#CG125: Com pouca estrutura e investimentos, Campo Grande não tem lugar para as potências olímpicas

Campo Grande tem ‘tradição’ de exportar atletas e está longe de oferecer infraestrutura à altura de grandes centros olímpicos

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Sem dinheiro para competir, atleta vende bala no semáforo (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)
22/08/2024 – Fábio Oruê

Que atleta profissional ou amador – e até os entusiastas – não sonhou em pisar em ‘solo olímpico’ ao ver Rebeca Andrade, Isaquias Queiróz e a dupla Ana Patrícia e Duda recebendo suas medalhas nas últimas Olimpíadas, em Paris? Mas, se viu cercado pela infraestrutura ainda precária para o alto rendimento em Campo Grande.

Na Capital sul-mato-grossense sobra boa vontade em ‘fazer acontecer’, com projetos voltados para o esporte e descentralização de equipamentos públicos, mas ainda faltam bons incentivos e infraestrutura para levar as potências olímpicas ao estrelato.

Ainda é comum encontrar jovens atletas vendendo balas nos semáforos da Afonso Pena para ter a chance de disputar campeonatos nas cidades vizinhas. Se é necessário todo esse esforço fora dos centros de treinamento para chegar até um evento esportivo regional, quantas balas precisam ser vendidas para chegar até uma Olimpíada?

Todo esse contexto faz de Campo Grande um grande exportador de talentos de alto rendimento, já que não tem condições de mantê-los. Nomes como do nadador olímpico Leo de Deus e do lutador Rafael Silva, o Baby, ‘cresceram’ fora de Campo Grande.

Nesta quarta matéria especial em comemoração aos 125 anos de Campo Grande, o Jornal Midiamax traça um panorama sobre Campo Grande e aqueles campo-grandenses que sonham em levar o nome da Cidade Morena aos Jogos Olímpicos.

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Pequenas ginastas treinam no solo (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

Campo-grandense está mais ativo

Todo atleta precisa começar de algum lugar, seja correndo, andando de bicicleta ou até na prática de lutas na infância. Para contextualizar, é preciso mostrar dados da Vigitel compilados pela Rede Cedes/MS (Centro de Desenvolvimento do Esporte Recreativo e do Lazer de Mato Grosso do Sul) que indicam que a população de Campo Grande está fisicamente mais ativa, indicando uma latência para prática esportiva.

Conforme o coordenador da Rede, Junior Silva, Campo Grande até tem boas estruturas arquitetônicas, como os parques, em comparação a outras capitais. Desde 2014, a porcentagem da população ativa tem apresentado bons índices.

Confira:

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(Arte Jornal Midiamax)

Descentralização dos equipamentos

Esses números mostram a necessidade de estruturar a prática e o incentivo ao esporte em Campo Grande. Com o interesse crescendo, a cidade está preparada para subsidiar os futuros atletas que podem vir a se formar?

Em Campo Grande, mais de 100 locais que trabalham com atividades físicas e esportes atendem cerca de 16 mil pessoas, segundo levantamento da Funesp (Fundação Municipal de Esporte).

“Nós avaliamos como muito positiva a recepção e a participação da população de Campo Grande quanto à prática da atividade física principalmente após criação da política ‘movimenta Campo Grande’”, diz o secretário da Funesp, Maicon Mommad, ao Jornal Midiamax.

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População corre no Parque dos Poderes (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

“É possível destacar que Campo Grande é hoje uma capital que se movimenta e cuja população busca melhor a qualidade de vida através da prática da atividade física”, acrescenta. Atualmente, as grandes estruturas que permitem a prática da atividade física em Campo Grande, como o Parque das Nações Indígenas, Parque dos Poderes, Praça Belmar Fidalgo e Sóter ficam na região central e pouco atendem as mais afastadas.

Parques como os citados têm ‘bombado’ de pessoas correndo e se exercitando, principalmente aos fins de semana. Esse fenômeno também veio acompanhado de um aumento das corridas de rua na Capital.

