Filhos da terra: produção cerâmica cresce 5 vezes alinhada à sustentabilidade em Mato Grosso do Sul

Tecnologia e sustentabilidade andaram lado a lado para aumentar em cinco vezes a capacidade de produção de peças, como telhas e tijolos em Rio Verde de MT, que abastecem a indústria civil de Campo Grande

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Produção de cerâmica de Rio Verde de MT abastece a indústria civil de Campo Grande. (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

Nas Escrituras Sagradas é dito que o homem veio do pó da terra e que a ela voltará. Em Rio Verde de Mato Grosso, a 203 km de Campo Grande, é pela terra que se ganha o sustento, num contexto diferente da forte economia agropecuária em Mato Grosso do Sul.

Na localidade, a fabricação das cerâmicas derivadas de argila encontrada em jazidas locais é como um “sopro divino” na economia na cidade, que gera renda e abastece indústrias em Mato Grosso do Sul.

Os paredões de argila de Rio Verde impressionam pela imponência do material que já está estabelecido naquele solo há cerca de 400 milhões de anos e que guarda tesouros da terra, que contam a pré-história de Mato Grosso do Sul.

Se ao pó da terra voltaremos, em Rio Verde também é nela que se trabalha. É essa “herança” do período geológico devoniano que serve de matéria-prima para as indústrias de cerâmicas da cidade, que mensalmente produzem milhões de telhas e tijolos para abastecer a construção civil, do interior à Capital de Mato Grosso do Sul.

Tesouro da terra

Fósseis e icnofósseis mostram que MS já foi oceano um dia. (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

As jazidas da cidade guardam verdadeiros tesouros da terra. São fósseis – restos de animais ou vegetais conservados em rochas – e icnofósseis – vestígios da passagem de um organismo por uma superfície, como as marcas das pegadas, a toca e indícios da alimentação. Esses elementos, inclusive, confirmam que Mato Grosso do Sul já foi submerso por um oceano.

De acordo com a pós-doutora em geociências e coordenadora do GeoPaLab (Laboratório de Geologia e Paleontologia) da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), professora Edna Maria Facincani, os organismos pré-históricos foram extintos há milhões de anos, restanto apenas esses pequenos registros da passagem deles pela terra. 

“Eles estão registrados aqui na forma de fósseis nesse pacote sedimentar que nós denominamos principalmente de argilitos. Para a economia da região de Rio Verde, isso é algo muito importante, porque são a base da fabricação cerâmica, para a produção de tijolos e telhas. É muito importante até na questão da renda da região”, aponta.

Qualidade reconhecida e produção tecnológica

Não é à toa, portanto, que a cidade é polo cerâmico no Centro-Oeste. A qualidade da argila encontrada nas jazidas da cidade são reconhecidas devido às característica físico-químicas que resultam num produto de excelente qualidade, sobretudo a cerâmica vermelha, considerada uma das melhores da região brasileira.

Além disso, a argila aflorou próxima ao solo, de forma que a extração requer retirada de pouco aterro para chegar até ela.

Assim, a matéria-prima ganha status de ouro, fator que atraiu muitas empresas décadas atrás, chegando a 15 da década de 1970. O número de indústrias reduziu ao longo dos anos, mas sem perder a capacidade de produção devido ao emprego de tecnologias.

Região recebe alunos de escolas e universidades para aprenderem sobre as jazidas. (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

Se há 40 anos a produção era de 3 milhões de peças, atualmente a cidade produz 15 milhões com cerca de dez “fornos”, como também são conhecidas as cerâmicas. Isso representa crescimento de cinco vezes na capacidade de produção sem perder a qualidade e sustentabilidade.

Atualmente, mais de mil pessoas são empregadas direta ou indiretamente nessa indústria em Rio Verde de MT, conforme relata Natel Moraes, presidente da Sindicer/MS (Sindicato das Indústrias Cerâmicas de Mato Grosso do Sul).

