Proclamação da República manteve influência militar e foi estopim de ‘modernização’ de Campo Grande

Feriado nacional é celebrado nesta sexta-feira

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Prédio Mello Cáceres, em Campo Grande. Estrutura abriga, atualmente, a Casa de Cultura (Reprodução, Arca)

Rua 15 de Novembro, Avenida Ernesto Geisel, Avenida Costa e Silva, Avenida Duque de Caxias. A influência de uma cultura militar está impressa nas placas que nomeiam vias importantes de Campo Grande. É, também, sintoma de que a cidade cresceu envolta de uma atmosfera militarista.

Feriado nacional, a Proclamação da República é celebrada nesta sexta-feira (15). A data serve como ponto de partida para entender melhor a presença de uma ideologia pró-militar em Mato Grosso do Sul, que vai muito além do nome de ruas e avenidas. A influência militar no Estado ultrapasse os muros dos quartéis, alcançando também cargos políticos e até o planejo urbano da capital sul-mato-grossense.

Afinal, a partir da mudança de regime político no Brasil, políticas desenvolvimentistas na região norte e centro oeste ganharam força. Lembra das aulas de história? A Proclamação da República foi o marco temporal do fim da monarquia no Brasil, motivada também pelo sentimento de insatisfação com a administração da Família Real. E foi por meio de um golpe militar, no dia 15 de novembro de 1889, que o Brasil tornou-se uma república de regime presidencialista, na qual um militar, o marechal Deodoro da Fonseca, passou a comandar o país.

Nesta reportagem especial em alusão à data celebrada nesta sexta-feira, o Jornal Midiamax conversou com especialistas, historiadores e urbanistas, para entender essa influência e as marcas perenes que a mudança de regime deixou por aqui.

Novo regime, estradas, e um ar mais moderno

Um mecanismo simples. Nos primeiros anos dessa nova forma de governo, militares assumiram o poder e passaram a chefiar as principais atividades políticas administrativas no país. “Começaram a construir estradas de rodagens, montando embarcações para atender as comunidades e cidades interioranas onde havia a passagem de rios pequenos”, explica, à reportagem, o historiador Eronildo Barbosa.

Barbosa reforça que militares também intensificaram as forças para integrar o sul do Mato Grosso com as demais capitais do país. Assim, os primeiros registros da permanência do exército em Campo Grande datam do início dos anos 1900.

As primeiras construções militares na Capital, a propósito, antecedem a criação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, a NOB, segundo o arquiteto e urbanista Ângelo Arruda.

“Imagine que no governo da República, após 1889, todos os presidentes eram marechais. Então, eles tinham muita preocupação com a segurança. E a gente teve aqui a Guerra com o Paraguai, no finalzinho do século XIX. Essa era uma região estratégica para ser ocupada, então os militares começaram a se instalar em Campo Grande”, conta o arquiteto.

Desta forma, a Guerra com o Paraguai, também conhecida como Tríplice Aliança, provocou essa preocupação estratégica com as fronteiras do Brasil. E Campo Grande estava localizada nesta rota geopolítica. Corumbá também, já que não existia uma fronteira definida com a Bolívia, conforme relata a presidente do IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul), Madalena Greco, o que explica militares também se instalaram na região para cercar esses espaços.

Militares eram professores, engenheiros e até médicos da população

No entanto, a função do Exército não se restringia somente à segurança da cidade: eles foram, por anos, os professores, engenheiros e até os médicos da população. Madalena Greco conta que Campo Grande carecia de moradores com formação acadêmica e, com a chegada dos soldados, eles acabavam assumindo alguns desses cargos.

“Os militares tiveram muita influência na formação da saúde em Campo Grande. Porque no início, nós tínhamos pouquíssimos médicos. Então os médicos militares, eles vinham também atender a essa população”, explica Greco.

Contudo, foi com a criação da NOB, em 1908, que a presença dos soldados se intensificou e se estabeleceu definitivamente na região. Muitos militares vieram para Campo Grande para ajudar nas construções dos trilhos – que também intensificou a migração étnica para a localidade – e a região ao entorno da ferrovia teve um crescimento expansivo – tanto para construir as moradias, quanto para oferecer a infraestrutura necessária para a permanência desses trabalhadores.

