Morte do cacique guarani-kaiowá Marcos Veron, ocorreu em 2003 e causou impasse na Justiça; hoje estão no bancos dos réus Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Nivaldo Alves de Oliveira

O julgamento dos acusados pelo assassinato do cacique guarani-kaiowá Marcos Veron, ocorrido em janeiro de 2003 em Juti, no interior de Mato Grosso do Sul, acontece hoje em São Paulo. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) havia determinado que o Tribunal do Júri ocorra em São Paulo para garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos supostos envolvidos no crime.

Pelo MPF, participam do julgamento o procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, de Dourados, e o procurador regional da República Luciano Mariz Maia.

Respondem pelo assassinato Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Nivaldo Alves de Oliveira. Em outubro de 2008, o MPF ofereceu denúncia contra outras 24 pessoas por envolvimento no crime.

Entenda o caso

Acampados na terra indígena Takuara, na fazenda Brasília do Sul, os kaiowá sofreram ataques, entre os dias doze e treze de janeiro de 2003, de quatro homens armados que teriam sido contratados para agredi-los e expulsá-los daquelas terras. Armados com pistolas, eles ameaçaram, espancaram e atiraram nas lideranças indígenas. Veron, à época com 72 anos, foi encaminhado ao hospital com traumatismo craniano, onde faleceu.

Transferência do jurí

Entre os motivos levantados pelo MPF para pedir a transferência do Tribunal do Júri de Dourados (MS) para a capital paulista estão o poder econômico e a influência social do proprietário da fazenda, Jacinto Honório da Silva Filho. Proprietário de terras em Mato Grosso do Sul e outros estados, Jacinto Honório teria negociado com dois índios a mudança de seus depoimentos. Vítimas da agressão, eles teriam sido contratados para trabalhar em uma de suas propriedades na Bolívia.

Também assinaram um depoimento em 2004 mudando a versão que deram ao crime no dia seguinte ao assassinato. Inocentaram os seguranças contratados pelo fazendeiro e passaram a responsabilizar um outro índio, já morto, pelo assassinato do cacique Veron. O fazendeiro teria tentado, inclusive, comprar o depoimento do filho do cacique assassinado, oferecendo-lhe bens materiais em troca da assinatura de um termo de depoimento já redigido.

Manifestação do juiz

Além disso, em seu pedido de desaforamento (mudança de local do júri), o MPF citou as manifestações de juiz estadual que teria se manifestado oralmente contra os indígenas e contra o procurador da República do caso. Nomes que figuram na lista de jurados da Justiça Federal em Dourados também poderiam figurar na lista de jurados do juízo estadual da Comarca de Dourados.

Para o MPF, nem mesmo a realização do Tribunal do Júri em Campo Grande seria suficiente para garantir a imparcialidade. Manifestações na Assembléia Legislativa, condenando os acampamentos indígenas e relativizando a morte das lideranças, bem como opiniões desfavoráveis aos índios em diversos jornais do estado também foram juntadas ao processo, para mostrar que um júri federal realizado em qualquer subseção judiciária do estado teria viés contrário aos índios.

O MPF apresentou ainda nota técnica elaborada pelo analista pericial em antropologia da instituição, considerada pelos desembargadores do TRF 3 como sendo muito clara e bem fundamentada, no sentido de não haver no local condições de isenção suficientes para garantir um julgamento imparcial.

Segundo argumentou o MPF, existe um forte preconceito contra o povo indígena por parte de membros importantes da sociedade sul-mato-grossense. Entre as críticas aos indígenas, proferidas pela Assembléia Legislativa apenas dois meses após a morte de Veron, estava o fato de os índios terem enterrado o líder na própria área ocupada. O enterro foi realizado com amparo de uma decisão da Justiça Federal proferida em resposta a uma Ação Civil Pública do MPF e, por esse motivo, a instituição também foi criticada por “apoiar indistintamente as invasões de terras privadas”.

A defesa

Porém o advogado Josephino Ujacow, considerou o desaforamento ilegal e inconstitucional. 

Em entrevista ao Midiamax, o advogado criminalista disse que impetrou no dia 15 de março um pedido de habeas corpus no STF (Supremo Tribunal Federal) para que o julgamento aconteça em Mato Grosso do Sul em uma das sessões judiciais. “Não se concebe que os réus sejam julgados por jurados da Avenida Paulista que desconhecem a realidade indígena e dos produtores rurais. O julgamento fora do habitat dos réus se constitui um verdadeiro ato de violência”, disse ele.

Na contramão do que afirma o MPF (Ministério Público Federal), Ujacow pontua alguns fatos que deverá apresentar ao júri no dia 12 de abril.

“Os acusados não praticaram os crimes que lhes são atribuídos. A prova acusatória, fruto da maledicência e da animosidade existente entre os índios e os acusados, não pode servir de sustentáculo a uma acusação manifestamente improcedente. O cacique, segundo a denúncia do MPF, teria falecido em decorrência de traumatismo craniano. O processo aponta para o norte de que os acusados não foram os responsáveis pela pancada que atingiu a cabeça do cacique Marcos Veron”.

‘Entrevero’

“A verdade, a grande verdade é que o cacique Marcos Veron se envolveu em um entrevero com seus próprios filhos e familiares, havendo agressões recíprocas, tendo o índio Laucídio Barrios Flores desferido uma pancada na cabeça do cacique Marcos Veron, utilizando-se para tanto de um banco de pau, fato ocorrido na Aldeia localizada no Porto Cambira, horas após a expulsão dos índios da Fazenda Brasília do Sul”, explica Ujacow.

Ainda conforme o advogado, a briga que teria ocorrido entre os indígenas, “foi completamente ignorada pelo MPF. A pancada letal foi desferida na aldeia e não no território da Fazenda Brasília do Sul. O MPF prefere se alicerçar na versão dos indígenas, que ressentidos e magoados com a expulsão das terras de propriedade do senhor Jacintho, não hesitaram em mentir e falsear”.