Vício nas redes sociais é real, e elas são construídas para isso, apontam especialistas
Redes sociais geram excesso de dopamina, condicionando o cérebro a desejar a tecnologia cada vez mais
Jennifer Ribeiro –
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Nos últimos 10 anos, o sucesso nos “likes” se tornou o conceito de validação favorito de boa parte da população conectada em redes sociais. O número de interações nessas plataformas viraram uma espécie de indicativo de relevância.
Não é à toa, portanto, que a busca por likes tenha se tornado uma epidemia. Com a influência digital tornando-se profissão rentável, há cada vez mais conteúdo inédito para ser assistido. Nesse contexto, internautas estão cada vez mais imersos na utilização das redes sociais, criando um loop quase infinito de hiperconexão.
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O problema é que, de acordo com pesquisadores da área, pouco do que se vê em redes – fortemente mecanizadas por algorítimos – é real. E elas ainda expõem seus adeptos a uma situação de dependência. Fala-se até em “vício em dopamina”, o neurotransmissor das recompensas, a coqueluche do momento, que é produzida cada vez que os olhos se encontram com conteúdos atraentes.
Há um problema aí?
Vício em redes sociais
Para explicar sobre como as redes sociais influenciam nosso comportamento e estilo de vida, conversamos com a psicóloga Fabíola Rottili Brandão. Segundo a especialista, o uso excessivo de redes sociais pode desencadear um vício comportamental, porque essas plataformas ativam repetidamente o mencionado sistema de recompensa do cérebro, similar ao que ocorre com vícios em substâncias, como drogas ou álcool.
Isso significa que a cada interação positiva, como curtidas e comentários, ou inocentes e repetidos vídeos engraçados, o cérebro libera a dopamina, gerando prazer e reforçando o comportamento de uso.
Diferentemente de outras tarefas cotidianas, as redes sociais fornecem recompensas imediatas e imprevisíveis, o que aumenta a excitação e a dependência. Com o tempo, o cérebro desenvolve tolerância, levando a um uso mais frequente para obter a mesma sensação de prazer. Esse ciclo afeta o autocontrole e a capacidade de regular o uso, tornando-o compulsivo.
Redes sociais foram criadas para viciar
Conforme Thiago Müller, professor do curso de Publicidade e Propaganda da UCDB e doutorando em biotecnologia com ênfase em neurociência, as redes sociais não foram apenas projetadas para ser atrativas; elas foram estruturadas para ser irresistíveis.
“Por trás de cada curtida, rolagem e notificação, há um modelo baseado no funcionamento do sistema de recompensa cerebral. O mecanismo é semelhante ao dos cassinos: a rolagem infinita das redes sociais imita o giro das máquinas caça-níqueis, mantendo o usuário preso na expectativa do próximo grande acerto – um post interessante, uma mensagem inesperada, um vídeo que desperta emoção”, explica.
Além disso, o especialista explica que as redes sociais exploram um desejo humano fundamental: o de ser visto, reconhecido e validado. “O engajamento gerado por curtidas e comentários não é apenas uma métrica digital, ele alimenta uma necessidade social profunda. A notificação nos lembra que existimos para os outros, e essa constante retroalimentação do ego nos mantém conectados, ou melhor, dependentes”, acrescenta.
E o que é dopamina e sua relação com a “busca por recompensa”?
Como mencionado, o excesso de rede social está relacionado com a liberação de dopamina. Ela, por sua vez, é um neurotransmissor, uma substância química do cérebro, que desempenha papéis importantes em várias funções do corpo, especialmente no controle do movimento, cognição, prazer e motivação.
Assim, quando uma pessoa realiza atividades que o cérebro associa com prazer ou gratificação — como comer, praticar exercícios, ou até realizar uma tarefa bem-sucedida —, a dopamina é liberada, provocando uma sensação de bem-estar.
Já o sistema de recompensa é uma rede de estruturas cerebrais ativadas pela dopamina, quando experimentamos algo prazeroso ou recompensador.
Conforme Fabíola, o cérebro, ao receber essa “recompensa” (liberação de dopamina), aprende a buscar mais da mesma atividade, o que pode ser saudável (como comer bem ou fazer exercícios) ou problemático (como em vícios de substâncias ou em jogos, por exemplo).
