Com o emprego em baixa, 2015 virou o ano do ‘bico’
Vagas desaparecem e brasileiros recorrem à informalidade para conseguir pagar as despesas
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Vagas desaparecem e brasileiros recorrem à informalidade para conseguir pagar as despesas
No dia 21 de julho, Emerson Nascimento, 32 anos, acordou cedo, colocou sua melhor roupa, e foi ao Centro de Apoio ao Trabalhador (CAT), no bairro da Luz, em São Paulo. Há quase um ano desempregado, desde que foi demitido de uma fábrica de fios, ele teria uma entrevista de emprego no local – e a expectativa era grande. A vaga: auxiliar de limpeza em um grande hospital da capital. A esperança murchou assim que entrou na sala de entrevista: havia mais de trinta concorrentes e a exigência mínima era de seis meses de experiência na área. Nascimento, que era operador de máquina, saiu frustrado. “Você vem na expectativa atrás de um “sim” e só recebe “não”‘, lamenta. Sem opções, o jeito é continuar na informalidade, conclui ele, que sustenta duas filhas com os “bicos” de pedreiro e vigilante. “O que surgir, eu encaro. Não dá para ficar parado. Os filhos não querem saber de onde vem o dinheiro. Só querem comer, se vestir bem. E a gente tem que se virar porque é pai”, afirmou.
Com a deterioração do mercado de trabalho e a desaceleração da economia, o caso de Nascimento está longe de ser isolado. Pela primeira vez em doze anos, o emprego formal – aquele de carteira assinada que prevê uma rede de proteções, como fundo de garantia, seguro-desemprego e aposentadoria – começou a cair. Segundo a Pnad Contínua, feita pelo IBGE, a queda foi de 1,9% no trimestre encerrado em maio ante o mesmo período do ano passado. Ou seja, 708.000 vagas formais foram perdidas no período. “A informalidade voltou a crescer nos últimos meses, mas ainda de forma discreta. A grande questão é que há uma reversão de trajetória. Ela vinha caindo ao longo dos últimos doze anos e, pela primeira vez, voltou a crescer. E isso é ruim porque o país já tem um grande contingente de trabalhadores informais, cerca de 50%”, avalia o professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador Helio Zylberstajn.
Por ser mais vulnerável à recessão, o emprego sem carteira assinada (como funcionários da construção civil e diaristas) no setor privado também teve baixa – de 3,3%, ou 310.000 postos a menos, também no primeiro trimestre terminado em maio, na comparação com o mesmo período do ano passado. A expansão da informalidade é vista com mais ênfase no efetivo de trabalhadores por conta própria (alta de 4,4%), segundo os especialistas. “Houve perda de emprego, e pessoas que precisavam de um trabalho imediato acabaram atuando por conta própria, seguindo o caminho da informalidade”, avalia Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE. “No geral, o trabalhador por conta própria é informal. Sem trabalho disponível, as pessoas estão recorrendo ao empreendedorismo forçado. Ou seja, estão montando ‘bibocas’, vendendo coisas na rua. É uma questão de sobrevivência”, diz Zylberstajn.
Bico, quebra-galho, serviço temporário, avulso, gato, freelancer. Os nomes são diversos, mas o objetivo é o mesmo: conseguir um salário para quitar as contas no fim do mês. A empregada doméstica Regina Conceição dos Santos, 36 anos, foi demitida em março – tinha carteira assinada e ganhava 1.200 reais. “Apertou a situação da patroa e não teve jeito: fui dispensada”. Desde então, sua rotina se resume a ir a agências de trabalho, distribuir currículos, mandar e-mails e fazer “bicos” de diarista e garçonete em festas de criança. Sem emprego desde junho do ano passado, Luis Carlos de Lima, 44 anos, fica atento a cada anúncio de “Procura-se” que encontra na rua. Enquanto busca por um emprego na sua área – porteiro industrial -, ele conseguiu emprego de segurança em uma igreja. “É melhor estar no ‘pingado’ do que no ‘seco’. Se eu não tivesse nada, aí teria de aceitar qualquer coisa”, lamenta-se, afirmando que, na informalidade, ganha menos para sustentar a família. “Tenho uma filha bebê. Então, não tem jeito, tenho de comprar leite, fralda e remédio. Para isso, tem de tirar do passeio, da carne”, diz.
Competindo com cerca de 8 milhões de desempregados, segundo a Pnad, não é de se estranhar que Nascimento, Regina e Lima ainda não tenham encontrado um emprego. A rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo, concentra um dos maiores polos de agências de trabalho da cidade. Passar por lá, hoje em dia, é um tormento. Filas de pessoas, com currículo e carteira de trabalho nas mãos, formam-se em frente aos prédios. “Antigamente, não tinha tanta gente. Agora, é lotado dia e noite. Às vezes, vem a mesma pessoa por dias a fio. E ficam chateados, pois as melhores vagas sumiram, como na área de administração e vendas. Agora, só tem telemarketing. Mas qual pai de família vai querer receber 800 reais para ficar atendendo telefone?”, questiona Edileusa Arruda, 50 anos, que trabalha há cinco na Barão de Itapetininga para mais de uma agência, anunciando as ofertas de emprego e recolhendo currículos. Segundo ela, até as agências começam a fechar por falta de vagas.
Os números do IBGE comprovam o cenário: segundo a Pesquisa Mensal do Emprego, o efetivo de desocupados subiu 44,9% em junho ante o mesmo mês do ano passado – é a maior taxa verificada na série histórica iniciada em 2001. Enquanto isso, o contingente de empregados caiu 1,3%, com 298.000 vagas fechadas no mesmo período. Isso significa que há muito mais gente em busca de emprego do que vagas disponíveis.
Retrocesso – O encolhimento do mercado formal é retrato, mais que tudo, de retrocesso do país. Primeiro, porque os trabalhadores que conseguiram emergir da condição de extrema pobreza na última década podem mais facilmente voltar a ela. Em segundo lugar, os informais pagam menos impostos, o que não ajuda a elevar a arrecadação num momento de ajuste fiscal. Além disso, o informal tem acesso restrito a linhas de crédito e tem oportunidades tolhidas por não contar com um CNPJ válido. “O trabalhador informal também fatura menos do que o regularizado. Poucos consumidores pagam por produtos sem nota, porque não tem garantia nem como reclamar. Os governos, que são grandes contratadores, também não contratam quem está na informalidade”, avalia Bruno Caetano, diretor do Sebrae-SP.
Para estancar o desemprego, o governo criou no último mês o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), cujas regras foram definidas nesta terça-feira. O plano autoriza as empresas a eduzir a jornada e o salário em 30%, sendo que a União se encarregará de repor 15% do valor, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Se a fábrica onde Nascimento trabalhava tivesse aderido ao programa, talvez ele estaria empregado. “Bico não tem seguro de nada. Você sai com uma mão na frente e outra atrás”, lamentou. Naquele dia, ele voltou para casa ainda desempregado, mas não completamente desapontado: havia conseguido um “servicinho” para rebocar a parede de uma casa.
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