Após uma onça-pintada atacar Jorge Ávalo, caseiro de um pesqueiro particular na beira do Rio Aquidauana, no pantanal sul-mato-grossense, muitas dúvidas sobre a coexistência ‘humana e felina’ surgiram.
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As redes sociais foram tomadas por debates acalorados sobre o que pode ter motivado os ataques, o que deveria ser feito com a onça-pintada quando capturada e até quais projetos de preservação têm sido promovidos pelo poder público.
Por isso, o Jornal Midiamax separou as principais dúvidas e apontamentos feitos sobre o caso e convidou o professor e pesquisador do campus da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) de Aquidauana, Julio César de Souza, que desenvolve estudos sobre as onças na região do Pantanal, para esclarecê-los. Confira a entrevista.
Na região pantaneira, fauna e flora interagem com a presença humana há muito tempo. Historicamente, como é essa relação?
Essa é uma relação de longa data, que sempre foi bastante uniforme e sem grandes consequências. O homem pantaneiro tem mais de 300 anos no Pantanal, convivendo com a fauna. Lamentavelmente, acidentes acontecem, mas isso não é via de regra.
Cada vez que passa, temos mais acesso aos animais que estão no Pantanal. O homem precisa estar consciente, tem que respeitar a natureza, os ambientes, para que a gente possa viver em harmonia, viver de forma sustentável.
Há 11 anos desenvolvemos um projeto em uma fazenda, onde o pessoal da equipe vê onça o tempo todo e nunca tivemos problema. Há a necessidade de respeitá-la, assim como seu ponto de fuga. Não deve se aproximar do animal.
A expectativa é que essas onças façam o controle populacional das outras espécies, como a capivara, o jacaré, a anta, entre outros. Todas essas espécies são controladas populacionalmente pelo animal de topo de cadeia, neste caso, a onça.
Se você começa a facilitar o alimento para a onça, esse controle pode ser alterado. Por exemplo, quando entra em um período de aparição de vaca, tem que haver manejo especial para que os bezerros não sejam presas para as onças. Temos que trabalhar para prevenir que acidentes aconteçam.
No centro do ecossistema pantaneiro, a onça-pintada é uma figura muito importante, muito representativa, afinal, é um dos maiores predadores das Américas. O caso que vimos recentemente no Estado levantou o debate sobre a periculosidade da onça. O que o senhor pode destacar sobre o comportamento natural dela? E também, em que contexto esse convívio entre animal e humano é aceitável?
Primeiro, nós não devemos incomodar o animal. E hoje, tem muita gente que quer mídia, quer o destaque. Então, às vezes, o indivíduo vai pescar, chega lá e vê a onça atravessando o rio. Qual é o procedimento? Ele enfia o barco em cima dela.
Poxa, o pobre do animal já está fazendo um grande esforço para atravessar o rio e o cara bate um barco em cima, aumentando o esforço do animal só porque ele quer fotografar. Esse tipo de coisa não pode acontecer em hipótese alguma. Deixa o animal em paz!
Cheguei para pescar e tem uma onça lá? Vou pegar minha câmera e vou fotografar ela de longe, não vou encostar o barco para fazer foto ou espantar o bicho. Outra coisa, em hipótese nenhuma, fornecer comida para o animal, ele está no ambiente natural dele.
Outra questão é que precisa fazer corredores ecológicos para deixar passagem para os animais selvagens. Temos que pensar na fauna, na biodiversidade. Temos que deixar isso para as gerações futuras. Nós temos que formar corredores, parque estaduais e federais.
Por fim, se você percebe que tem um animal rondando a casa, como foi o caso do seu Jorge, tem que procurar o poder público, tem que procurar a PMA, a Universidade, a Semadesc, uma entidade especializada para dar esse suporte. Não cabe às pessoas sair retalhando e matando esse animais.
No fim das contas, onça “pega gosto” por carne humana?
Circulou um monte de imagens da onça passeando pelo quintal onde ocorreu o evento. Se a onça estava passeando ali, a Polícia Ambiental e a Universidade tinham que ter sido mobilizadas para que pudéssemos tomar uma providência desse animal e removê-lo. Não adianta levá-lo para o CRAS. Tem que levá-lo e reintroduzi-lo em outro lugar. Temos que começar a fazer manejo de fauna.
No passado, a onça vivia do sul dos Estados Unidos até o norte da Argentina e ela foi se acabando. Hoje, o Pantanal e a Amazônia são regiões que ela encontrou pra viver, mas isso tem que ser trabalhado porque cada vez mais o Pantanal está sendo aberto.
Não acredito que, porque ela provou do sangue [humano], voltará a fazê-lo, isso não quer dizer muita coisa. Agora, temos que cuidar. Se tenho uma onça rondando minha casa, o meu Pantanal, não vou ficar saindo durante a noite, vou me cuidar. Vi gente falando que ela estava de tocaia, como se a onça fosse uma pessoa que ficasse ali, olhando. Agora, sem dúvidas, ela vai predar o que é mais fácil pra ela.
A prática da ceva também levanta muito debate. O senhor comentou rapidamente sobre, mas gostaria que se aprofundasse nessa questão. Existe algum perigo nessa prática?
Existe. Inclusive, o coronel responsável pelo IHP divulgou um vídeo mostrando a importância de você não cevar os animais. Isso porque, se vem um barco fazendo barulho, o animal associa o som a peixes e ela fica aguardando pela comida, porque é o que as pessoas deixam nos barrancos.
Se a pessoa resolve descer ali, um queixada, um cateto, um cervinho, um jacaré ou um humano de costas pescando, vai ser o mesmo, é alimento. Por isso, não alimente um animal. Deixe os animais se alimentarem da natureza! Cervar os animais é uma coisa errada, não façam isso.
Por fim, muita gente defendeu que a onça deveria ser abatida. Mas é importante falar sobre a preservação, porque elas têm um papel fundamental em nosso ecossistema. Gostaria que o senhor comentasse sobre.
Eu tenho uma pergunta: a onça que foi capturada foi realmente a que predou o seu Jorge? Esse animal tinha que ter sido capturado, e não vindo para o Cras. Ele tinha que ter sido destinado para um reserva, para uma área distante, onde ele não terá contato com humano.
Agora, abater o animal, por quê? Será que a culpa é do animal? Por que tem tantos animais andando lá?
O animal está dentro do habitat dele, então eu não tenho o direito de sair matando porque sou homem. A metodologia que usaram para capturar ela não é invasiva, é tranquila. Mas ele deveria ser removido para uma reserva onde pudesse continuar a vida dele. Já os turistas têm que ser mais educados, respeitar o animal.
Confira a entrevista na íntegra:
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