“Nossa argila é muito boa e, devido a isso, muitas empresas do passado foram se instalando e [a cidade] se tornou um grande polo. Isso diminuiu ao longo dos anos, mas aumentou a tecnologia e produção. Foi-se conhecendo mais a matéria-prima”, explica.

O vice-presidente regional da Fiems (Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul), Luiz Cláudio Sabedotti Fornari, relembra que o Estado até meados da década de 1990 era muito dependente da produção de telhas e tijolos de São Paulo. 

O cenário mudou quando empresários procuraram uma cidade próxima a Campo Grande que fornecesse uma boa argila que pudesse competir em qualidade com a produção do estado vizinho, especialmente para atender à demanda da Capital que estava em pleno desenvolvimento. Assim, no início dos anos 2000, ceramistas de MS se uniram para procurar tecnologias que pudessem ajudar com a argila sul-mato-grossense.

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Informações: Edmarcio de Mello Tomazini (Técnico em Cerâmica)

“Quando alcançamos essa formação conhecida como Ponta Grossa, a gente instalou a indústria aqui. Foi difícil até dominar essa argila, que tem uma qualidade diferente, e São Paulo continuou a atender até que os empresários conseguissem dominar e superar a qualidade de São Paulo. Daí para frente, a maioria das peças que abastecem Campo Grande vem de Rio Verde de MT e, depois, por algumas outras poucas cidades, como Coxim e Três Lagoas”, afirma Luiz Claudio.

Fiems e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) foram grandes apoiadores desse movimento com o incentivo para que os industriais conhecessem as ferramentas desenvolvidas na Europa, como Espanha e Itália. 

Jazidas de argila em Rio Verde de MT (MS). (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

“Foram tempos difíceis. Mas, da dor surgiu a tecnologia. Uma técnica de queima que é muito utilizada no Brasil foi desenvolvida aqui em Rio Verde depois que os empresários se uniram e buscaram métodos diferentes para a preparação da argila. Isso levou a um desenvolvimento muito grande”, celebra o diretor. 

Terra e desenvolvimento sustentável

Todo o desenvolvimento e uso das jazidas de argila precisam ser feitos de forma sustentável, com autorizações ambientais e certificado por órgãos federais. Todas as empresas precisam de autorização da ANM (Agência Nacional de Mineração), negociar com o proprietário da lavra (caso seja de terceiros) e obter licenças municipais. Depois é preciso ingressar com processo de licenciamento ambiental no Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul).

Amauri trabalha há anos no setor cerâmico. (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

Amauri Olartechea, responsável pelo setor de Recursos Humanos da Cerâmica Cotto Figueira, explica que a olaria possui uma série de autorizações que permitem a exploração das jazidas de forma responsável e sustentável. 

“Nós fazemos a reposição de material conforme a jazida vai avançando. Tiramos a argila e depois colocamos um outro material, um aterro para suprir aquele solo e assim vem com a vegetação, um pasto e assim por diante para voltar a recuperação daquela área onde nós utilizamos”, explica.

Como exemplo, cita uma área usada anos atrás que foi vendida para o ramo da piscicultura e ganhou uma nova função social, empregando pessoas em outra indústria.

“Foi aproveitada aquela área, que passou a ser explorada com tanques para peixes e dando uma responsabilidade e retornando uso social daquela área para nossa comunidade”, afirma.

Sustentabilidade e segurança são palavras-chave

Palavras-chave na indústria de cerâmicas, sustentabilidade e segurança fazem parte da equação que amparou a modernização desse segmento produtivo para além da tecnologia, como detalha o diretor regional da federação da indústria, Luiz Cláudio.

Entre os avanços ao longo das últimas quatro décadas, está a preocupação com a emissão de carbono, processo de queima e filtragem das chaminés que aquecem as peças em temperaturas de até mil graus Celsius.

