Famílias denunciam que a Agência de Habitação de MS “priorizou” moradores que negociam as casas depois; órgão estadual nega manobra. Conjunto habitacional foi bancado por dinheiro estadual e federal

Nilcimar Pinho, de 21 anos, invadiu uma das 107 casas recém inauguradas no Jardim Noroeste, região norte de Campo Grande. Sem recursos, grávida, e sem lugar para onde ir, a jovem diz que achou justo entrar no imóvel porque ninguém tinha ocupado a residência.

“Muitas casas daqui foram sorteadas para quem não precisa, por isso ninguém nem apareceu”, justifica.

Assim como Nilcimar, cerca de 15 famílias continuam irregularmente no conjunto habitacional e prometem resistir. As casas foram entregues no último dia oito de junho pelo governo do Estado através do Programa “MS Cidadão – Casa da Gente”.

“Não quero mais morar nesse lugar”

Os proprietários legítimos, que foram escolhidos através de sorteio, teriam até a próxima quinta (8) para ocupar o imóvel. Mas, com a invasão, alguns já desistem.

“Ontem eu fiquei até as dez horas da noite na delegacia, e não quero mais morar nesse lugar. Vou ver aqui como faço para devolver a casa”, disse Tatiana dos Santos, 24 anos, enquanto esperava para romper o contrato com a Agehab (Agência de Habitação Popular do Estado de Mato Grosso do Sul).

Ela conta que nem foi até a residência recém recebida no sorteio do governo, porque foi informada de que os invasores poderiam ser perigosos. “Estão falando que eles estão cercando o carro dos donos que tentam chegar lá. É muito arriscado e não me sinto mais segura para morar num local assim”, diz.

“A gente só entrou nas casas que estavam vazias, e não agredimos ninguém. Ontem quem foi agressivo foi o pessoal da Agehab, que chegou aqui de noite com cinco camburões do Cigcoe falando pra gente sair até hoje às nove da manhã”, reclama Joelma Conceição Rodrigues, 34 anos, que ocupou uma das casas com o filho e o marido.

“Eles falaram que se a gente não saísse sem rolo, nunca mais o governo nem a prefeitura dariam casa pra gente em lugar nenhum”, relata.

Em nota oficial, a Agehab explica que realmente os invasores são excluídos de todos os cadastros em programas sociais de habitação do órgão. A Lei 3429/97 autoriza a exclusão.

Só quem “precisa de verdade”

Segundo Joelma, os problemas começaram porque os contemplados no sorteio não seriam pessoas que “precisam de verdade”. Ela garante que há muitos donos que só pegaram as residências para vender. “A gente só entrou porque não temos para onde ir. Mas muitos dos sorteados já estão até vendendo as casas, porque não precisam e não querem morar aqui”, assegura.

Segundo a Agehab, denúncias desse tipo devem ser feitas oficialmente no órgão para serem investigados e podem causar a retomada do imóvel. Uma das poucas moradoras que receberam a casa no sorteio do governo e estão morando no bairro confirma que muita gente desistiu das residências.

“Desde que eu mudei aqui, imediatamente após o sorteio, vi muita gente chegar em carrão e fazer cara feia para o bairro. Aqui o governo entregou pra gente sem rede de luz e sem água. Quem não precisa de verdade não aguenta isso, resolve vender mesmo”, analisa.

As casas custaram R$ 1.624.260,00. Desse total, R$ 749 mil vieram do Governo Federal, R$ 661.260,00 do governo do Estado e R$ 214 mil da prefeitura, que também cedeu o terreno onde a vila foi erguida.

A Agehab informou também que todas as medidas legais cabíveis serão tomadas para garantir o direito dos mutuários que foram sorteados. Até o momento, apenas cinco dos proprietários teriam registrado queixa pela invasão.

“Sou uma técnica, e vou tratar a questão tecnicamente. Nós fizemos duas visitas ao local e estamos encaminhando os pedidos de reintegração de posse. Não se resolve o problema da habitação assim. Já lidamos com invasão no conjunto Ramez Tebet e todos saíram”, compara a secretária Estadual de de Habitação e das Cidades, Mirna Estela Arce Torres.