Enquanto o Chile vivia ontem mais um dia de fortes réplicas do terremoto de sábado -os tremores menores que costumam ocorrer após um grande abalo sísmico-, autoridades civis e militares protagonizavam mais uma sessão de expiação pública pelos erros do Estado na reação à catástrofe.

A depuração começou na Marinha, com a demissão do chefe do serviço hidrográfico, setor que falhou ao descartar, nas primeiras horas após o sismo, risco de tsunami, que acabou ocorrendo e levou destruição a áreas costeiras.

Outro órgão sob críticas é o Onemi (Escritório Nacional de Emergências), do governo federal, que assumiu erros na contagem dos mortos no terremoto. O governo reconheceu que a relação de óbitos, anteriormente em 802, estava incerta por enganos no cômputo de desaparecidos. Passou a listar apenas corpos já identificados: 452 até ontem.

O próprio presidente eleito, Sebastián Piñera, que assume o cargo na próxima quinta, após reunião com a atual mandatária, Michelle Bachelet, disse ontem que vai reformular o sistema de alarmes por emergência do país e defendeu “profunda reestruturação” no Onemi.

A uma semana de deixar o poder, o governo da esquerdista Bachelet está na linha de fogo pela suposta demora em levar ajuda e reforço militar às regiões mais afetadas, que registraram saques e desordem por dois dias, e pela falha no alerta de maremoto.

Os problemas levaram a um inédito embate público entre o governo da Concertação -a coalizão de centro-esquerda que dirige o país desde o fim da ditadura militar- e a cúpula militar. O jogo de empurra começou ainda no domingo, quando o chefe da Aeronáutica disse que duas horas após o terremoto a corporação estava pronta para o auxílio, mas tardou por falta de ordem política.

“Tenho que imaginar que o comandante da Aeronáutica estivesse mal informado. Para que eu tivesse um helicóptero [no sábado] foram quatro horas”, rebateu Bachelet.

A presidente já havia dito que a decisão de impor toque de recolher nas regiões mais atingidas não foi tomada na noite de sábado por recomendação de “almirantes e generais”. Foi contestada pelo comandante do Exército, Óscar Izurieta, e pelo chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Cristián le Dantec.

Ambos disseram que o Exército só poderia tomar o comando após o governo decretar “estado de catástrofe” nas regiões em questão, o que só ocorreu no domingo. Le Dantec lembrou que um ministro de Bachelet exteriorizou o debate interno no governo ao dizer que “para uma coalizão que lutou contra a ditadura, a ideia de ter militares nas ruas não foi fácil”.

Jornais chilenos destacaram que Bachelet adiou o decreto de catástrofe por sugestão de assessores próximos que temiam que a medida causasse danos à sua imagem -o governo tem aprovação recorde, em 80%.

ONU
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se reuniu ontem com Bachelet em Santiago e anunciou doação de US$ 10 milhões para o país. O coreano elogiou a “extraordinária liderança” da presidente no pós-catástrofe e disse esperar ter um “quadro mais completo da escala de destruição” para promover o auxílio das Nações Unidas ao país.