Periferia

Entretanto, o município ainda dispõe de centros periféricos como Jacques da Luz, Ayrton Senna, Centro Olímpico da Vila Nasser, praças do Elias Gadia e Ginásio do Guanandizão, mostrando uma tendência à descentralização.

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Parque Ayrton Senna (Arquivo, Jornal Midiamax)

“Campo Grande tem certa descentralização, mas essa descentralização data de mais de 20 anos, e nos últimos tempos a gente não viu nenhum movimento no sentido de criar um grande equipamento de lazer [na periferia]”, avalia Junior ao Jornal Midiamax.

Isso sem contar com talvez o mais icônico espaço esportivo da Capital: o Estádio Morenão. Há anos com problemas estruturais, o local perde grandes oportunidades de receber eventos esportivos nacionais, como o Brasileirão Série D e a Copa do Brasil.

Além disso, o Estádio Pedro Pedrossian também dispunha de uma pista de atletismo ao redor do campo, que poderia ser uma opção a mais para a prática da modalidade em Campo Grande. Porém, o Morenão vem sendo reformado a passos lentos.

Como está o esporte olímpico em Campo Grande?

Quando o assunto é esporte olímpico, apenas o talento não é suficiente. Também são necessárias estruturas adequadas para subsidiar e acompanhar a evolução do rendimento do atleta. E como citado, o município ainda pende para o baixo e médio rendimentos.

Porém, conforme avalia o coordenador da Cedes, Campo Grande não tem tradição de atletas de alto rendimento, que geralmente são aqueles que chegam nas olimpíadas. Entretanto, os equipamentos (parques, centros de treinamento ou formação) citados acima são precários para preparar esse tipo de atleta.

“Não por acaso a gente tem um ou outro atleta integrando seleções, participando de Olimpíadas, Paralimpíadas. Então, em que pés existam certos fomentos, mas esses fomentos ainda são incapazes de resultar numa performance desses atletas de tal forma que o Estado esteja entre os principais em nível nacional”, diz à reportagem.

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Ciclistas (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

Reconhecimento nacional

Apesar de ainda ter poucos ícones sul-mato-grossenses no cenário olímpico regular, o esporte paralímpico conta com nomes fortes no cenário regional, como o medalhista pelo atletismo Yeltsin Jacques, e Gabriela Ferreira, além da canoísta Débora Benevides e da lutadora Kelly Kethyllin.

“Um exemplo é o próprio futebol de campo, que a gente não tem uma representatividade. Mas isso não fica só para o futebol de campo, porque nós não temos grandes times que representam o voleibol, basquetebol, seleção de handball, de futsal. Então, nessa questão do esporte de rendimento, o nosso Estado ainda é bastante carente”, pontua Junior.

Mas dá para treinar em Campo Grande? A Capital tem a pista de atletismo e a piscina olímpica no Parque Ayrton Senna. A Cefat (Centro de Formação de Atletas) Rose Rocha possui os equipamentos para a ginástica artística e é a única opção gratuita dos três centros no município.

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Ginástica está em alta (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

Falta estrutura

Entretanto, ainda são muito escassos os locais que oferecem estrutura adequada para o esporte de alto rendimento. Atletas, por vezes, precisam atravessar a cidade para treinar. Ou seja, com poucos locais oferecendo essa estrutura, menores são as oportunidades e menos atletas conseguem ‘chegar lá’.

Conforme o secretário municipal, Campo Grande tem investido no esporte olímpico. “Nós podemos destacar aqui o centro de treinamento de ginástica artística, ginástica rítmica, atletismo, paradesporto, que são os carros-chefe dessa gestão, propiciando assim, principalmente aos jovens, equipamentos de qualidade com profissionais preparados para desenvolver a prática do esporte, incluindo o esporte olímpico”, diz ao Jornal Midiamax.

Para Mommad, a Funesp viu nas últimas olimpíadas o destaque da ginástica. “[…] importante reforçar que Campo Grande já é referência no Estado de MS há um bom tempo, principalmente, no que se refere à ginástica rítmica e ginástica artística”, afirma, citando também o atletismo.

