Marcas no corpo e na mente: mãe que perdeu filha de 3 anos em acidente luta contra sequelas e impunidade

Vítima diz que se mudou de MS para o PR, por conta do tratamento médico, enquanto o motorista que invadiu a pista “sumiu do mapa”

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(Arquivo Pessoal)

A foto, de visualização única, enviada por Analice Castro, de 26 anos, mostra algo que ninguém quer ver: um corpo mutilado, sequelas de um grave acidente ocorrido no dia do Natal, em 2020, que a deixou em estado gravíssimo e a fez perder quem considera a sua joia mais preciosa, a filha de 3 anos. Desde então, precisou se mudar de Mato Grosso do Sul para o Paraná, onde faz tratamento médico e aguarda o andamento do processo, porém, queixa-se que o motorista responsável “sumiu do mapa” e permanece impune.

A jovem procurou o Jornal Midiamax por sentir necessidade de falar sobre o assunto, ressaltando que teve a vida transformada, enquanto a pessoa que invadiu a pista contrária “vive normalmente”. Emocinada desde o início, disse ainda que sobreviveu por “um milagre de Deus” e encontra forças no filho sobrevivente, na filha que a “olha lá de cima”, no marido e em seus pais, que ajudaram e oraram por ela desde sempre.

“Esta história ainda mexe muito comigo. Além de ter perdido a minha filha, que era a minha vida, tudo para mim junto com o meu filho, tive que forças para lutar, uma batalha que continua e ainda não tive indenização nenhuma. Os advogados simplesmente não conseguem encontrar o motorista para a intimação e , com isso, o processo fica parado. Nem ele e nem o sobrinho, que tá assegurado. Eu tenho medo de não resolver e eu deixar o meu filho”, afirmou Analice.

Conforme Castro, a rotina está sendo muito mais difícil do que imaginava. “Estou com o corpo mutilado. A minha força vem de Deus mesmo. E do meu filho e da minha filha lá de cima. Tenho certeza que ela me dá muita força. Precisei me mudar para o Paraná, por conta do tratamento médico, desde maio de 2023. Tive que começar do zero e foi uma recomendação, já que o meu intestino que estava grudado, necrosando e nós não sabíamos que eu não teria muito mais tempo de vida”, argumentou.

Relato da médica que atendeu Analice nas redes sociais (Instagram/Reprodução)

Acidente grave ocorreu na madrugada do Natal, na MS-157

O grave acidente ocorreu na MS-157, entre os municípios de Itaporã e Maracaju, na madrugada do dia 25 de dezembro de 2020. Na ocasião, Analice disse que estava com os filhos sentados no banco de trás, enquanto o marido conduzia o veículo Corsa Classic. Na ocasião, o condutor de um Toyota Corola invadiu a pista contrária e colidiu contra o carro em que estava.

“Eles estavam na cadeirinha e eu também, sentada no banco de trás e com o cinto passado na cintura, no meio. Eu ia na frente, só que pensei que o meu filho ia querer chorar, babar toda hora, ele tinha só sete meses na época. E daí a gente parou o carro. Estávamos levando nosso cachorro também. Ele iria para Dourados conosco, era um presente. E daí teve um momento que a gente parou porque ele fez xixi, meu filho tinha feito também e eu troquei a fraldinha dele. E nisso levei a minha filha ao banheiro. Ela estava muito feliz, alegre, como sempre, ela adorava viajar”, relembrou.

Quando retornou, ainda conforme Analice, a menina pediu gelatina para comer. “Eu e meu marido até estranhamos. A gente pensou: ‘Onde vamos encontrar gelatina nessa hora’. E nisso ele ligou para a mãe dele, pedindo para fazer gelatinha porque ela queria. E aí compramos um pirulito, dizendo que, quando chegássemos, ela iria comer. E ela compreensiva, sempre compreensiva. A gente até estranhou, porque ela nunca pedia nada, nunca queria nada de preferido, sempre comia o que tinha. A gente oferecia e ela dizia que estava gostoso”, disse, ainda emocionada.

Após o acidente, porém, tudo mudou. Agora, ao lado do marido e do filho, o recomeço envolveu cirurgias, internações para tentar reverter a colostomia, retirada de algumas hérnias e necroses, além de uma correção do abdômen.