“Campo Grande é uma cidade que, na sua gênese, era um campo de passagem de tropas. A ferrovia vem consolidar a sua marca, eu diria, tanto nessa questão de entrada e saída de produtos, quanto na integração com os militares”, relata Madalena Greco.

Influência militar na arquitetura da cidade

A influência do exército em Campo Grande está presente também, nas ruas e construções da cidade, o engenheiro militar Themístocles Brasil, foi o responsável pelo primeiro planejamento da cidade.

“A primeira planta do perímetro urbano foi desenhada e organizada, ou melhor, foi demarcada pelo militar Themístocles Paes de Souza Brasil. Ele fez essa planta e, no ano seguinte, Nilo Javari Baren fez o restante da planta que a gente tem hoje na área central, nos primeiros quarteirões”, explica Ângelo Arruda.

Segundo o arquiteto, foram os militares que fizeram os traçados, organizaram os espaços urbanos e deixaram leis para que esses planejamentos fossem executados. Uma marca registrada, segundo Arruda, são os quarteirões ortogonais, desenhados por Nilo Baren, e que outros engenheiros deram continuidade na planta da cidade.

Até os dias atuais, é possível perceber a identidade dos militares pelo bairro Amambai, região de Campo Grande. A região, que é o primeiro bairro de Campo Grande, cresceu em função da construção da ferrovia e dos quartéis.

“Se você anda no bairro Amambai, você vai ver que uma parte muito grande das antigas construções usa o rococó, que era muito usado pelos militares. Os quarteis são um exemplo disso, algumas casas que estão ali, elas têm uma ideia militar”, relembra o historiador Eronildo Barbosa.

Pensamento militarista enraizado

A influência dos militares também está nas ruas da cidade, nomes como Costa e Silva, Afonso Pena e Ernesto Geisel são homenageados nas principais avenidas de Campo Grande – o tema já foi aprofundado em reportagem do Jornal Midiamax há exatos dois anos.

Essa visão ideológica ocorre tanto por uma questão política quanto por motivos estéticos. Barbosa explica que uma parcela importante das mulheres da burguesia se casaram com tenentes e coronéis, o que fez com que eles passassem a morar definitivamente em Campo Grande.

“A maioria dos professores de matemática, química, física, português e inglês eram militares, eram pessoas que vinham do Rio de Janeiro ou de outra praça. Trabalhavam no quartel e à noite iam dar aula. Acabaram casando, formando família, e se tornando sul-mato-grossenses”, explica Barbosa.

Instalação militar da década de 30 que guardou o Quartel do Comando General em Campo Grande. Prédio atualmente é inexistente (Arca, Reprodução)

Conforme o historiador, a Guerra da Tríplice Aliança teve um papel importante para fomentar as ideologias presentes atualmente, mas foram as ideias republicanas que enraizaram o militarismo em Campo Grande.

“A nossa cidade tem uma força muito grande nessa área militar, e evidentemente as ideias republicanas frutificaram aqui, hoje em dia Campo Grande é uma das cidades mais militarizadas do Brasil”, conclui.

Mello Cáceres, marco arquitetônico de influência militar

A estrutura militar onde atualmente funciona a Casa de Cultura de Campo Grande, é um dos exemplos mais presentes da influência militar na Capital. Conhecido como “Quartel da Afonso Pena”, o prédio Mello Cáceres foi construído em 1922 e é considerado a primeira obra de engenharia e arquitetura em dois andares, conforme pesquisa de Ângelo Arruda.

Prédio militar onde funciona a Casa de Cultura é marco da modernização da cidade decorrente da mudança de regime em Campo Grande (Reprodução, PMCG)

Atualmente cedido para a Prefeitura, o prédio é marcado pela grande escadaria em madeira e demais traços clássicos de arquitetura militar daquela época. Foi projetado pelos arquitetos e engenheiros da antiga Companhia Construtora de Santos, e ajudaram a tirar a cara de “vila” que Campo Grande tinha há 102 anos, tornando-se um verdadeiro marco para a cidade que dali a pouco mais de 50 anos tornar-se-ia capital de estado.

Revitalizado, a estrutura de concreto e madeira é aberta à visitação e oferece, na disposição atual, salas para oficinas artísticas, ensaios musicais e teatrais, além de uma galeria de artes visuais. Está localizada na Avenida Afonso Pena, 2.270, Centro.

(Com supervisão de Guilherme Cavalcante)

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