Já o texto de Arns recebeu o parecer do relator, senador Irajá (PSD-TO), que sugere a “extinção” de outros dois projetos na Casa sobre o tema. A expectativa é que a discussão seja retomada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em fevereiro, e, se o substitutivo for aprovado, seguirá direto para a Câmara.

Segundo Irajá, que espera a aprovação do parecer na CAE já no mês que vem, seu relatório visa a garantir um ambiente de negócios seguro para investidores e a preparar o sistema financeiro para a volatilidade inerente a esses ativos virtuais. Já o deputado Aureo avalia que a legislação tende a diminuir os golpes e valorizar o mercado de criptoativos no Brasil.

Para especialistas, as versões atuais das duas propostas são bem parecidas e adequadas, ao lançar as bases para regulação do setor, mas mantendo certa flexibilidade. A ideia é que o órgão escolhido como regulador tenha poder para aperfeiçoar as regras do jogo à medida que inovações apareçam nesse mercado altamente dinâmico, sem que o tema precise voltar sempre ao Congresso.

Definição, supervisão e fiscalização

Hoje, a compra e venda de criptoativos é uma operação legal, mas não têm regulamentação específica, já que não são entendidos, a princípio, nem como moeda, responsabilidade do BC, nem como valor mobiliário, cuja regulação é da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As operações precisam ser declaradas à e estão sujeitas a regras mais gerais, como o Código de Defesa do e a Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro.

“Hoje, o investidor tem as proteções que a lei brasileira dá para as pessoas em condições normais. Mas existe um clamor que os criptoativos podem facilitar lavagem de dinheiro e operações ilegais de câmbio, por exemplo. A princípio, o BC preferiu observar o mercado, mas chegou um momento, com casos de pirâmide, em que houve maior pressão do Congresso e da sociedade para regulamentação”, explica o advogado Bruno Balduccini, sócio do escritório Pinheiro Neto.

Depois de ouvir participantes do mercado e órgãos do governo, as versões atuais dos projetos definem em linhas gerais o que são ativos virtuais e quem são os prestadores de serviços nesse mercado.

Além disso, determinam que o irá escolher o órgão federal que ficará responsável pela regulação e precisará autorizar o funcionamento dos prestadores de serviços, além de supervisioná-los e fiscalizá-los. Há ainda previsão penal no caso de fraudes.

Flexibilidade

Indicado por especialistas como provável regulador, o BC não comenta oficialmente o assunto. Mas, em audiência pública na CAE, a chefe de Gabinete da Diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do BC, Juliana Mozachi, afirmou que “ao que compete ao BC” o relatório do senador Irajá estava adequado.

Mozachi destacou a importância da lei ser mais principiológica e deixar para regulamentação a definição das ferramentas adequadas para regular o assunto. “Unir flexibilidade com correta proteção é um passo importante.”

Especialista em criptoativos, a advogada Tatiana Guazzelli, também sócia do Pinheiro Neto, concorda com a abordagem mais flexível dos projetos de lei. “Um arcabouço legal e regulatório que possa trazer mais segurança para o mercado, que é carente de maior segurança jurídica, deve estimulá-lo, desde que não seja tão rígido para matar seu dinamismo.”

Segundo ela, as conversas com o BC indicam que a primeira regulamentação será mais básica, focando nas exchanges (corretoras de criptomoedas) típicas, que negociam bitcoin, ethereum e outros criptoativos no Brasil. A ideia é que a regulação acompanhe o desenvolvimento e as novidades do mercado

A autarquia já usou de estratégia semelhante com as instituições de pagamento, criando, inicialmente, uma norma mais branda, para permitir a entrada e a competição no sistema financeiro. “O BC entende que não adianta tentar abraçar o mundo, vai precisar acompanhar o mercado para ver se novas regulamentações serão necessárias.”

Demandas do mercado

Guazzelli, contudo, avalia que dois pontos poderiam estar mais bem definidos na futura lei, embora possam ser acertados na regulamentação: a nomenclatura e a segregação de patrimônio de investidores e exchanges.

Para ela, o termo “ativos virtuais” é amplo e pode abrir margem para que outros ativos que sejam negociados eletronicamente, como ações, sejam afetados por uma regulação específica para o mundo cripto.

A advogada avalia que seria importante deixar claro que a legislação se refere a um ativo negociado em um sistema de registros distribuídos, como blockchain (uma espécie de livro-registro digital, onde é possível transmitir informações de forma segura, rápida e transparente sem ter um órgão central de controle), e protegido por criptografia ou tecnologia semelhante.

Da mesma forma, a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) defende que os conceitos sejam os mais precisos possíveis para evitar confusões. “A gente entende que, quanto mais claro na partida, mais eficiente, menos custoso e melhor para o setor. Mas, se não for definido na lei, pode ser feito no momento da definição das regras infralegais”, reconhece Rodrigo Monteiro, diretor executivo da ABCripto.

Outra demanda do setor é que todas as empresas que prestam serviços para brasileiros sejam alcançadas pela regulação, independentemente se sediadas aqui ou no exterior, como deixou claro a chefe de regulação e design de produtos do Mercado Bitcoin, Juliana Facklmann, em posicionamento na audiência pública da CAE.

Facklmann também destacou que o projeto de lei precisa ser abrangente o suficiente para permitir o uso específico de criptoativos em diferentes indústrias, observando a competência específica de cada regulador: BC, CVM, e a Superintendência de Seguros Privados (Susep).

Em nota, a CVM afirma que tem acompanhado e participado de diversas discussões a respeito dos criptoativos, “debates esses que podem gerar eventuais aprimoramentos na legislação que disciplina o mercado de capitais brasileiro”.