Excesso de dopamina
É por isso que quando utilizamos muito as redes sociais, estímulos mais naturais, como hobbies, passeios e leituras, podem parecer desinteressantes. Estes momentos nos fornecem quantidade inferior de dopamina e, para um cérebro já viciado, o reconfortante é mais e mais tela.
“O uso excessivo de redes sociais faz o cérebro liberar muita dopamina, que é uma substância ligada ao prazer. As redes sociais dão recompensas rápidas que fazem o cérebro se acostumar com esse ‘prazer instantâneo’. Atividades naturais, como hobbies, estar com a família ou ler, liberam dopamina de forma mais lenta e suave. Assim, coisas que antes eram prazerosas podem começar a parecer sem graça, porque o cérebro passa a ‘exigir’ estímulos mais intensos para sentir satisfação”, explica a especialista.
Por isso, embora seja essencial para o funcionamento do cérebro, o excesso de dopamina, causado por estímulos intensos das redes sociais, pode levar à dessensibilização, o que significa que as atividades normais pareçam menos prazerosas.
Isso pode gerar dependência, com o cérebro buscando mais estímulos intensos para sentir prazer, além de dificultar a sensação de prazer em atividades cotidianas. Também pode afetar a tomada de decisões, tornando as pessoas mais impulsivas e focadas em recompensas imediatas, prejudicando a regulação emocional.
Experiência que coloca o usuário no centro da atenção
Mesmo que agreguem conteúdos em formatos diferentes, as redes sociais têm mecanismos semelhantes: rolagem automática, notificações, curtidas e comentários. Conforme Thiago, essas ferramentas não estão apenas relacionadas ao que se desencadeia o vício, mas também a um estado contínuo de excitação e ansiedade.
“Essas plataformas não oferecem apenas entretenimento, mas uma experiência interativa que nos coloca no centro da atenção – ou pelo menos assim parece. O simples ato de receber uma curtida ou um comentário ativa as vias dopaminérgicas, criando um ciclo de recompensa que incentiva o uso prolongado”, explica.
No entanto, o especialista chama a atenção para um efeito colateral importante: a superficialidade da informação causada pelo imediatismo provocado pelas redes sociais.
“Se na Grécia Antiga o conhecimento era uma dádiva conquistada pelo esforço da reflexão e do diálogo, hoje ele se apresenta em fragmentos, flashes de segundos na tela. O celular se tornou o oráculo da modernidade, onde buscamos respostas rápidas, mas raramente questionamos o que recebemos. Aos poucos, estamos perdendo a capacidade de reflexão profunda, o que torna o ambiente digital um terreno fértil para a desinformação – que é ainda mais perigosa do que as chamadas fake news, pois não apenas manipula a verdade, mas nos ensina a não questioná-la”, pontua.
Os excessos vêm de uma falta
Doula e produtora de conteúdo sobre maternidade, Emilly Martins aponta que sua relação com as redes sociais é antiga e surgiu pelo desejo de registrar momentos importantes de sua vida.
Quando tornou-se mãe, a vontade de eternizar o crescimento e desenvolvimento dos filhos aumentou ainda mais seu tempo de uso nas plataformas. Isso porque, quando criança, todos os registros que a família tinha pela casa foram perdidos quando a caixa d’agua da residência vazou, molhando tudo. Sem ter muitas fotos que eternizassem a própria infância, Emilly se prometeu não deixar faltar lembranças do crescimento dos filhos. Isso se refletiu em: registrar muito, compartilhar muito.
“Tudo que é um excesso, às vezes vem de uma falta. Eu ficava muito triste quando eu queria me ver quando bebê e não tinha uma referência de como eu era. Fotos contam uma história e essa percepção se intensificou ainda mais quando meu primeiro filho nasceu, nessa época comecei a registrar bastante da nossa rotina. Quando abri meu perfil profissional, também passei a compartilhar um pouco da minha rotina já que fazia muito sentido, porque trabalho com maternidade”, explica.
Quando o primeiro filho de Emilly nasceu, todos os registros da nova rotina eram compartilhados em seu perfil pessoal. No entanto, buscando ampliar o número de clientes, ela decidiu criar um perfil profissional e lá compartilhar um pouco da rotina de uma mãe empreendedora.
