Patrulha no campo: estratégia em MS reduz migração de bandidos, furtos de gado e sistema de ‘colheitadeiras milionárias’
Migração de quadrilhas trouxe pressão de pecuaristas e produtores, originando o policiamento rural e a delegacia que, logo na inauguração, prendeu os 2 maiores grupos de atuação no Estado
Graziela Rezende –
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É na calada da noite, de lua cheia principalmente, que eles começam a agir. Após atuação do olheiro, que indica a fazenda certa para o crime, os próximos a entrar em ação são os embarcadores do gado. Depois, “na surdina”, fogem com os animais e vão rumo ao receptador. A migração de quadrilhas, da cidade para o campo, trouxe pressão de pecuaristas e produtores, originando o policiamento rural e a delegacia que, logo na inauguração, prendeu os 2 maiores grupos de atuação em Mato Grosso do Sul.
Do furto de animais, que envolve até o cálculo das condições climáticas no momento do crime, os criminosos também se especializaram em levar equipamentos, como GPS e antenas, fazendo os produtos estarem em falta no mercado e elevarem o preço em até 100%, desde o período de pandemia. Instaladas em colheitadeiras, esses rastreadores agilizam o processo em lavouras, dando a possibilidade de, inclusive, realizar o trabalho no período noturno ou durante uma chuva, por exemplo.
O último crime do tipo ocorreu em uma propriedade próxima à capital sul-mato-grossense. Dono de 30 máquinas deste tipo, um produtor rural teve o prejuízo de mais de R$ 1 milhão com o furto destes equipamentos de GPS, além das antenas. Na ocasião, conforme informou a polícia ao Jornal Midiamax, levaram 16 aparelhos da vítima, durante a madrugada.
A investigação apontou que os bandidos foram diretamente para o barracão da propriedade, onde os veículos estavam guardados com a porta aberta. No local, trabalhavam cerca de 30 pessoas e, na ocasião, não havia sistema de monitoramento em funcionamento. Ou seja, mesmo com guarita na fazenda, os suspeitos se aproveitaram da fragilidade para agir e cometer o crime.
Polícia prendeu maior quadrilha envolvida em abigeato no Estado
Quando se trata do gado, a madrugada também se torna o horário de ação dos criminosos. No último mês de setembro, quando Mato Grosso do Sul viu nascer a Deleagro — delegacia especializada de combate a crimes rurais e abigeato — a polícia tirou de circulação a maior quadrilha de furto de gado do Estado.
A última vítima deles foi um pecuarista, de 66 anos, cuja identidade não será revelada. Na ocasião, o bando, totalmente organizado, levou 75 cabeças de gado durante a madrugada. Em 30 horas, a Polícia Civil recuperou os animais, sendo que somente um deles faleceu no translado.
Ao apurar o modus operandi dos bandidos, a delegacia especializada constatou que os olheiros conversavam com peões e se aproximavam dizendo que tinham gado para oferecer. No caso deste mapeamento, a polícia identificou 12 envolvidos, prendendo em flagrante um homem de 36 anos e outro de 42 anos, considerado o chefe da quadrilha.
Ao Jornal Midiamax o proprietário da fazenda, Idamir José, disse que os criminosos foram tão audaciosos que refizeram um embarcador desativado, na sede, para poder embarcar as 75 cabeças de gado, avaliadas entre R$ 3 mil e R$ 3.500 cada animal. “Estão acontecendo muitos furtos na região, mas de uma, duas cabeças, carneadas na beira da cerca mesmo”, comentou na ocasião.
Nestes casos, o delegado titular da Deleagro, Mateus Zampiere, explicou que a intenção dos criminosos, na maioria dos casos, é de revender em leilões, o que difere do pequeno furto, onde o animal é carneado para ser vendido em açougues clandestinos. Os criminosos, com notas frias, remarcam o gado e vendem em leilões. Geralmente quem compra nem sabe que está adquirindo um animal furtado. Outra modalidade também é a venda direta, com documentação falsificada e em frigoríficos para abate.
Bandidos tentariam fuga para SP quando foram presos pela Deleagro em MS
“Tivemos indícios fortes, no período de investigação e aprofundamos no sentido de trazer mais provas ao conjunto dos autos. Apontamos que o grupo havia cometido o crime em Ribas do Rio Pardo, depois seguiram para Dois Irmãos, onde deixaram o gado. Lá, o receptador já os aguardava. Em seguida, voltaram para Campo Grande e esperavam o momento certo para fugir para São Paulo e lá então planejar novos crimes”, argumentou o investigador.
