Enquanto o Pantanal arde em chamas, sobram tentativas para explicar o desastre ambiental. Assim, surgem até teorias que acusam a proibição das queimadas usadas antigamente para ‘limpar’ a terra por fazendeiros, supostos interesses de ONGs e até de bombeiros para justificar o aumento dos incêndios.

Um dos argumentos mais citados para sustentar essas teorias seria de que na Bolívia, onde supostamente haveria leis mais brandas liberando os fazendeiros a realizarem queimadas controladas. Conforme os relatos, haveria menos focos de incêndios florestais no bioma pantaneiro do país vizinho. Entretanto, tal informação é falsa.

Dados atualizados diariamente pelo sistema Firms (Fire Information for Resource Management System), da Nasa, contrariam as afirmações sobre menos focos de incêndio na Bolívia. Esses dados mostram informações sobre incêndios no mundo todo.

Os dados produzidos pelo sistema nacional da Bolívia, o Sistema de Información y Monitoreo de Bosques, reforçam essa informação. Em meio ao grande volume registrado em Corumbá nos últimos dias, vemos que, apenas na terça-feira (25), havia registro de mais de 2 mil focos de incêndio na região pantaneira da Bolívia, que faz fronteira com o Brasil.

Confira a imagem:

Reprodução: Sistema de controle de incêndios da Bolívia.

Os comentários chegam diariamente ao Jornal Midiamax e acusam as entidades de envolvimento com as chamas, para se beneficiarem. Também há quem defenda que os incêndios são cíclicos e que ocorrem todos os anos, como a “ordem natural”. 

E o que dizem os números? Dados do Programa Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que, em 26 anos (1998 a 2024), nunca foram detectados tantos focos em MS quanto em junho.

O comparativo é de 1° a 24 de junho, ano a ano, período em que houve 2.590 focos de queimadas em Mato Grosso do Sul, conforme imagens de satélites. Anteriormente, o maior registro havia ocorrido em 2005, com 557 focos em 24 dias do mês.

Fazendeiros dizem que incêndios começam em reservas

Parte dos fazendeiros que falam sobre o tema afirma que a razão para os incêndios florestais consiste em um fenômeno inerente ao bioma. “O Pantanal vive ciclos. A cada dez anos, os ciclos mudam. Então, estamos vivendo um ciclo de seca. É uma situação que afeta o bioma e os animais, mas é algo cíclico, natural”, disse uma das proprietárias de terra em Miranda. 

Com relação aos incêndios florestais, ela afirmou que, de fato, neste ano, as queimadas começaram mais cedo que o costume. Entretanto, pontua que um dos possíveis motivos, além do ciclo da seca, é a redução da pecuária, pois o boi seria o “bombeiro” do Pantanal.

Como o gado se alimenta do capim, quando criado seguindo os antigos moldes da pecuária pantaneira, eles pressupõem que a prática ajudaria a conter os incêndios.

Além disso, alguns fazendeiros afirmam que os incêndios começam nas reservas florestais e não nas fazendas. Segundo eles, as propriedades rurais, o pasto e o gado protegem o Pantanal.

Entretanto, uma investigação do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) aponta que parte dos focos pode ter começado em fazendas, contrariando a afirmação dos proprietários rurais.

A investigação identificou sete pontos, encontrados em seis imóveis rurais e em uma área sem cadastro no CAR (Cadastro Ambiental Rural), onde podem ter começado os focos de incêndio que ocorreram entre os dias 10 de maio e 10 de junho de 2024, em área de aproximadamente 12.387,24 hectares.

No total, esses incêndios iniciais atingiram cerca de 20 propriedades rurais no Pantanal sul-mato-grossense.

ONGs e até Bombeiros no alvo das teorias

Outro produtor rural afirma que os focos de incêndios são ocasionados, em parte, por entidades sociais e por pessoas que atuam em prol de um “sistema maior”, movido por interesses financeiros. Segundo ele, há pessoas que lucram devido à visibilidade midiática que os incêndios podem gerar.

Vídeo compartilhado pelas redes sociais mostra imagens aéreas da região da Nhecolândia, no Pantanal sul-mato-grossense. Ao fundo, uma voz masculina afirma não haver fogo no local e que só há incêndios na região de Corumbá porque seria “onde eles querem que o fogo esteja”. Confira:

O narrador afirma estar gravando o vídeo no dia 24 de junho deste ano, em local que fica situado a cerca de 90 km de Corumbá, onde há o grande volume de incêndios florestais.

Reprodução Google Mapas.