“No perfil pessoal eu postava quando dava. Quando criei o profissional, entendi que precisava de uma certa constância. Depois que ganhei meu segundo bebê, passei pela fase do puerpério e toda a minha rotina materna demandava mais tempo. E eu me cobrava de ser constante nas plataformas. Consegui manter isso por muito tempo, porque eu usava de algo que eu gostava como algo benéfico também para alcançar mais mulheres e levar mais informação”, explica.
Gerenciar rotina com redes sociais
Vivendo em um ‘looping’, onde acordava já compartilhando sua rotina com os seguidores, Emilly percebeu que boa parte do seu dia era investido em gravar e editar conteúdo para as redes sociais, além de se dedicar às mensagens e pedidos de orçamento que recebia.
“Às vezes eu estava fazendo algo com meu bebê, ele precisava da minha atenção e eu estava ali, editando o vídeo pra poder postar. Muitas vezes eu estava amamentando, e ao mesmo tempo, editando um story. E isso tudo dá muito trabalho. Então eu percebi que estava ficando algo desgastante pra mim e me causava uma grande ansiedade. Eu ficava preocupada em postar, era uma autocobrança excessiva”, conta.
Percebendo que aquela rotina já não era mais saudável, Emilly passou a questionar todos os seus hábitos. Refletir como seus filhos eram expostos a pessoas que ela não conhecia também ajudou a tomar a decisão de diminuir, consideravelmente, sua forma de usar as redes sociais.
“Todo mundo conseguia ter acesso à nossa vida. E me gerou um choque, principalmente quando eu comecei a ir pras ruas, quando algumas pessoas que eu nem conhecia me paravam na rua e falavam, direcionando para meu filho: ‘nossa, esse é o famoso [nome do filho]’. E eu ficava: ‘gente, como assim famoso?’. Isso passou a acontecer com frequência”, lembra.
Colocar o pé no freio para respirar
A partir daí, Emilly passou a se preparar para anunciar aos seus seguidores que seu trabalho na internet mudaria. “Comecei a me questionar se lá na frente meus filhos se sentiriam confortáveis por eu ter exposto eles. Eu acho legal ter os registros, mas eu estava compartilhando demais, além de tudo, com pessoas que eu não tinha vínculo. E aí, juntou tudo isso com uma ansiedade desnecessária. Percebi que estou em outro momento da vida. Minha prioridade é minha família”, pontua.
Isso sem contar os malefícios que se somavam. Conforme Emilly, com o excesso de cobrança e uso das redes sociais, passou a percebeu um cansaço mental, dificuldade para dormir, além de uma comparação desnecessária, resultado de conteúdos que consumia. Agora, o objetivo é diminuir, cada vez mais, o tempo em frente às telas.
“Ainda estou lidando com isso, não consegui interromper o vício, mas tenho, cada vez mais, conseguido ficar sem o celular e viver minha vida. Meu celular aponta que o tempo de uso diário tem diminuído. Inclusive, tenho percebido os benefícios. Tenho sentido mais força, porque antes estava sempre cansada, consigo ser mais presente, tenho mais calma pra viver o momento e meus pensamentos não têm se tornado ansiosos”, afirma.
Menu de Dopamina
Se você é conectado nas redes sociais, especialmente no TikTok, certamente se deparou com a trend ‘Menu de Dopamina‘, que consiste em criar uma lista de atividades que busca aumentar a produção do neurotransmissor por meio de uma rotina repleta de bem-estar e motivação.
Para a psicóloga, a reflexão que a trend traz é importantíssima, justamente porque estamos acostumados a um ciclo intenso de dopamina. Começar, aos poucos, buscar essa alegria e satisfação em outros lugares, é uma maneira de diminuir o excesso em tecnologia.
“Essa prática sugere uma reconexão com formas mais simples de obter prazer, que estimulam a dopamina de forma moderada e saudável. Precisamos valorizar momentos fora da tela, cultivar relacionamentos mais profundos e desenvolver a capacidade de apreciar o presente. Ao mudar o foco para experiências reais, as pessoas podem recuperar a satisfação em atividades cotidianas e redescobrir o prazer nas pequenas coisas”, pontua Fabíola.