Vítima passou por várias cirurgias, de alto risco

(Redes Sociais/Reprodução)

“Foi uma cirurgia muito demorada, com altos riscos. No meu primeiro dia de UTI [Unidade de Terapia Intensiva] já sofri duas paradas cardiorrespiratória, e precisei voltar para a cirurgia onde abriram novamente e viram que teriam que tirar mais partes do meu intestino, pois, estava necrosado também, e foi abrindo fístulas. Os médicos já não sabiam como reverter a situação, as fístulas se abriam e a barriga já não fechava mais. Foram feitos curativos a vácuos na tentativa sair os líquidos (com fezes) e eu ia a cada 24/42 horas para o centro cirúrgico”, explicou.

No entanto, Analice disse que os líquidos saíam na pele também e ela, ao acordar, via as sequelas no corpo. “Houve momento que os médicos não tinham esperança alguma, só contavam com as medicações e com o meu corpo para reagir. Fiquei internada durante 8 meses, e foram 7 meses sem poder comer, e 7 meses sem poder tomar um pouco de água. Ficou tudo muito complicado e eu não faço ideia de como sobrevivi a tantas paradas e também a broncoaspiraçao e inúmeras cirurgias para reabilitação. Meus órgãos começaram a parar, foi quando fizeram a traqueostomia e minha família foi chamada para começar o tratamento paliativo, pois, não tinha mais jeito”, argumentou.

Em seguida, Analice fala em “mais um milagre de Deus”. “Eu comecei a responder ao tratamento, o meu corpo começou a reagiu aos antibióticos, mas, infelizmente quando pensamos que estava progredindo eu tive uma pneumonia muito grave. E começou tudo novamente, já não tinha forças, e já estava parando de respirar, foi quando me levaram no mesmo instante para o centro cirúrgico, onde tiveram que fazer uma raspagem do lado direito do pulmão, pois já não eram só secreções, e liquidos, já havia criado cascas em volta do pulmão”, contou.

Neste período, foram mais idas e voltas ao centro cirúrgico para fazer as raspagens do pulmão. “Com tudo isso eu fiquei, mais uma vez, entre a vida e a morte. Eu estava muito fraca, com fístulas no intestino e eu não podia comer absolutamente nada, estava sendo alimentada apenas pelo sangue. E dependendo do ventilador mecânico. Eu não sei como consegui sobreviver, aliás, Deus me curou sim, embora todas as sequelas. Eu não tenho nenhum músculo na barriga e, de aproximadamente, 7 metros de intestino, restou apenas 1,50 metro”, contou.

Jovem permanece internada e não vê o filho há 8 meses

(Redes Sociais/Reprodução)

A jovem disse ainda que possui dificuldades para se locomover e perdeu mais de 30 kg com todo este processo. “Estou com um dreno no pulmão há 5 meses. E estou 8 meses longe do meu filho, 8 meses tendo gastos e mais gastos em farmácias com fraldas, lenços, medicações mais medicações. E são 4 anos 1 mês e 8 dias de depressão, gastos com medicação para as dores das fraturas e medicações para depressão, para conseguir dormir, me locomover e viver numa cidade mais cara e muito fora da nossa realidade. Eu preciso de ajuda”, disse.

Até o momento, quem não a deixou desistir é o marido. “Meu esposo sempre esteve presente, nas duas internações, sempre me cuidando. Ele, mesmo com a perna quebrada, ia dormir comigo no hospital e até me dava banho. Tanto no leito quanto na cadeira de rodas. E minha mãe também segurou a barra, mesmo depois de ter enfrentado a covid e também ter ficado na UTI, no ventilador mecânico por 20 dias, cuidou do meu filho. Meu pai também, já saiu cansado de Caarapó só para dormir comigo no hospital, em Campo Grande”, ponderou.

Analice relembra que foi desenganada por médicos

Na época do acidente, a jovem disse que o primeiro atendimento foi no município de Maracaju, a 158 km de Campo Grande. “Quando cheguei, perceberam meu estado de hemorragia interna e fratura na bacia. Não tinha muitos recursos, então, resolveram fazer a incisão e procurarem o foco, que estava muito forte, só que não tinha tempo, daí fizeram uma costura e simplesmente colocaram compressas dentro de mim, de toalhas molhadas. E enrolaram o meu corpo em um lençol. É assim que eu fui enviada pela UTI móvel, até a Santa Casa, em Campo Grande”, afirmou.

O pai da jovem, então, teria ouvido a seguintes frases. “Eu também sou pai. Tenho uma filha dessa idade e, se fosse o senhor, iria agora atrás daquela ambulância, porque a sua filha não vai chegar viva em Campo Grande. E o meu pai foi atrás e, com a graça de Deus, cheguei viva sim. Infelizmente, é só um terço da história, de tudo o que tenho passado, por isso estou pedindo ajuda”, finalizou.

Quem quiser ajudar pode entrar em contato, pelo telefone: (67) 99890-1817.

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bruno