À distância, o Haiti tornou-se uma espécie de estandarte da cooperação internacional para ajuda humanitária, na reconstrução do país arruinado pelo terremoto de 12 de janeiro.

Um olhar aproximado sobre as ruas da capital, Porto Príncipe, no entanto, revela a falência de um sistema que, apesar dos dólares e recursos humanos já empregados, ainda não fez muito mais pelos haitianos do que distribuir sacos de arroz e tendas (em número insuficiente, diga-se), enterrar 230 mil cadáveres em valas comuns e prestar o socorro emergencial que salvou muitas vidas, mas – por falhas na organização – criou uma nação de amputados e não impediu outras tantas mortes nas semanas consecutivas à catástrofe.

O Haiti é uma ferida aberta no corpo das Nações Unidas. Com o apoio do secretário-geral, Ban Ki-moon, o presidente haitiano, Rene Préval, apresentará quarta-feira, na sede da organização, em Nova York, um plano de 250 páginas para reerguer o país dos escombros.

Com ele, tentará convencer as 60 nações doadoras a assinar um cheque de US$ 3,9 bilhões, a ser usado nos próximos dois anos em soluções provisórias à situação crítica atual – a reconstrução mesmo, com novos hospitais, escolas, prédios públicos, portos e aeroportos, sob rigoroso código de obras e edificações a fim de evitar futuras catástrofes, demandaria U$ 11,5 bilhões e dez anos, nas contas da ONU.

Como e por quem o dinheiro será empregado ainda não se sabe. A Conferência Mundial para a Reconstrução do Haiti, na República Dominicana, foi adiada para junho. Se nada for feito, até lá a temporada de chuvas, em abril e maio, terá levado consigo barracas improvisadas, o que restou das casas ainda equilibradas sobre frágeis pilares e mais vidas. Na semana passada, a primeira tempestade desde o terremoto inundou Citè Soleil e transformou em imenso lamaçal os quase 500 campos de desabrigados espalhados por Porto Príncipe, onde 1 milhão vive sem água, o esgoto corre a céu aberto e os relatos de estupros durante a noite se acumulam.

Era como se os santos do vodu estivessem mandando um aviso sobre o que está por vir. “A hora que as águas vierem, vão levar tudo isso aí”, diz o coronel Faulstich, comandante do Brabatt 2, batalhão agregado às forças brasileiras no Haiti duas semanas atrás.

Sobre os escombros do Forte Nacional, ele aponta para Bel Air, uma das áreas mais afetadas da capital, onde estão a Catedral, o palácio do governo, os ministérios, o Legislativo e o Judiciário, as universidades e a antiga penitenciária, tudo ainda em ruínas. “Há muitos mortos aí embaixo porque nada dos escombros foi retirado. Aqui não se fala em reconstrução”, diz o coronel.

Na favela de Bel Air, 70 dias após a tragédia, a população tenta reorganizar a vida entre pilhas de entulhos – o lixo que se acumula, sem coleta desde o terremoto – e ossos. Um crânio entre as grades retorcidas de um terraço partido ao meio, uma cruz de madeira aqui, outra ali, marcando onde há corpos enterrados, não deixam esquecer a tragédia. Tampouco a letargia da resposta à ela.

Além da segurança, os militares brasileiros estão trabalhando no único assentamento cuja localização já foi definida pelo governo do Haiti – a terraplenagem de forma a evitar alagamentos, e somente isso, será concluída no fim de abril.

Ninguém sabe dizer quando as barracas de estrutura mais firme e com piso serão colocadas. Outros quatro assentamentos prometidos para a temporada de chuvas e furacões não têm previsão de início.