Pode parecer inofensivo, mas o vício pode gerar impactos psicológicos
Por parecer inofensivo, muita gente tem dificuldade de aceitar ou assumir ser viciado em redes sociais, ou, se assume, trata como uma banalidade por achar que isso não é algo prejudicial, como outros vícios. Isso, portanto, é extremamente alarmante.
“O problema não está apenas no tempo de tela, mas na forma como estamos sendo moldados por esse uso contínuo. O filósofo Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço, argumenta que vivemos em um estado permanente de produtividade e estimulação. No caso das redes sociais, isso se traduz na necessidade incessante de consumir e ser consumido – postamos, assistimos, comentamos, reagimos. Estamos sempre em atividade, mas raramente em descanso”, explica Thiago.
Isso significa que o estado de hiperconectividade pode, sim, gerar impactos psicológicos profundos. A comparação constante com vidas idealizadas, a sobrecarga de estímulos e a ansiedade por estar sempre presente no digital podem levar a quadros de exaustão mental, ansiedade e depressão. Além disso, a interação online muitas vezes substitui as relações presenciais, levando a um fenômeno paradoxal: estamos mais conectados do que nunca, mas nos sentimos cada vez mais isolados.
“O maior perigo talvez não seja o vício em redes sociais por si só, mas a maneira como ele altera silenciosamente nossa percepção do mundo, das relações e de nós mesmos. Afinal, se penso, logo existo foi um dia a base da identidade humana, hoje corremos o risco de substituir essa lógica por um novo paradigma: posto, logo sou. É por isso que compreender a fundo esses mecanismos vai além da psicologia e da neurociência; trata-se de um exercício de pensamento crítico e leitura do cenário contemporâneo. No fim, não basta consumir informação, é preciso saber interpretá-la”, conclui.
Como diminuir o uso de redes sociais?
Conforme a psicóloga, o excesso de telas e redes sociais está diretamente ligado à ansiedade, porque as redes são feitas para prender nossa atenção, gerando uma sensação constante de “preciso checar”. Essa necessidade de estar sempre conectado pode aumentar a sensação de sobrecarga e de estar perdendo algo, alimentando o ciclo de ansiedade.
Para lidar com o vício em redes sociais, há tratamentos, como a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), que trabalha em identificar os pensamentos automáticos e crenças que fazem a pessoa recorrer às redes sociais como forma de aliviar o estresse ou a ansiedade. A ideia é trocar esse comportamento por outras atividades mais saudáveis e equilibradas.
“Se alguém quer diminuir o tempo de tela, o ideal é fazer isso aos poucos. Por exemplo, a pessoa pode começar identificando os momentos do dia em que o uso é exagerado e, aos poucos, reduzir 10 ou 15 minutos de cada vez, criando horários específicos para mexer no celular e ocupando o tempo livre com outras atividades que tragam prazer ou relaxamento, como ler um livro ou dar uma caminhada”, sugere.
Outra técnica é desligar as notificações para reduzir a tentação de checar o celular a todo momento. Embora não exista um número exato, a recomendação é tentar limitar a 2-3 horas por dia para o uso de redes sociais ou entretenimento, fora do trabalho. “O importante é continuamente buscar um equilíbrio e garantir que as redes não tomem o lugar de interações reais”.
Busque ajuda!
Em Campo Grande, ainda não há atendimento exclusivo para pessoas que apresentam vícios em redes sociais ou tecnologia por meio do SUS. No entanto, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) explica que estes casos também podem ser acompanhados nos CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial). As unidades possuem atendimento 24h, com acolhimento e consulta do paciente em crise.
Para os casos de atendimento ambulatorial, o paciente pode se dirigir a unidade de referência da região onde mora e, ao passar pelo acolhimento, informar que deseja um encaminhamento a um psicólogo, ou buscar o próprio CAPS. Lá ele passará por uma escuta qualificada e, em caso de crise, já poderá passar por consulta com psicólogo ou psiquiatra. Se este não for o caso, será agendada a consulta para a data mais breve.
A frequência das consultas será determinada através da conduta adotada pelo profissional que atende o paciente, assim como o tempo que ele será atendido na unidade.
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