Em pouco mais de quatro meses, 15 mulheres foram vítimas de feminicídio em Mato Grosso do Sul. Desde 4 de fevereiro — data do primeiro crime —, uma mulher morreu a cada oito dias no Estado. Os feminicidas são maridos, namorados, ex e até colegas de trabalho.
Nesta sexta-feira (6), Eliana Guanes teve o corpo queimado pelo colega de trabalho em uma fazenda, em Corumbá. Sem envolvimento afetivo, Eliana morreu após não resistir aos ferimentos causados por Lourenço Xavier — preso e acusado do crime.
De 4 de fevereiro até 6 de junho, foram 122 dias corridos e 15 histórias apagadas pela violência de homens contra mulheres. Assim, os casos ocorreram em 11 cidades do Estado, sendo quatro em Campo Grande, Capital de MS.
Não há ‘perfil’ para homem que mata mulher
Homem calmo, com emprego fixo, sem passagens pela polícia e bom pai nas redes sociais. O perfil poderia ser de muitos em Mato Grosso do Sul, mas trata-se de um feminicida, que matou e queimou os corpos da própria esposa e da filha bebê.
O caso veio à tona na manhã de 27 de maio, quando a polícia encontrou os corpos carbonizados em um terreno baldio de Campo Grande. Poucas horas depois, o desfecho. A mulher e a filha foram asfixiadas até a morte pelo homem em quem confiavam, mas que não demonstrou nenhum tipo de arrependimento pelo crime após ser preso.
Além disso, há três meses, outro caso chocou Campo Grande. Uma jornalista, pós-graduada e estável financeiramente, foi assassinada a facadas pelo noivo. Ele? Músico, cheio de amigos, que falava de Deus e de amor nas redes sociais. Caio Cesar do Nascimento Pereira escondia um passado criminoso, mas se considerava um “homem de Deus”.
Dois casos distintos, com suas particularidades e que reforçam que não há um perfil para criminosos ou vítimas, quando o assunto é crime de ódio contra mulheres. Mas a pergunta que ecoa em meio a 14 feminicídios registrados este ano no Estado é: por que homens se sentem no direito de matar mulheres?

Camaleão
A advogada criminalista Maria Francisca Accioly, que atua em São Paulo e Curitiba, descreve homens que cometem crimes contra mulheres como um camaleão. Em sua trajetória, acompanhou dezenas de casos de feminicídios e reforça que o feminicida é um homem que se diz de família e fora de qualquer suspeita.
“São indivíduos acima de qualquer suspeita. Por se sentirem assim, acreditam na impunidade. Para eles, a culpa é da vítima. A vítima traçou as coordenadas da própria tragédia, e eles apenas reagiram. Isso nos casos de autoria assumida”, afirma.
Ainda de acordo com Accioly, na maioria dos casos que atendeu, o feminicida é um bom profissional, bom filho, bom pai, bom amigo e, aos olhos da sociedade, bom marido ou namorado. “Muitos deles nunca tiveram problemas com a Justiça. Quando tiveram, a demanda estava diretamente ligada à violência doméstica”, destaca a advogada.
Mas, claro, há sinais de alerta. Homens possessivos, ciumentos, controladores, mesmo quando dizem “agir por amor”, não são confiáveis. Geralmente, os padrões de conduta são os mesmos e não se pode normalizar comportamentos agressivos, explosivos, coativos, dissimulados.
“O feminicida é um camaleão. Os sinais devem ser lidos, interpretados e, ao menor indício de se estar na presença de um agressor, é importante tomar o controle das decisões pessoais e procurar ajuda”, relata a advogada.
Vítimas da violência doméstica e silenciosa
Números de violência doméstica contra mulheres em Mato Grosso do Sul mostram o tamanho do problema. De acordo com dados da Secretaria de Justiça, 8.682 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência, em menos de cinco meses de 2025.
A média é de 1.736 casos por mês, ou 57 mulheres vítimas de violência por dia, em Mato Grosso do Sul. As vítimas têm entre zero e mais de 60 anos, mas há algo em comum entre a maioria delas: sofreram violência dentro da própria casa.
Feminicídios registrados em MS em 2025
- Karina Corim (Caarapó) – 4 de fevereiro
- Vanessa Ricarte (Campo Grande) – 12 de fevereiro
- Juliana Domingues (Dourados) – 18 de fevereiro
- Mirielle dos Santos (Água Clara) – 22 de fevereiro
- Emiliana Mendes (Juti) – 24 de fevereiro
- Gisele Cristina Oliskowiski (Campo Grande) – 1º de março
- Alessandra da Silva Arruda (Nioaque) – 29 de março
- Ivone Barbosa (Sidrolândia) – 17 abril
- Thácia Paula (Cassilândia) – 11 de maio
- Simone da Silva (Itaquiraí) – 14 de maio
- Olizandra Vera Cano (Coronel Sapucai) – 23 de maio
- Graciane de Sousa Silva (Angélica) – 25 de maio
- Vanessa Eugênio Medeiros e a filha dela, Sophie Eugenia Borges (Campo Grande) – 28 de maio
- Eliana Guanes (Corumbá) – 6 de junho
📍 Onde buscar ajuda em MS
Em Campo Grande, a Casa da Mulher Brasileira está localizada na Rua Brasília, s/n, no Jardim Imá, 24 horas por dia, inclusive aos finais de semana.
Além da DEAM, funcionam na Casa da Mulher Brasileira a Defensoria Pública; o Ministério Público; a Vara Judicial de Medidas Protetivas; atendimento social e psicológico; alojamento; espaço de cuidado das crianças – brinquedoteca; Patrulha Maria da Penha; e Guarda Municipal. É possível ligar para 153.
☎️ Existem ainda dois números para contato: 180, que garante o anonimato de quem liga, e o 190. Importante lembrar que a Central de Atendimento à Mulher – 180 é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o Brasil, mas não serve para emergências.
As ligações para o número 180 podem ser feitas por telefone móvel ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive durante os finais de semana e feriados, já que a violência contra a mulher é um problema sério no Brasil.
Já no Promuse, o número de telefone para ligações e mensagens via WhatsApp é o (67) 99180-0542.
📍 Confira a localização das DAMs, no interior, clicando aqui. Elas estão localizadas nos municípios de Aquidauana, Bataguassu, Corumbá, Coxim, Dourados, Fátima do Sul, Jardim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas.
⚠️ Quando a Polícia Civil atua com deszelo, má vontade ou comete erros, é possível denunciar diretamente na Corregedoria da Polícia Civil de MS pelo telefone: (67) 3314-1896 ou no GACEP (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), do MPMS, pelos telefones (67) 3316-2836, (67) 3316-2837 e (67) 9321-3931.