Da biodiversidade ao conflito por terras, entenda o impacto do marco temporal em MS
O marco temporal volta à discussão por divisão de interesses dentro e fora da Corte
Karina Campos, Fábio Oruê, Thalya Godoy –
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Mato Grosso do Sul tem 26 TIs (Terras Indígenas) em processo de regularização e travadas pelas discussões do marco temporal, de acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio). Povos Indígenas estão novamente no centro de uma discussão judicial em torno do marco temporal, tese pela qual a população reivindica terras ocupadas ou disputadas quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada.
Apesar de mantida pelo Ministro Gilmar Mendes, a discussão retoma ao STF (Supremo Tribunal Federal), pois o ministro Edson Fachin, relator de uma dezena de recursos e pedidos de suspensão da norma, leva o tema para o plenário da Corte.
Contudo, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, não definiu a nova data do julgamento. Mendes lidera a tentativa de conciliação e optou por não suspender a lei previamente. Por sua vez, Barroso havia pontuado que uma pauta de julgamento seria marcada caso a conciliação fracassasse. Para Barroso, a conciliação de Mendes busca harmonizar o direito das comunidades indígenas com os interesses defendidos pelo Parlamento.
Em setembro de 2023, o STF declarou a inconstitucionalidade do marco temporal, que condicionava a demarcação de terras indígenas à comprovação de ocupação em 5 de outubro de 1988. Entretanto, o Congresso aprovou uma nova lei que recriou a tese.
A divisão de interesses
Aprovada pela maioria no Congresso, a lei encontra oposição dos povos indígenas, que deixaram a comissão de conciliação conduzida por Mendes. Logo, a população originária passou a pressionar Fachin pela suspensão da norma.
Entre as associações que assinam o pedido estão o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Juízes Para a Democracia (AJD), o Instituto Socioambiental (Isa) e o Greenpeace Brasil.
Sendo assim, as entidades afirmam que a lei “ressuscita questões já superadas” pela Corte e que, “ao invés de contribuir com a otimização da realização do dever constitucional de proteção e demarcação de terras indígenas, cria entraves e obsta os procedimentos administrativos que há décadas estão em andamento”.
Por outro lado, representantes do agronegócio e parlamentares defendem a manutenção da lei sob argumento que a suspensão causa insegurança jurídica e instabilidade institucional.
O agronegócio defende a constitucionalidade do marco temporal, com base nas 19 condicionantes do julgamento da Raposa da Serra do Sol, e a indenização aos proprietários de terras demarcadas.
Imbróglio do marco temporal
A Funai solicitou ao STF o reconhecimento da inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Lei 14.701/2023 que contrariam o texto constitucional. Para a Funai, tais dispositivos não apenas consolidam a violação de direitos dos povos indígenas, como também dificultam a implementação da política indigenista.
Entre as disposições prejudiciais para a política indigenista, em especial para a política territorial, está a tese do marco temporal, a vedação à revisão de limites de terras indígenas e a fragilização do direito de consulta aos povos indígenas, além de questões procedimentais para a demarcação de terras.
Impacto em MS
Enquanto não há decisão, a demora motiva retomadas e ocupações, como a que aconteceu TI Panambi – Lagoa Rica, em Douradina, a começarem a retomar as áreas, em julho de 2024.
Isso gerou a tensão que terminou em conflito com os fazendeiros da região. O resultado foi que diversos indígenas saíram baleados e o clima tenso perdura até hoje.
Mas como a tese do marco temporal impacta nessas terras em Mato Grosso do Sul? Para o procurador Marco Antônio Delfino de Almeida, do MPF (Ministério Público Federal) de Dourados, a PEC não deve se aplicar regionalmente, principalmente em Douradina.
“O que é o Marco Temporal? O Marco Temporal diz que os indígenas não estavam na ocupação em 5 de outubro de 1988. A gente teve uma tentativa de demarcação da Funai em 1972. A gente tem documentos que mostram que a própria USPI, a mando da colônia Agrícola Nacional de Dourados, efetuou a prisão de lideranças desse território. Então, assim, zero possibilidade de Marco Temporal”, disse ao Jornal Midiamax, no começo de agosto de 2024, durante a visita da ministra Sônia Guajajara à região.
“O Marco Temporal é um absurdo, do ponto de vista jurídico, mas ele tem até alguma argumentação fática em outros cenários, aqui não tem a mínima possibilidade que ele se apresente”, afirmou. Os territórios indígenas em MS estão em diversos municípios do Estado. Entre eles, Dourados, Amambai, Caarapó e Paranhos.
Biodiversidade
Como o próprio nome sugere, povos originários desempenham um papel crucial na preservação ambiental no Brasil, devido à sua profunda conexão e conhecimento tradicional da fauna e flora.
