Médico acusado por transfobia em Campo Grande já havia feito ‘piada’ sobre caso similar nas redes sociais
![](https://cdn.midiamax.com.br/wp-content/uploads/2025/02/protesto-terminal-1.png)
Em 2017, o médico acusado por transfobia no último dia 4 de fevereiro, em Campo Grande, compartilhou um conteúdo em suas redes sociais com o título: “Ginecologista se recusa a atender travesti e é preso em flagrante por homofobia”.
Poderia ser apenas o compartilhamento de uma matéria policial, tratando de um caso realmente problemático, mas não. Nos comentários, entendia-se a real intensão com o post: polemizar o caso e ridicularizar pacientes trans ou travestis.
O conteúdo em questão era falso. Aquele caso, especificamente, não havia acontecido. No entanto, sem saber dessa informação, um homem declarou nos comentários: “Que q um ginecologista tem a ver com um travesti? Travesti tem vagina? Ah, vá pra merda!”
Em seguida, uma mulher respondeu: “não se estresse tanto, meu lindo. É notícia falsa”. Então, o homem reponde, em um humor sádico, que o médico campo-grandense é “malandro”. O médico, por sua vez, responde: “pegadinha do malandro”. Com as acusações envolvendo seu nome, o médico privou suas redes sociais.
Comentários reforçam discriminação diária
Embora a publicação fosse falsa, o episódio serviu para reforçar comentários preconceituosos e ridicularizar uma comunidade que já sofre violência diariamente. Conforme a médica Giulia Rita, como o homem se referiu à paciente já é um ponto crucial para análise. “Mulheres trans e travestis são identidades femininas. Não existe ‘o travesti’, é ‘a travesti’ e acho que a violência se explicita bem aí. Negar a identidade de gênero de alguém é crime, já equiparado ao crime de racismo pelo STF”, pontua.
Outra problemática neste caso é que o médico campo-grandense, além de especialista em diagnóstico de imagem, também é ginecologista. Isso levanta uma preocupação sobre como pacientes trans e travestis são tratadas durante os exames.
“Ginecologistas, nesse sentido, têm de se decidir se atuam em saúde das mulheres ou em saúde utero-vaginal. É importante lembrar que ginecologistas também fazem cuidados referentes a mamas e neovaginas (por exemplo, no caso de pessoas intersexo ou de pessoas transfemininas com cirurgia de redesignação sexual), portanto não existe uma prerrogativa que deva barrar atendimento a mulheres trans e travestis”, acrescenta a especialista.
Mulheres trans e travestis têm direito à consulta ginecológica
Ainda que seja o caso de uma pessoa que não possui mamas desenvolvidas ou neovagina, independente da especialidade, cabe a todo médico fazer um acolhimento e uma escuta ativa para poder direcionar cada pessoa para os profissionais adequados àquela demanda, aponta Giulia. Independentemente da especialidade, todo profissional médico deve, segundo o Código de Ética Médica, agir com respeito à dignidade humana – o que significa não promover violência e discriminação durante o atendimento.
“As causas e desfechos podem ser os mais diversos, e independente de ‘direito a consulta com ginecologista’ acho que o que deve ser pautado é o direito ao respeito durante um atendimento em saúde”, afirma a médica.
Para a profissional, se as unidades públicas de saúde estivessem promovendo atendimento adequado para pessoas trans, alguns desgastes poderiam ser evitados.
“Já passou da hora de as escolas médicas (faculdades e universidades), além do CFM e dos CRM levarem a sério a necessidade de formação e capacitação dos profissionais médicos para atendimento à população trans, que pode e deve ter acesso a consultas com respeito à sua dignidade e identidade independentemente da especialidade médica consultada. É por situações violentas como essa que a população trans no Brasil está historicamente afastada dos cuidados de saúde e, portanto, muito mais exposta a agravos de saúde em diversas áreas – saúde mental, cardiovascular, infecto, sexual e reprodutiva, social, dentre outras”, pontua.
Embora o médico campo-grandense também seja ginecologista, vale lembrar que o caso de transfobia ocorreu durante um exame de imagem.
Relembre o caso
Uma mulher transexual, de 46 anos, foi vítima de injúria, na tarde do dia 4 de fevereiro, após o médico de uma clínica se negar a dar o resultado do exame e alegar que o RG (Registro Geral) da vítima seria falso. O caso aconteceu em uma clínica da região central de Campo Grande.
A irmã da vítima entrou em contato com a reportagem do Jornal Midiamax após a mulher trans ter sofrido injúria e transfobia em uma clínica médica. As duas teriam ido ao consultório para a vítima realizar um ultrassom na perna.
No entanto, conforme o boletim de ocorrência, ao entrar na sala, o médico teria dito ‘você não é mulher, você é homem’, e questionado o porquê da paciente se apresentar com um nome feminino.
Após o procedimento, a vítima contou à irmã o que teria acontecido, e a mesma se deslocou até a recepção para pedir um atestado de comparecimento no local. Quando chegaram ao balcão, o médico estaria lá, e teria dito que o documento apresentado pela paciente era falso e que não entregaria o resultado do exame.
A Polícia Militar foi acionada, mas ao chegar no local o médico não estava mais presente e as funcionárias da clínica negaram ter presenciado o ocorrido. O caso foi registrado na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) Cepol como injúria qualificada.
💬 Receba notícias antes de todo mundo
Seja o primeiro a saber de tudo o que acontece nas cidades de Mato Grosso do Sul. São notícias em tempo real com informações detalhadas dos casos policiais, tempo em MS, trânsito, vagas de emprego e concursos, direitos do consumidor. Além disso, você fica por dentro das últimas novidades sobre política, transparência e escândalos.
📢 Participe da nossa comunidade no WhatsApp e acompanhe a cobertura jornalística mais completa e mais rápida de Mato Grosso do Sul.