na América Latina, na Europa ou na Ásia, a presença do Estado é marcante na prestação de serviços e na infraestrutura. Embora a tendência à privatização de empresas controladas pelo estado seja observada em países de economia de mercado, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a iniciativa privada muitas vezes ainda não consegue chegar […]

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Seja na América Latina, na Europa ou na Ásia, a presença do Estado é marcante na prestação de serviços e na infraestrutura. Embora a tendência à privatização de empresas controladas pelo estado seja observada em países de economia de mercado, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a iniciativa privada muitas vezes ainda não consegue chegar a alguns setores considerados estratégicos, como os de energia e transporte

No Brasil, na França e na China, países de diferentes modelos econômicos, o fornecimento de energia elétrica, a manutenção do transporte ferroviário e a defesa territorial, por exemplo, são de responsabilidade do Estado.

 “Tanto na França quanto no Brasil, a participação das estatais no passado recente já foi muito mais ampla e esteve relacionada a um processo intenso de industrialização. Mas ambos os países ainda têm uma participação estatal que, embora hoje minoritária, ainda é importante em setores estratégicos”, disse Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).

Quando se trata de produção de petróleo, a participação estatal se intensifica ainda mais: atualmente, as 11 maiores empresas de petróleo do mundo têm presença do Estado.

“Há razões históricas para a manutenção do controle do Estado. Há muitos subsídios que devem ser dados para determinadas atividades. Além disso, o Estado considera que, por alguns setores serem monopolistas, devem ficar nas suas próprias mãos em vez de passar para um grupo de empresas, por exemplo, o que poderia não ser benéfico para a população”, disse o professor Frederico Lustosa, da Diretoria Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor do livro Reforma do Estado e Contexto Brasileiro. Modelo chinês Na China, um dos países mais estatizados do mundo, grandes empresas como a China National Petroleum controlam setores inteiros da economia.

“A China, ao contrário da experiência mal-sucedida da Rússia, não fez um processo de privatização massivo de suas empresas estatais. Algumas empresas estatais foram fechadas, incorporadas a outras estatais ou compradas por gerentes ou empregados. Mas ainda assim, há mais de 100 mil empresas estatais na China, a maioria provinciais e municipais”, diz de Paula.

Hoje, as cerca de 200 estatais mais importantes do país são administradas por uma comissão especial. E tem crescido a preocupação em tornar as estatais mais eficientes, de acordo com de Paula. “Nisso se inclui um processo de indução a fusões de empresas, por exemplo”, afirma.

Após o auge da crise, em 2008, o gerenciamento centralizado tem trazido vantagens ao país, segundo Kevin Tang, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China. “É consenso no pós-crise que o planejamento da economia pelo governo tem possibilitado projetos em larga escala necessários para o país, direcionando, organizando e alocando os recursos disponíveis com decisões coordenadas e diretas”, afirmou.

Economia de mercado

Nos Estados Unidos, na outra ponta do espectro, o governo não tem tradição de gerir empresas estatais. Ainda assim, durante o auge da crise financeira, em 2008, o governo se viu forçado a ampliar sua participação na economia, comprando grandes fatias de empresas para injetar capital e evitar que as mesmas “quebrassem”.

“Para os neoliberais, isso seria impensável antes da crise mas, para não deixar que o prejuízo fosse ainda maior, foi necessária essa intervenção, que deverá demorar para ser revertida”, diz o economista e diretor de administração da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos.

Em situações “normais”, a atuação do estado na economia é indireta, por meio de programas militares e aeroespaciais, que demandam orçamentos vultosos, segundo Luiz Fernando de Paula. “Há também fundos estatais para financiamento de setores específicos a serem estimulados, como energia limpa. Em particular, há forte indução no setor de pesquisa e desenvolvimento por parte de iniciativas e compras do governo”, diz ele.

Híbridos

 Para o professor Hélio Janny Teixeira, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP), especialista em administração pública e reforma do estado, não se pode afirmar que exista socialismo ou capitalismo puros, mas sim, “híbridos”.

 “Mesmo que a China, por exemplo, tenha quase todos os seus setores sendo controlados pelo estado, há a participação da iniciativa privada, ainda que seja pequena. Redes de hotéis que atendem turistas, por exemplo, não são estatizadas”, disse.

No entanto, ainda que a iniciativa privada esteja presente, não é possível imaginar que haja pressões para redução da participação do Estado. “Pelo contrário, a pressão é para que sejam criadas mais estatais”.

França e Brasil são exemplos característicos desse modelo híbrido da economia. No país europeu, com tradição estatal, um movimento de privatização tem sido observado nos últimos 25 anos. Com o crescente aumento da dívida pública, a saída encontrada pelos governos foi abrir o capital de muitas de suas empresas.

“Foi uma via que o país encontrou para captar recursos e diminuir – zerar não seria possível – a dívida que tem crescido desde 1981”, diz Bertrand Camacho, conselheiro econômico da Embaixada da França no Brasil. Atualmente, as poucas empresas públicas que restaram estão em setores como energia, transporte e defesa. “Mesmo assim, a iniciativa privada está presente em uma ou outra.

Não há exclusividade do estado”, afirmou o conselheiro. As empresas públicas do país costumam seguir o mesmo modelo adotado pela iniciativa privada. A principal diferença é que o governo é quem nomeia os administradores. “Se o estado tem apenas uma participação em uma empresa, não sendo mais totalmente pública, as nomeações seguem a proporção”, disse Camacho.

No Brasil, o modelo é semelhante: cada estatal é supervisionada pelo ministério correspondente à sua atividade e seus diretores são nomeados pelo governo, seguindo “variados critérios, de acordo com cada empresa”, segundo o Ministério do Planejamento. De acordo com levantamento do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), do Ministério do Planejamento, em todo o país, há 118 empresas supervisionadas pelo governo federal. Desse total, 16 são dependentes do Tesouro Nacional, ou seja, não têm recursos próprios.

 Investimentos e orçamento No primeiro semestre deste ano, os investimentos realizados pelas estatais alcançaram R$ 37,9 bilhões, valor 27% superior ao registrado no mesmo período do ano passado, segundo o Dest.

De acordo com o órgão, na classificação dos investimentos por programa destacam-se dez do setor de petróleo, oito do setor de energia elétrica e seis do setor de transportes.

Pelo Orçamento para 2011 enviado pelo ministro Paulo Bernardo (Planejamento) ao Congresso, as empresas estatais federais poderão aplicar cerca de R$ 107,5 bilhões em investimentos, o maior valor de que se tem registro.

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