“O atletismo também tem tido bastante destaque nesse cenário estadual e brasileiro, e Campo Grande tem investido nessas áreas”, acrescenta. Porém, as estruturas mostram uma realidade diferente.

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Corredores em Campo Grande (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Fila de espera

Depois do triunfo com medalha de ouro nas Olimpíadas de Paris 2024, a ginasta Rebeca Andrade tem inspirado meninas que já fazem ginástica e outras tantas que desejam entrar nessa graciosa, mas árdua modalidade.

Em Campo Grande, o Cefat Rose Rocha tem uma fila de espera de 250 meninas e já atende cerca de 400 atletas, entre meninos e meninas. Rebeca Andrade voltou de Paris com 4 medalhas (1 ouro, 2 pratas e 1 bronze).

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Ginastas em Campo Grande (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

“As crianças aqui de dentro também se sentem orgulhosas. Nós nos reunimos aqui para assistir a final da Rebeca. É bem bacana essa conexão das olimpíadas e elas se sentem mais motivadas para quem sabe um dia ser uma Rebeca”, diz Elaine Nagaro, coordenadora pedagógica do Cefat.

Segundo Elaine, os equipamentos foram doados seminovos pela federação de ginástica e são todos dentro do padrão internacional. A realidade do Cefat é exemplo da infraestrutura de Campo Grande, onde nem todos tem a chance de ingressar no esporte.

Quem são as futuras ‘Rebecas’?

Outro exemplo é o skate, um esporte relativamente novo no circuito olímpico, mas que desperta muito a atenção dos jovens. Para se ter uma ideia, apenas quatro pistas são conhecidas em Campo Grande: Horto Florestal, Coophavila II, Parque das Nações Indígenas e Orla Morena. Entretanto, nenhuma sequer chega perto das vistas em Paris durante as apresentações da skatista Rayssa Leal.

Destes pontos públicos citados, a responsabilidade é do Governo do Estado e da Funesp. No ano passado, o Jornal Midiamax havia publicado um material sobre a manutenção das pistas de skate. Na época, a Funesp havia informado que a Sisep (Secretaria Municipal de Serviços Urbanos e Infraestrutura) estava com andamento de processo licitatório para reforma da pista do Sóter. Quase um ano depois, nada mudou de figura

A Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos) continua as más notícias para os atletas da categoria. A tão sonhada pista moderna de skate da Moreninha III ainda não saiu do papel. O detalhe é que a iniciativa foi lançada há quase quatro anos.

Em novembro de 2023, houve uma esperança de avanço, já que o Estado divulgou o projeto, com a construção orçada em R$ 1 milhão. Será que além dos atletas de esportes mais tradicionais, Campo Grande também vai começar a exportar desportistas das modalidades mais ‘alternativas’?

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Pista de Skate (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Só o Bolsa Atleta é suficiente?

Os governos federal, estadual e municipal possuem suas versões do Bolsa Atleta, mas os valores são apenas um incentivo e não conseguem manter um atleta no alto rendimento. Além disso, sequer é pago para os desportistas que estão em começo de carreira.

Ele ainda acrescenta: “Para você ter uma ideia, em nível federal ele tem uma bolsa de 370 reais. O que é uma bolsa de 370 reais para um universitário de 20 anos, que é alta performance em karatê? Não paga nem o kimono dele”, compara o coordenador da Cedes.

“Os atletas que têm Bolsa estão tendo bons resultados. Mas não pode ser diferente, porque só tem Bolsa Atleta quem já é um atleta de nível elevado. O atleta que compõe Bolsa Atleta, ele só tem Bolsa Atleta porque ele já é uma alta performance”, explica o profissional.

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Bolsa Atleta do Governo de MS (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

Além disso, Junior ainda avalia que a falta de acompanhamento também é uma problemática. “Às vezes você tem um investimento, mas você não tem o acompanhamento de até que ponto esse investimento está surtindo um efeito”, diz ao Jornal Midiamax.