Em meio à fuga, a vítima registrou o boletim de ocorrência, usou as redes sociais para divulgar o crime e a polícia iniciou as buscas, quando flagrou parte dos bandidos com o caminhão estragado. Houve campana policial e os animais foram recuperados.
No período de pandemia, o delegado afirma que pecuaristas e produtores realmente procuraram mais a polícia para fazer registros, tanto de roubo de maquinário quanto de gado. “Nós conseguimos controlar hoje os grandes furtos no estado, quebrando as quadrilhas. Outro crime apurado aqui é também o abate de beira de cerca, em que muitas vezes carneiam o animal no próprio local. Este é um crime constante, sazonal, então, desta forma, a patrulha da Polícia Militar nestes locais vai ajudar muito”, avaliou.
Crimes rurais aumentaram desde 2020, segundo dados da Sejusp
Conforme dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2022, o crime com maior número de ocorrências registradas no Estado foi o furto de animais (abigeato), seguido pelo roubo e furto de adubos, agrotóxicos e fertilizantes e roubo e furto de maquinário agrícola, como colheitadeiras, pulverizadores, semeadeiras e tratores agrícolas.
No ano de 2020, por exemplo, foram registrados 514 furtos de gado e em 2021, foram 529 ocorrências. Neste ano, até o mês de abril, foram 73 casos deste mesmo crime.
Já o número de furtos de adubo, agrotóxico e fertilizante em 2020 chegou a 15.
Em 2021, foram nove e neste ano foram seis casos, também até o mês de abril. O número de roubo e furto de maquinários em 2020, 2021, 2022 foi de 33, 19 e 5 casos, respectivamente.
Sindicato confirma que pecuaristas ficaram mais expostos na pandemia
O SRCG (Sindicato Rural de Campo Grande), com filiados não só na capital sul-mato-grossense, como Rochedo e Corguinho, argumenta que os pecuaristas, agricultores e produtores rurais realmente ficaram mais expostos na pandemia. Dessa forma, parte da classe “pressionou” o Sindicato e este repassou a reclamação adiante, sendo que o mesmo teria ocorrido em entidades como a Aprosoja-MS (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso do Sul) e a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de MS).
“A categoria brigou por esse policiamento ostensivo, justamente neste contexto. E a Patrulha Rural, que é um projeto do Governo do Estado, além da parceria da Deleagro, chegou no momento de uma série de crimes rurais, em uma curva ascendente. Essas pessoas estavam em suas casas e ficaram mais expostas, só que, ao mesmo tempo, as autoridades se mobilizaram para atuar de forma ostensiva”, afirmou ao Jornal Midiamax o presidente do SRCG, Alessandro Coelho.
Segundo o presidente, ao longo dos últimos cinco anos, os produtores sofreram com aumentos sucessivos nos custos de produção, sendo necessário investir em equipamentos de tecnologia, como tratores e outras máquinas agrícolas, o que também atraiu a atenção de quadrilhas sobre estes bens.
“Um trator médio, uma plantadeira de 230 cavalos aproximadamente, já estão ao custo de R$ 2 milhões cada. São custos elevados e não estou falando nem de uma colheitadeira, que é um equipamento com mais tecnologia e pode ultrapassar os R$ 3 milhões. Aliás, nesse custo-benefício, o Brasil é um dos campeões e o produtor trabalha muito bem mesmo com a oscilação do clima e todas as dificuldades”, avaliou Coelho.
Estado tem muitas estradas vicinais, o que “facilita” para bandidos
Uma destas dificuldades, por exemplo, seria a falta de investimento em logísticas, o que acarreta na aparição de grande quantidade de estradas vicinais, algo que, em tese, facilitaria a vida de bandidos.
Quando casos do tipo ocorrem, é toda uma cadeia que se movimenta. Como exemplo, Alessandro explica que até os seguros estão aumentando valores ou então fazendo seguros específicos, para casos de furtos de equipamentos eletrônicos nas fazendas, como é o caso do GPS e antenas.
“São aparelhos relativamente pequenos. E era igual ocorria antigamente, quando furtavam o som de carros. No caso do GPS, eles o retiram do monitor das máquinas, sem falar nas antenas. Esse crime aumentou exponencialmente e muitas vezes não encontramos nem para manutenção mais. Outra questão é o cuidado que precisamos ter com fornecedores, até por uma questão de repreender essa criminalidade”, falou.
Atualmente, com a força-tarefa das polícias civil e militar, o presidente avalia uma queda abrupta dos crimes rurais. “Na pandemia, as demandas foram aumentando e aí houve pressão no sindicato, na Aprosoja, na Famasul e em outros setores. As pessoas estavam sofrendo, falaram em quadrilhas organizadas que rendiam gente nas fazendas, amarravam e inclusive levavam até fertilizantes”, comentou.
