A enfermeira recém-formada conta que já escutou de um professor universitário perguntas como: “Você já não pensou em parar de estudar? Porque a senhora não vai cuidar dos seus netos?”

Terminar um curso universitário aos 71 anos é algo bem incomum. Mas foi exatamente isso que aconteceu em Campo Grande. Maria Selma da Silva, de 71 anos, se formou em Enfermagem no dia 17 de Dezembro de 2009. Hoje (20) a partir das 15 horas é o dia do sonho, é o dia da colação de grau. Ela enfrentou vários problemas para alcançar o objetivo.

Ela conta que muitas vezes ficava chateada com o que escutava das outras pessoas. Mas não desanimava e foi até o fim. Ela já teve que escutar de um professor universitário perguntas como “Você já não pensou em parar de estudar? Porque a senhora não vai cuidar dos seus netos?”

Ela já está aposentada e trabalhou durante 34 anos em um hospital da Capital como instrumentista cirúrgica. Maria fez durante um ano o curso de Biologia e acabou transferindo o curso para Enfermagem.

Por causa da terceira idade, ela ganhou uma bolsa de estudos, pagava 50% nas mensalidades. Teve um trabalho árduo para terminar a faculdade, ajudou os filhos e os netos para depois realizar o próprio sonho.

A instrumentista cirúrgica demorou oito anos para terminar a faculdade de Enfermagem. “ Comecei a faculdade há oito anos, tive que parar um tempo por causa da grana. Eu fazia a faculdade e ajudava um neto a custear a faculdade de Engenharia da Computação. E só depois que ele terminou foi que decidi terminar o meu curso. Parei, voltei, transferi de curso, e somente agora terminei”, comenta.

Viúva, a enfermeira recém-formada, teve 4 filhos, 10 netos e é bisavo de três. Maria casou-se aos 14 anos e perdeu o esposo no dia 13 de julho deste ano. “Casei muito cedo e não tive a oportunidade de terminar os estudos antes. Ter um diploma na mão era o meu sonho. Escolhi fazer enfermagem por causa da minha profissão. Sempre quis me aperfeiçoar na área da saúde. Que pena, que meu esposo não esta mais aqui para ver a minha colação de grau. Mais ele chegou a ver o convite da colação de grau e formatura com a minha foto. Ele era uma pessoa neutra e não tinha conhecimento da necessidade de ter um nível superior. Ele só me perguntava para onde você vai e que horas vai chegar. E sempre me perguntava. Mais você gosta de estudar mesmo?”, relembra.

Incentivo

Com a voz embargada ela comenta de onde veio o incentivo. “Fui incentivada a estudar quando um filho que já faleceu me chamou para fazer a faculdade. Ele disse mãe vamos estudar. Vamos escolher um curso e entrar na vida universitária. Ele iria fazer um curso e eu outro na mesma universidade. Ele morreu e fiquei com aquilo na cabeça. Que teria que terminar a faculdade”.

Primeiro dia

Por causa da transferência de curso ela entrou na sala de aula e os amigos (as) de sala estava fazendo prova. “ A galera da sala já tinha um mês de aula. Entrei na sala de aula, sentei, e a professora já foi mandando uma prova. Era o primeiro dia, a professora pediu para ir ate a frente e se apresentar a turma. Neste dia, fui bem vinda pela turma”.

Trabalho

O curso era das 7h30 as 12h30. Ela saia do trabalho e saia correndo para o trabalho, muitas vezes não almoça e nem tomava banho. “O meu horário de entrada no trabalho era exatamente as 12h30. Eu sempre chegava atrasado. Uma dos chefes, não compreendia que era universitária e fez uma carta de apresentação alegando que os meus atrasos prejudicavam o grupo de trabalho de outros colegas.

Fui parar em um ambulatório que não tinha conhecimento no trabalho, era em outra área, era ruim. Fui até ao Recursos Humanos e pedi para voltar para o meu lugar. Senti que foi maldade, que era inveja porque estava fazendo faculdade. Não tinha tempo de passar em casa e almoçar tranqüila. Comia lanche ou almoçava no intervalo do meu trabalho”.

Festas

Tinha certas coisas que dona Maria não ligava para terminar o curso. “A turma da minha sala era uma turma jovem e percebia que eles faziam festa e não me chamavam. E claro que as vezes eu não iria. Quando ficava sabendo já tinha passado. Sentia também que a galera não puxava muita conversa comigo. Eles(as) não gostavam muito de fazer trabalho comigo. Eu não ligava e pensava que estava sentada no banco da faculdade para estudar e alcançar o meu objetivo. É lógico que festinhas faz parte. Ficava chateada mais não ligava muito para isso”.

Altos e baixos

A instrumentista cirúrgica ficava alegre quando saia bem nas provas e muitas vezes saia da faculdade chorando por causa das notas baixas. Ela comenta que um professor universitário foi entregar uma prova que era justamente um nota abaixo da média e quis desanimar, fazendo o pedido para ela parar de estudar. “Ele foi entregar a prova e disse para mim: você já não pensou em parar de estudar? Porque é que a senhora não vai cuidar dos seus netos?”

Um dos filhos estava vendo o sofrimento da mãe e também pediu para ela parar de estudar. Ela disse que não iria parar novamente e que iria terminar. Maria apresentou o trabalho ligado ao tema portador de fístulaarteriovenosa que é um procedimento cirúrgico para o paciente fazer a hemodiálise. Com média 8,5. Apresentou o trabalho sozinha.

“Gostava de sentar na primeira carteira da fila, bem próximo dos professores. O trabalho de conclusão de curso poderia ser apresentado em três pessoas, e decidi fazer sozinha. Fui para a biblioteca varias vezes e tive ajuda dos meus orientadores. Mas consegui. Não foi fácil”.

Recado

“ Para as pessoas que sonham, tem que acreditar e lutar. E agradecer as pessoas que me ajudaram nesta trajetória de vida estudantil. E agradecer principalmente às pessoas que pediam para eu parar. Aquela discriminação me chateava e ao mesmo tempo fortalecia a minha vontade. Acredito que o sucesso só depende de cada pessoa. Você não pode esperar de ninguém somente de você mesmo”, deixa a enfermeira o recado.