“Alguém pode dizer assim: ‘mas tem [incentivo]’, mas provavelmente ele é insuficiente, porque se nós temos atletas pedindo nos sinais para participar de competições, provavelmente esses recursos não têm sido suficientes”, pontua.

Vida dupla

A estrutura precária e o baixo investimento financeiro acaba em um fenômeno denominado de dupla carreira. “A dupla carreira é um atleta que além da função de atleta semiprofissional ou profissional, ele ainda divide o seu tempo ou com o estudo ou com o trabalho”, explica Junior.

Muitos atletas ainda precisam dividir o tempo com as vidas profissionais, já que um número ínfimo consegue ganhar uma quantia boa de dinheiro para se manter. A maior parte desse valor vem de patrocínios privados, a que atletas em início de carreira dificilmente tem acesso.

“Então, o elemento financeiro, o qual a administração pública precisa investir, é muito importante nesse setor, para que o atleta possa permanecer [no esporte]”, acrescenta. Porém, neste meio, os jogadores de futebol são um grupo fora da curva.

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Corrida no Parque dos Poderes (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

Para eles, tudo depende do time em que jogam. Quanto mais alto o clube estiver no ranking, mais dinheiro ‘entra’ e, consequentemente, os salários conseguem ser melhores. Já lutadores, ginastas, corredores, canoístas, ciclistas e etc. dependem quase que exclusivamente de patrocínios.

Potência olímpica

O pequeno Luke Nagaro gostava de fazer estrelinhas e entrou há cerca de 8 anos na ginástica olímpica. Depois de dois meses de treinamento começou a competir. O atleta é uma das potências olímpicas que podem despontar no esporte.

Agora, Luke tem 11 anos e sonha em integrar a seleção olímpica. “Tem muita gente que foi atleta nosso, mas agora está trabalhando [em outras áreas] porque não pôde continuar e eu não quero trabalhar e sim continuar no esporte muito feliz aqui”, afirma ao Jornal Midiamax.

Ainda há esperança?

O professor Junior pontua três ações que poderiam melhorar o cenário esportivo para os atletas de alto rendimento: aliar gestão e conhecimento científico; integração com demais setores; e Bolsa Atleta por níveis de rendimento.

“Falando do esporte de alto rendimento, ele não perpassa apenas a questão financeira. Ele perpassa um processo de conhecimento técnico e científico de quais são os elementos necessários para se formar um atleta, para se manter um atleta e para quando o sujeito não está mais na ápice da vida performática como atleta”, aponta o profissional.

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Ginástica Olímpica (Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax)

A pesquisa científica consegue mapear, através de dados, a realidade enquanto a gestão coloca em prática ações para otimizar aquela realidade. Um desses trabalhos pode ser a integração com os setores da educação e saúde, por exemplo.

“Nós temos três setores no âmbito municipal que podem atuar com o esporte. Um é a escola, por intermédio do setor do esporte como atividade extracurricular.Nós temos a Secretaria de Saúde, que vai trabalhar com atividade física como elemento preventivo e nós temos a Funesp na política de esporte de lazer e de rendimento”, cita.

Essas pastas precisam dialogar entre si e fazer um sombreamento para verificar se um mesmo bairro não recebe uma atividade similar (oferecida por mais de uma secretária ou fundação). Ou seja, um local ter ações semelhantes enquanto outro não tem nenhuma.

Por fim, Junior propõe que o Bolsa Atleta tenha níveis para atender todos os tipos de atletas. “Eu vou ter uma política com uma faixa, que é para quem já é atleta de alto rendimento e já está no topo. Então, eu vou manter uma política para ele não sair dali, mas eu vou criar uma política para quem não está ainda ter uma ascensão”, explica.

Na avaliação do coordenador, neste aniversário de Campo Grande há de se comemorar que a população tenha se tornado mais ativa e interessada pelo esporte.

#CG125 – Campo Grande faz aniversário!

Jornal Midiamax iniciou a partir de 19 de agosto a publicação de uma série de reportagens com perspectivas sobre a Capital sul-mato-grossense, que completa, no dia 26 de agosto de 2024, 125 anos de sua fundação.

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