Outras mensagens que chegaram à reportagem afirmam que as ONGs e os bombeiros estariam lucrando com os incêndios do Pantanal, entidades que estariam envolvidas em um grande projeto milionário, algo semelhante ao que é afirmado no vídeo.

Conforme esses relatos, os brigadistas do Corpo de Bombeiros estariam atuando para o aumento dos incêndios florestais.

Contatado pelo Midiamax, o Corpo de Bombeiros negou essa possibilidade. “O CBBMS está comprometido e empenhado em minimizar a atual situação das queimadas, tanto no Pantanal como no restante do Estado”, disse em nota.

ONGs e entidades dizem que teorias são irresponsáveis

Para quem atua na linha de frente das entidades, as afirmações são irresponsáveis e desconsideram o trabalho feito no Pantanal. Além dos Bombeiros, Prevfogo, Marinha e outras forças, brigadas mantidas por essas organizações também atuam no combate às queimadas do Pantanal.

Com passado na carreira militar ambiental e à frente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), o coronel Angelo Rabelo afirma que é “no mínimo inconsequente acusar as ONGs”. O IHP mantém a Brigada Alto Pantanal, que atua no combate às chamas no bioma. 

Para Rabelo, dois fatores têm contribuído para que os incêndios se alastrem. Um deles é a questão cultural presente em parte da população de atear fogo em lixo e folhas. A outra é a ocupação de terras no Pantanal por pessoas vindas de outras regiões, que estão adentrando em áreas nativas sem fiscalização. 

Somado a isso, o Pantanal enfrenta uma condição climática nunca vista, com seca extrema. “Pela minha experiência na PMA, o manejo do fogo pode ser feito com responsabilidade, mas não é um cuidado de pessoas que tem se instalado no Pantanal”, afirma.

O Diretor Institucional da Ecoa (Ecologia e Ação), Alcides Bartolomeu de Faria, afirma que tais comentários “partem de alguns extremistas do setor. Um celular dá a qualquer um o poder da mentira e do falso”. 

Em Mato Grosso do Sul, a Ecoa atua diretamente com as Brigadas Comunitárias em várias regiões e acompanhando o avanço do fogo sobre comunidades e ribeirinhos.

“Na outra frente fazemos o monitoramento através dos satélites disponíveis através de uma especialista e avaliação diária levantando fontes disponíveis”, afirma.

Pantanal brasileiro e chaco dos países vizinhos: diferenças políticas e de tamanho

Quanto às comparações das políticas entre os países que fazem parte da bacia do Pantanal — Brasil, Bolívia e Paraguai —, vale destacar que a extensão do Pantanal no Brasil é quase duas vezes maior que a dos demais países juntos. 

Dados divulgados pelo Observatório do Pantanal mostram que, ao todo, a parte considerada grande Pantanal possui uma extensão de 23 milhões de hectares, distribuídos entre os três países. 

O Pantanal brasileiro é o maior, com 15,5 milhões de hectares, seguido do paraguaio, com 4,2 milhões, e do boliviano, com 3,3 milhões. No Brasil, a maioria do bioma está localizada no estado de Mato Grosso do Sul, seguido de Mato Grosso. 

Embora a maior extensão esteja no Brasil, anualmente, os três países têm alguns pontos em comum: concentram grandes proporções de incêndios florestais, além de exploração do bioma a partir da criação de gado e exploração de minério. 

Comparação entre Brasil e Bolívia

Comparar as políticas e cenários desses países é complexo. A exemplo do país mais mencionado pelos produtores rurais, é de conhecimento geral que Brasil e a Bolívia são países com grandes diferenças históricas, políticas, sociais e culturais. Isso sem considerar a diferença territorial no que diz respeito à bacia do Pantanal. 

Conforme pontuado pelo pesquisador Fernando Lara Rocha Almeida, em sua dissertação produzida pela UFMS, diferentemente do Brasil que é um Estado federado, a Bolívia é um Estado unitário. 

“Dessa forma, as normas ambientais bolivianas apenas têm origem no governo central. O que pode ser um fator complicador, juntamente com a representatividade da área do Pantanal no país, que acarreta a ausência de uma lei específica para o bioma”, escreveu. 

Logo, em sua totalidade, o Pantanal não possui um marco jurídico que regule seu uso e conservação no território boliviano, assim como ocorre no Brasil.

Sobretudo, a extensão do Pantanal boliviano não chega perto do tamanho da área brasileira. Logo, uma comparação bruta entre o número de focos de incêndios dos locais é insustentável.

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