Ele exemplifica: a lenha é reduzida a ponto de cavaco, ou seja, em pequenos pedaços. Ela é colocada em máquinas com sensores de temperatura, que conhecem cada etapa do processo e que são ligadas e desligadas automaticamente.

Processo de queima dos tijolos pode alcançar mil graus Celsius. (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

Assim, o que antes era suor, calor e peso para os trabalhadores, hoje é automatizado para aumentar a segurança e eficiência sem que o operário precise tocar na madeira ou na máquina.  

Outra mudança foi a origem dessa madeira que é usada nos fornos das cerâmicas.

“O sistema de queima foi de lenha comum para queima automática com cavaco de lenha de eucalipto. Essa é uma lenha plantada ou de produção própria. Eu preciso queimar lenha que tenha reposição florestal, não podemos queimar mais lenha nativa”, detalha.

A doutora em engenharia civil Maria Angélica Covelo Silva, na obra Cerâmica vermelha: Desempenho, Sustentabilidade e Produtividade”, expõe como a cerâmica vermelha continua sustentável após sair da fábrica. 

As peças feitas com esse material apresentam uma boa vida útil devido ao desempenho térmico, desempenho acústico e resistência ao fogo. Assim, por exemplo, o conforto térmico reduz a necessidade de uso de ar-condicionado ou outros aparelhos com alto consumo de energia elétrica.

Além disso, a pesquisadora acrescenta que a evolução de produção da cerâmica ao decorrer dos séculos foi pautada em quatro eixos. O mesmo caminho foi seguido pela indústria em Mato Grosso do Sul:

  • Impacto ambiental e sustentabilidade;
  • Tecnologia de produção;
  • Qualidade e desempenho dos produtos finais;
  • Produtividade no processo de execução das obras.

Terra que gera emprego e renda

O processo de produção de tijolos é composto por várias etapas dentro de uma olaria: extração da argila que, posteriormente, é misturada e moída. 

Depois, esse material é levado para a olaria, onde é molhado para fazer a modelagem e, em seguida, passa por um processo de secagem. Por último, o tijolo passa pela queima nos fornos para finalmente atingir o ponto ideal para ser usado na construção de muros, casas e prédios. 

Algumas partes do processo são automatizadas por máquinas. Contudo, outras necessitam do ser humano. Há 11 anos na Cerâmica Campo Grande, o encarregado Marcos de Araújo Lima relata que antes trabalhava em um supermercado. Porém, este já é o emprego mais longo na vida profissional. Ele elogia as condições de trabalho da indústria cerâmica em comparação com o setor de comércio. 

Marcos Araújo mostra como funcionam os fornos em uma indústria cerâmica. (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

“Eu acredito que uma das coisas que mais me fez ficar aqui depois de ter trabalhado em outros lugares foi a flexibilidade de tempo e o próprio relacionamento entre os funcionários, com o patrão. São pessoas que ajudam bastante os funcionários”, pontua.

O salário também é um dos outros pontos destacados pelo operário, que tem jornada diária de 6 horas. “Considero boa a remuneração. Levando em consideração a cidade, está até um pouco acima da média”, acrescenta. 

Além disso, a sucessão familiar também é presente na indústria cerâmica de Rio Verde de Mato Grosso. Amauri Olartechea explica como o ofício é passado de geração em geração.

“Ao longo desses 40 anos nós temos a sucessão familiar. Muitos funcionários se aposentaram e já têm o filho trabalhando conosco”, conclui.

Da argila aos tijolos, das mãos que fabricam os tijolos, àquelas que constroem paredes e tetos. O segmento industrial da cerâmica em Rio Verde integra a geração de receita à cidade e ao Estado, além de proporcionar renda e emprego para milhares de moradores.

Em Rio Verde, é da terra que se edifica o sonho da moradia, do teto sob a cabeça, de lares para dormir e sonhar, antes que tudo volte a ser pó.

As imagens foram feitas na Cerâmica Cotto Figueira e Cerâmica Campo Grande, em Rio Verde de MT (MS).

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