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Cotidiano

8 anos após morte de Mayara, medidas de segurança ainda não impedem o assassinato de mulheres

Assim como Mayara Amaral, Vanessa Ricarte entrou para as estatísticas de feminicídio em Mato Grosso do Sul
Lethycia Anjos - Publicado em
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Vanessa Ricarte e Mayara Amaral, vítimas de feminicídio
Vanessa Ricarte e Mayara Amaral, vítimas de feminicídio (reprodução, redes sociais)

Em 2017, o feminicídio da musicista Mayara Amaral abriu o debate público sobre a efetividade das políticas de proteção às mulheres em Campo Grande. Oito anos depois, a história se repete. Jornalista e servidora pública Vanessa Ricarte foi morta após ser esfaqueada pelo ex-companheiro na tarde de 12 de fevereiro, também em Campo Grande.

Com mais uma mulher morta por questões de gênero, inúmeras perguntas pairam pelo ar, sendo a principal delas: quem tem o direito de nos matar?

Violência se sobrepôs aos avanços conquistados

De 2017 até aqui, a legislação avançou e a abordagem midiática dos casos de feminicídio tornou-se um pouco mais ética, ainda que aquém do ideal. No entanto, em ambos os casos, a espetacularização do crime fomentou o debate público, ainda que a um custo alto: o de expor as vítimas a julgamentos morais que desviam o foco da violência sofrida.

No caso de Mayara Amaral, as discussões se voltaram às roupas que usava no dia, ao fato de ter ido a um motel com seu algoz e até mesmo a um suposto uso de drogas.

Já a Vanessa, o peso do julgamento recai sobre fotos em que ela aparece sorrindo ao lado do ex-companheiro, mesmo supostamente sabendo de seu histórico agressivo. E ao discurso de culpabilização: “Ela sabia do histórico dele” ou “Dispensou o auxílio da polícia ao voltar para casa após registrar o boletim de ocorrência.”

Outro ponto que chama atenção é que, nos dois casos, o histórico do autor entrou em evidência. Enquanto Caio Cesar do Nascimento é descrito como ‘um homem temente a Deus’. Luís Alberto Bastos Barbosa, assassino de Mayara, recebia o título de um homem ‘tomado por ciúmes’ que até rendeu uma entrevista em uma das principais revistas do Brasil. “Estava movido pelo ódio”.

Nesse cenário, ao invés de centrarem o debate no feminicídio e na responsabilização dos agressores, essas narrativas desviam os questionamentos para as escolhas das vítimas, alimentando uma lógica de culpa que perpetua a violência de gênero.

Pai de Mayara pede justiça por Vanessa

Alziro Amaral, pai de Mayara, usou as redes sociais nesta quinta-feira (12) para relembrar a morte de sua filha e pedir justiça, desta vez também por Vanessa.

“Em 2017 perdi minha filha Mayara Amaral, barbaramente assassinada por outro verme desses. Acho que a nossa sociedade tem que votar uma lei que decrete prisão perpétua para esse tipo de covardia. Isso é urgente!”, desabafou em publicação do Jornal Midiamax.

No caso de Vanessa, o feminicida tinha onze passagens pela polícia, o que incluia casos de violência doméstica, mas seguia livre pelas ruas. Isso porque, embora o histórico do autor deixasse em evidência o risco que ele oferecia à sociedade, a lei prevê prisão somente em caso de descumprimento da medida protetiva.

Quem tem o direito de nos matar?

Retrospectiva
Manchetes evidenciam alta de feminicídio (Arquivo, Midiamax)

Desde 2015, o assassinato de mulheres por questões de gênero é considerado crime hediondo. A mudança ocorreu após a criação da Lei 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio, sancionada pelo Governo Federal.

No ano passado, entre os inúmeros fatos noticiosos, as mortes violentas de mulheres por questões de gênero estiveram no epicentro das manchetes jornalísticas. Em Mato Grosso do Sul, houve 32 casos de feminicídio ao longo do ano, dos quais nove ocorreram em Campo Grande. Os dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) mostram ainda 83 casos de feminicídio tentado. Em 2025, dois casos de feminicídio foram contabilizados.

Feminicídio está definido como qualquer morte violenta de mulheres motivada por questões de gênero. Ou seja, pelo fato de a vítima ser mulher. Crimes como esse podem ocorrer em diferentes contextos, incluindo os chamados feminicídios íntimos, praticados por pessoas próximas à vítima, como cônjuges, familiares ou amigos. Também engloba casos em que a motivação está relacionada à discriminação ou à inferiorização do gênero feminino.

Em 2024, entrou em vigor a lei que eleva a 40 anos a pena para o crime de feminicídio. Mas com inúmeros casos diários no país, a efetividade dessas políticas públicas é colocada em cheque.

Feminicídios em MS
Feminicídios em MS (Infografia – Lethycia Anjos/Ilustração – Giovana Gabrielle, Midiamax)

‘O machismo patriarcal se reestrutura’

Manuela Nicodemos Bailosa, subsecretária de Estado de Políticas Públicas para Mulheres, aponta que a dificuldade na tipificação dos crimes contribui diretamente para a subnotificação dos casos. Essa realidade torna desafiador determinar se houve, de fato, um aumento no número de mortes ou se o aparente crescimento reflete a redução na subnotificação.

“Não existe apenas o feminicídio íntimo. Um crime de feminicídio ocorrido em janeiro pode ter sua investigação concluída apenas em setembro. Por isso, os dados sobre crimes contra a vida das mulheres, motivados pelo ódio, apresentam grande flutuação, porque nem sempre notificam um crime inicialmente como feminicídio”, explicou em entrevista ao Midiamax em dezembro de 2024.

Manuela aponta que, apesar dos avanços em políticas públicas para as mulheres, o machismo patriarcal tem demonstrado uma capacidade de se reestruturar ao longo dos períodos históricos para manter o controle sobre o corpo e a vida das mulheres.

“O machismo patriarcal se reestrutura a cada período histórico para controlar nossa vida e nossos corpos. Há um elemento social importante nesse cenário, que também define quem vive e quem morre no Brasil”, enfatiza Bailosa.

Como denunciar?

O 180, Disque-Denúncia, criado pela SPM (Secretaria de Políticas para Mulheres), permite denunciar de forma anônima e gratuita e está disponível 24 horas, em todo o Brasil.

Vítimas de violência também podem recorrer à Casa da Mulher Brasileira, localizada na Rua Brasília, Jardim Imá, em Campo Grande (MS) – Telefone: (67) 2020-1300.

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