Grupo que era mantido em situação de escravidão em MS vai receber mais de R$ 750 mil em indenizações

Trabalhadores foram traficados do Paraguai já com um débito referente ao valor do transporte até a carvoaria

Liana Feitosa – 27/08/2024 – 14:10

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Trabalhadores atuavam em carvoaria localizada em Aquidauana (Foto: Justiça do Trabalho).

Nove trabalhadores paraguaios que eram mantidos em situação análoga à escravidão em propriedade rural localizada em Aquidauana, a 140 km de Campo Grande, foram resgatados após operação coordenada pelo MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul). 

Os produtores rurais que mantinham os trabalhadores em condições precárias deverão realizar acertos em valor que supera R$ 760 mil, que corresponde ao pagamento de dano moral individual e coletivo, verbas rescisórias, multas aplicadas em autos de infração e demais direitos trabalhistas devidos às vítimas.  

A ação foi uma operação conjunta realizada pelo MPT-MS, Fiscalização do Trabalho e PMA (Polícia Militar Ambiental). 

As irregularidades

Os paraguaios atuavam na cadeia produtiva de carvão vegetal. “Esses trabalhadores foram traficados do Paraguai já com um débito referente ao valor do transporte até a carvoaria. Somado a isso, todo o consumo de mercadorias estava atrelado ao armazém, pois essas vítimas ficavam alojadas na propriedade rural e impedidas de se deslocarem para outro local onde pudessem adquirir suprimentos essenciais à sua subsistência”, pontuou o procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, que atuou no caso.  

Essa prática é conhecida por truck system (servidão por dívida), que consiste na limitação ao direito fundamental de ir e vir, ou de encerrar a prestação do trabalho, por causa de dívida ilegal atribuída ao funcionário pelo empregador ou outros responsáveis pelo negócio.

Neste caso, as dívidas das vítimas se concentravam no comércio de alimentos e produtos de higiene pessoal realizado por um armazém gerenciado pela esposa do proprietário da carvoaria.

Os produtos eram vendidos por valores supervalorizados. O pão de forma, por exemplo, que era vendido por R$ 15 no armazém, custava R$ 6,59 em um supermercado no município de Aquidauana. Todas as compras eram anotadas pela administradora do armazém em um caderno, sem a entrega de recibos para o consumidor, e os valores eram descontados dos trabalhadores quando se fazia o acerto de salários.

Sem conseguir voltar ao Paraguai 

Um dos trabalhadores ouvidos durante a investigação afirmou que trabalhava no local havia quatro meses, mas que o pagamento do salário só era realizado quando os trabalhadores retornavam à cidade de origem. 

Sem registro em carteira de trabalho nem portando outro documento brasileiro, ele contou não ter conhecimento sobre quanto custavam os produtos que adquiria no armazém, pois não havia tabela de preços, nem era passada para eles uma cópia do que era adquirido. 

Como ele saiu do trabalho devendo, foi obrigado a retornar à função como forma de quitar sua dívida. “Tem situação de trabalhador que não consegue voltar (ao Paraguai) porque está devendo”, afirmou.

Decisão e restituições 

Segundo a decisão, sete trabalhadores resgatados irão receber R$ 60 mil e outros dois serão retribuídos com o total de R$ 40 mil. As indenizações pactuadas serão executadas em doze parcelas, vencendo a primeira no dia 22 de outubro. 

Juntos, os trabalhadores resgatados também receberam um pouco mais de R$ 51 mil, a título de quitação de verbas rescisórias. O proprietário da carvoaria ainda deverá ressarcir a sociedade no valor de R$ 50 mil, que deverá ser pago até o dia 22 de novembro de 2025.

A audiência administrativa também resultou na assinatura de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta). Com o termo, o empregador se comprometeu a cumprir diversas obrigações de fazer e de não fazer, prevendo a adoção imediata de várias medidas.

As medidas são: não admitir ou manter empregado sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente; não manter empregado sob condições contrárias às disposições de proteção do trabalho, quer seja submetido a regime de trabalho forçado, quer seja reduzido à condição análoga à de escravo; fornecer, gratuitamente, aos trabalhadores rurais EPIs (Equipamentos de Proteção Individual); oferecer água potável e fresca nos locais de trabalho, em quantidade suficiente e em condições higiênicas; providenciar a documentação rescisória dos empregados resgatados; recolher o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) incidente sobre os valores retroativos, em razão do registro tardio dos trabalhadores; recolher a multa de 40% sobre o saldo do FGTS apurado no item anterior, entre outras ações.

Além das indenizações por dano moral e da assinatura dos acordos extrajudiciais, a fiscalização do Trabalho emitiu autos de infração com a aplicação de mais de R$ 165 mil em multas ao proprietário rural por descumprir a legislação trabalhista. As informações referentes a esses procedimentos constam no inquérito civil 000920.2024.24.000/5.

Como denunciar escravidão

Todo cidadão que presenciar cenários que possam configurar trabalho análogo ao de escravo pode denunciar ao MPT. Para isso, basta acessar o link www.prt24.mpt.mp.br/servicos/denuncias. As comunicações ainda podem ser feitas por meio do aplicativo MPT Pardal.

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