Depois de duas semanas remando contra uma maré de denúncias sobre as suspeitas de achaque por parte de seu ex-caixa de campanha e as peripécias bancárias de um contraparente, o tucano José Serra parece ter começado a superar a tormenta. O candidato continua empacado em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, a uma distância excepcional de Luís Inácio Lula da Silva, do PT, mas há sinais de que está encontrando um rumo.

Na semana passada, uma parte do PFL se aninhou de vez nos braços de Serra e, pela primeira vez, os tucanos fizeram um coro afinado para combater Lula, associando o petista ao risco de “transformar o Brasil numa Argentina”. Além disso, Serra tornou-se o primeiro candidato presidencial a completar sua chapa. Depois de avanços e recuos, finalmente o PMDB indicou o vice: é a deputada Rita Camata, do Espírito Santo, que venceu a disputa com o senador gaúcho Pedro Simon. Jovem e bonita, Rita Camata é uma sacada de marketing para atrair o voto do eleitorado feminino, que tanto ajudou a vitaminar a finada candidatura da ex-governadora Roseana Sarney, do Maranhão. Com seu belo sorriso, olhos azul-esverdeados e cabelos louros, Rita representaria, segundo a ótica marquetológica dos tucanos, uma suavização da chapa de José Serra.

É uma escolha acima de tudo estética, mas representa também um passo importante para fechar a aliança entre tucanos e peemedebistas, matrimônio que só será oficialmente consumado na convenção do PMDB, marcada para o mês que vem.

Não que Rita Camata seja uma parlamentar sem consistência política. No exercício de seu quarto mandato de deputada federal, tem dezesseis projetos transformados em lei. Um deles, conhecido como Lei Camata, proíbe os governantes brasileiros de gastar mais de 60% do orçamento com o funcionalismo público, uma iniciativa que virou embrião da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O problema com Rita é que ela tem votado sistematicamente contra todas as tentativas feitas pelo governo de modernizar o Brasil durante os anos FHC. Votou contra a flexibilização das leis trabalhistas. Votou também contra a reforma administrativa e a da previdência. E também contra a quebra do monopólio das telecomunicações. E do monopólio da Petrobras. Suas posições se encaixariam com muito mais naturalidade numa chapa do PT. “O presidente fez avanços importantes, governou com integridade, mas todos sabemos que é preciso avançar muito mais”, disse Rita no lançamento de sua candidatura.

A escolha de Rita Camata, com seu perfil parlamentar cheio de votos com tinturas petistas, provocou um susto na cúpula nacional do PFL. “O cenário mais provável é que seremos oposição ao próximo governo, seja com Lula, seja com Serra”, provoca o líder pefelista na Câmara, deputado Inocêncio Oliveira.

Reunidos um dia depois da indicação da deputada, os caciques do PFL, Jorge Bornhausen à frente, voltaram a afirmar que o partido não fará aliança nacional para apoiar Serra, na esperança cada dia mais vã de que o candidato tucano seja substituído, mas deram liberdade aos diretórios estaduais para se aliarem com quem bem entenderem. O resultado é que, até aqui, o PFL cerrou fileiras ao lado do candidato Ciro Gomes, do PPS, em dezesseis Estados, entre os quais estão colégios eleitorais expressivos, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Nos demais, os pefelistas preferiram ficar mesmo ao lado dos candidatos do PSDB – o que abrirá palanques importantes para Serra, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.

Com a chapa completa e o PFL mantendo apenas um pé na oposição, a candidatura de Serra está longe de viver um grande momento, mas recuperou um pouco da iniciativa – e partiu para o ataque a Lula.

Numa entrevista a uma emissora de rádio, Serra mencionou cinco vezes o “perigo” de o Brasil “virar uma Argentina”, referência evidente ao petista. Em entrevista concedida em 13 de maio, mas só divulgada na semana passada, Fernando Henrique fez coro. Sem citar nomes nem partidos, o presidente disse que, se o eleito em outubro for “incompetente”, o Brasil está sujeito a desandar como a Argentina. Como se trata de uma declaração tão óbvia quanto dizer que um analfabeto não serve para ser professor de literatura, ficou no ar a intenção de cutucar Lula.

Os tucanos não estão voando sem saber onde pousar. A campanha de Serra já produziu pesquisas qualitativas, uma das bússolas mais usadas pelo marqueteiro Nizan Guanaes, mostrando que mesmo os eleitores que estão inclinados a votar em Lula colocam a própria preferência em dúvida quando se toca no assunto Argentina.

Os tucanos também resolveram realçar um dos aspectos mais controvertidos da candidatura de Lula – sua conversão a propostas que antes combatia. Em seu programa de televisão, Serra questionou a sinceridade do petista através de uma linguagem popular. Segurando uma camiseta do Corinthians, o candidato contou que torcia para o Palmeiras e não trocaria de camisa só para “agradar à torcida”. A sugestão aí embutida é de que Lula, quando ameniza o tom de suas propostas, não está sendo sincero, mas apenas jogando para ganhar votos.

Com a indicação de Rita Camata para vice de Serra, o PT poderá fazer cobranças semelhantes, já que a deputada, na camisa oposicionista, votou sempre contra o governo cuja obra diz agora querer continuar.