‘Nem no estoque e nem na fábrica’: gerente confirma falta de GPS e antenas
No decorrer desta semana, a reportagem visitou lojas que comercializam maquinários e implementos agrícolas, localizadas na avenida Coronel Antonino, em Campo Grande. Os funcionários reforçaram que os equipamentos, tais como GPS e antenas das colheitadeiras, realmente estão em falta. O gerente de um estabelecimento do ramo inclusive conta que atende o maior cliente do Estado, o qual possui mais de 30 máquinas do tipo e foi vítima de ladrões.
“Ele entrou em contato comigo e eu fui pessoalmente verificar o chassi de cada colheitadeira, com a intenção de, quem sabe, localizarmos os rastreadores furtados. Ao mesmo tempo, entrei em contato com todas as distribuidoras e o GPS e antenas das colheitadeiras estão em falta. Não tem no estoque, não tem na fábrica. No caso dele, que precisava fazer a colheita da soja, os vizinhos emprestaram, teve gente que alugou, mas, ele continua em contato esperando para readquirir os equipamentos, que proporcionam muita agilidade no campo”, avaliou o gerente.
Delegacia especializada em MS foi criada com base em delegacia de Goiás
Com um batalhão rural, envolvendo a Polícia Militar e a DERCR (Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Rurais), o estado de Goiás se tornou referência no combate ao crime de abigeato e outros crimes no campo. Dessa forma, uma delegada atuante lá veio para o Estado e aqui prestou consultoria. Junto a isso, a Deleagro ganhou profissionais experientes e hoje possui excelentes resultados.
“A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública – Sejusp – tem apresentado alternativas muito positivas para a segurança no campo. A criação da Deleagro foi um ato fundamental. O agricultor faz investimentos altos em bens móveis e tecnologias que ajudam nas métricas das safras. E a subtração de um item, pode colocar a perder números cada vez mais preciosos para quem precisa por tudo na ponta do lápis”, comentou o presidente da Aprosoja MS, André Figueiredo Dobashi.
Além das tecnologias, também há registros de furtos de insumos, como os próprios defensivos, produto importado de alto custo para produtor.
Patrulha no campo: mais de mil propriedades já estão no programa
Para garantir a tranquilidade do homem do campo, o programa ‘Campo Mais Seguro’ é um auxílio, com monitoramento da Polícia Militar em propriedades rurais do Estado. Dessa forma, a prevenção dos crimes é realizada por meio de um aplicativo, com monitoramento georreferenciado e apoio das forças de segurança sul-mato-grossenses.
Este mecanismo, até o último balanço divulgado pelo Governo do Estado, no início deste mês de maio, apontou que 1.188 mil unidades rurais fizeram o cadastro, com a intenção de coibir roubos e furtos. O aplicativo foi lançado em março deste ano e já está presente em 20 municípios, incluindo a capital sul-mato-grossense, sendo que a intenção é levar o patrulhamento rural para as 79 cidades.
“Todas essas unidades foram visitadas e registradas pela Patrulha Rural. Esse atendimento chamamos de visitas comunitárias, quando não há ocorrência de crime. Realizamos o cadastro da fazenda, registramos as coordenadas geográficas do local e lançamos no aplicativo. A partir daí, para atender qualquer problema que ocorra nesta propriedade, já temos as coordenadas para facilitar o deslocamento; é o deslocamento georreferencial”, explicou o tenente-coronel Antônio José Pereira Neto.
Ao falar sobre o assunto, o secretário de Justiça e Segurança Pública, Antônio Carlos Videira, informou que o sucesso do programa vai depender muito do efetivo cadastramento. “Mato Grosso do Sul está ampliando a segurança no campo nas formas preventiva e repressiva, com o cadastramento de propriedades, maquinários, implementos e trabalhadores. Tudo será rastreado através da tecnologia embarcada nas viaturas para que a gente continue sendo referência nacional em segurança pública”, pontuou.
No lançamento do programa, no dia 14 de março deste ano, na Famasul, o governador Reinaldo Azambuja também falou do programa Campo Mais Seguro. “Temos um Estado que se modernizou muito. O agronegócio tem crescido, principalmente com novos equipamentos e tecnologias, sistemas digitalizados, máquinas com piloto automático e antenas digitais de GPS. Tudo isso desperta o olhar do crime. Então, treinar e ter uma equipe especializada para monitorar essa situação diminui a pressão dos roubos no campo”, finalizou.
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