“Não existe um médium em religiões de matrizes africanas que não tenha sofrido intolerância religiosa. O preconceito, infelizmente, existe e está em todos os lados. É o que já fala, não é? Pré-conceito. As pessoas não sabem como é a nossa religião, não sabem de onde viemos, o que acreditamos e tiram conclusão precipitada […] não gostam do nosso tambor”. 

Esse é o desabafo da sacerdotisa Luara Diniz Rodrigues Vilela, de 32 anos, que é diretora da Tenda de Umbanda Arco-Íris, no bairro Piratininga, em Campo Grande, sobre este domingo (21), em que é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Ela foi criada no candomblé e sempre se sentiu pertencente às religiões de matriz africana. 

“O meu terreiro era no Aero Rancho e tinha um vizinho evangélico. Toda vez em que eu tocava o meu tambor, em que fazia as minhas ritualísticas, ele colocava o louvor no último volume. Eu já tinha conversado que tinha só a segunda-feira pra fazer isso e infelizmente falava que eu ficava com a minha macumba pra lá e ele ficava com a religião dele pra cá, então não teve nenhum respeito e nenhuma tolerância ali”, ela recorda.

Centro de umbanda é incendiado pela 3ª vez e criminosos ateiam fogo em carros

O relato da vivência dela sobre a intolerância religiosa não é isolado. A experiência do preconceito é compartilhada por candomblecistas, umbandistas e indígenas que veem o direito de expressar a fé cerceados por estereótipos e ignorância.

Os dados mostram que os números de ocorrências por motivos religiosos em Mato Grosso do Sul cresceram 76,47% entre 2022 e 2023, saltando de 17 para 30 registros no período. O levantamento é da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública).

Casa de reza incendiada em Mato Grosso do Sul. (Foto: Povos Guarani Kaiowá)

Éverton Arruda Soares, de 28 anos, é praticante da umbanda desde 2007 e relembra do sentimento de impunidade quando foi vítima de intolerância religiosa em Campo Grande. 

“Estava expressando a fé que tenho a uma divindade chamada Ogum, mediante oferenda em um trilho de trem, e logo em seguida chegou um senhor jogando pedras e dizendo palavras obscenas”, lamenta. 

O também sacerdote Rafael Rocha frequenta a umbanda há 20 anos. Conhecido como pai Rafael no terreiro Oxóssi Caçador, no bairro Coronel Antonino, já precisou intervir e conversar com um líder religioso de uma igreja cristã para que as ofensas parassem. 

“Filhos que frequentam a casa foram alvos de preconceito religioso por evangélicos com ofensas, mas através do diálogo que tive com o dirigente da igreja evangélica a situação não teve continuidade”, se recorda. 

Casas de rezas são alvos frequentes

Outros alvos frequentes de ataques contra religião em Mato Grosso do Sul são as casas de rezas dos povos indígenas. Em novembro do ano passado, por exemplo, a Assembleia Geral do povo Kaiowá e Guarani Aty Guasu denunciou nas redes sociais que os incêndios constantes nas residências de rezadores são casos de intolerância religiosa.

“Mais uma casa de reza foi queimada hoje. Pela perseguição da intolerância religiosa, nossos saberes tradicionais. Além de violação de direitos humanos que passamos dia a dia, nossos rezadores também são perseguidos”, escreveu. 

Na época, a casa que pertence à comunidade Tekoha Taajasu, localizada em Rio Brilhante, a 164 quilômetros de Campo Grande, foi destruída pelo fogo no dia 10 de novembro.

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) divulgou, em outubro de 2021, que sete casas de rezas de indígenas foram incendiadas naquele ano. Um dos alvos foi a casa de reza Oga Pysy, no tekoha Rancho Jacaré, município de Laguna Carapã (MS). Um incêndio criminoso deixou o espaço em cinzas com menos de dois meses de inauguração.

O Jornal Midiamax noticiou em dezembro do mesmo ano que uma casa de reza indígena foi incendiada com crianças e idosos dentro em Douradina. Eles conseguiram sair às pressas e ninguém ficou ferido. 

Crimes ligados à religião subiram em MS

Três fatos geraram ocorrências por motivos religiosos em Mato Grosso do Sul. Foram eles: 

  • Injúria por discriminação religiosa (Art. 140, § 3º do CPB – Código Penal Brasileiro);
  • Racismo por motivos religiosos (Lei Federal 7.716/89);
  • Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo (Art. 208 do CPB).
Casas de rezas são alvos constantes de ataques em MS. (Canal Fala Povo)

O crime de injúria por discriminação religiosa foi o que mais registrou ocorrências no Estado em 2023, sendo 12 em Campo Grande e 10 no interior, totalizando 22 ao longo do ano. 

Em seguida, está “Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”, em que foram registradas seis ocorrências em todo Estado. Por fim, foram dois casos de racismo por motivos religiosos.