O Museu de Astronomia e Ciências descreve que os territórios indígenas têm sido uma fronteira de resistência diante da ganância capitalista expressa em atividades como a mineração, extração de madeira, monocultura, pecuária, entre outras práticas de exploração predatórias.
“Eles veem a natureza como um ser vivo, com o qual mantêm uma relação recíproca, e reconhecem a importância de protegê-la para as gerações futuras. Esse entendimento os levou a desenvolver práticas que priorizam a conservação e restauração do ambiente natural”, pontua um artigo publicado.
Sendo assim, os povos indígenas mostram que é possível preservar a biodiversidade, manter os serviços ecossistêmicos e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. No geral, suas contribuições são essenciais para o bem-estar contínuo dos ecossistemas brasileiros e para a luta global contra a degradação ambiental.
Como ocorre o processo de demarcação de Terras Indígenas?
Homologação de terras em MS
Segundo dados da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Mato Grosso do Sul conta com 58 Terras Indígenas atualmente e mais duas Reservas Indígenas. Deste número, 16 estão na primeira fase, a de estudo. Outras quatro estão delimitadas – como a Panambi – e seis declaradas.
Em fase de homologação são cinco e já regularizadas são 27 em todo o Estado. Entretanto, por conta do imbróglio jurídico do Marco Temporal, todos os processos estão travados. Apesar de, na opinião do procurador, a tese ainda não impactar diretamente na demarcação, a preocupação dos indígenas é que a aprovação do Marco Temporal deslegitime a presença deles em áreas ocupadas e aumente ainda mais a tensão já existente.
Confira as terras que estão em estudo:
Terra Indígena | Etnia | Municípios |
Apapeguá | Guarani Kaiowá | Ponta Porã |
Apykai | Guarani/ Guarani Kaiowá | Dourados |
Douradopeguá | Guarani | Dourados |
Dourados – Amambaipeguá II | Guarani Kaiowá | Caarapó e Dourados |
Dourados – Amambaipeguá III | Guarani Kaiowá | Caarapó e Dourados |
Garcete Kuê (Nhandeva Peguá) | Guarani | Sete Quedas |
Guaivyry-Joyvy (Amambaipeguá) | Guarani Kaiowá | Ponta Porã |
Iguatemipeguá II | Guarani Kaiowá | Amambai, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Dourados, Iguatemi, Paranhos e Tacuru |
Iguatemipeguá III | Guarani Kaiowá | Tacuru |
Laguna Piru (Nhandeva Peguá) | Guarani | Eldorado |
Laranjeira Nhanderu (Brilhantepeguá) | Guarani | Paranhos |
Mbocajá (Ñandévapeguá) | Guarani | Amambai, Coronel Sapucaia, Iguatemi, Paranhos e Tacuru |
Potrerito (Nhandeva Peguá) | Guarani | Paranhos, Sete Quedas e Tacuru |
Vitoi Kuê | Guarani | Japorã e Mundo Novo |
As que estão delimitadas:
Terra Indígena | Etnia | Municípios |
Dourados – Amambaipeguá I | Guarani | Amambai, Caarapó e Laguna Carapã |
Iguatemipegua I | Guarani Kaiowá | Iguatemi |
Jatayvari | Guarani Kaiowá | Ponta Porã |
Panambi – Lagoa Rica | Guarani Kaiowá | Douradina e Itaporã |
Ypoi/Triunfo | Guarani Nhandeva | Paranhos |
E, por fim, as já declaradas:
Terra Indígena | Etnia | Municípios |
Guyraroká | Guarani Kaiowá | Caarapó |
Ofayé-Xavante | Ofayé | Brasilândia |
Panambizinho | Guarani Kaiowá | Dourados |
Potrero Guaçu | Guarani Nhandeva | Paranhos |
Sombrerito | Guarani Nhandeva | Sete Quedas |
Sucuriy | Guarani Kaiowá | Maracaju |
Taquara | Guarani Kaiowá | Juti |
Linha do tempo do Marco Temporal
Portanto, ao proferir decisão favorável aos indígenas durante o julgamento de um conflito com produtores de arroz em Roraima, o Supremo usou como argumento que o povo da Raposa Terra do Sol já estava no território quando foi promulgada a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Consequentemente, o posicionamento abriu precedentes para que outros casos de demarcação fossem analisados usando a mesma lógica e limite temporal.
Em 2023, o STF determinou a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal e concluiu que a demarcação dos territórios indígenas independe de ocupação na data da promulgação da constituição, em 1988.
Entre os pontos que serão incorporados novamente à lei, estão: a proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas; adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.
Entretanto, para a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o marco temporal ignora as violências e perseguições que os povos indígenas enfrentam há mais de 500 anos, em especial durante a ditadura militar, que impossibilitaram que muitos povos estivessem em seus territórios no ano de 1988.
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