Dizem que o tempo é o senhor da palavra, uma cura a longo prazo para as dores da vida. Mas, para quem lida com a saudade de uma pessoa querida que partiu repentinamente, isso soa como inverdade. Talvez o tempo até ajude a amenizar a dor da ausência, mas a saudade sempre será latente, enraizada nas memórias jamais esquecidas.

Tem sido assim para Kelly Ferreira, que há três meses convive com o luto após perder o marido, Hudson de Oliveira Ferreira, atingido por um Porsche dirigido pelo empresário Arthur Navarro, na noite do dia 22 de março. Desde a noite trágica, as histórias constantemente rememoradas pela família e amigos são, também, o lembrete que uma cadeira está vaga na mesa de jantar.

A dor da perda é um episódio certo na história da vida que, a cada dia, construímos. Contudo, não há uma maneira fácil de para ela nos prepararmos. Não é por menos que esta quarta-feira (19) é lembrada como o Dia Nacional do Luto, criado como um convite para se refletir as ausências inevitáveis – umas mais trágicas que outras, e todas capazes de deixar profundas marcas.

“Ele sempre vai fazer muita falta”

Kelly e Hudson se conheceram na escola, ainda na infância, quando ela veio de Corumbá para Campo Grande com a família. Embora os dois se dessem bem, a vida foi acontecendo e cada um seguiu seu próprio caminho. Mas, em uma dessas voltas que o mundo dá, após 18 anos, os dois se reencontraram. Agora adultos e certos do que queriam para o futuro, decidiram ficar juntos.

Segundo Kelly, foram 10 anos de muito companheirismo, amizade e amor. Ao lado dele, ela construiu sua família tão sonhada, viu as filhas crescerem amadas e viveu dias muito felizes.

Kelly e Hudson (Reprodução, Arquivo Pessoal)

Kelly conta que os dias favoritos do marido eram os sábados e domingos. Ele amava casa cheia e todo fim de semana fazia questão de preparar um almoço bem generoso que reunia todos à mesa.

Para a família, difícil é chegar em casa e não o ter por perto para contar como foi o dia, olhar para os cômodos e lembrar da rotina que existia. Pensar e prospectar um futuro no qual ele não estará fisicamente ainda é muito doloroso.

“De segunda a sexta-feira a gente até consegue seguir por causa da rotina. Mas aos fins de semana é muito difícil. Ele enchia a casa, gostava de fazer churrasco, chamava todo mundo pra passar o dia aqui. Ele sempre vai fazer muita falta”, lamenta.

Família era seu bem mais precioso

Hudson desconhecia a palavra “problema”. Proativo, cuidadoso e generoso, o motoentregador considerava a família seu bem mais precioso e por ela fazia tudo. Melhor amigo de sua mãe, ele fazia o que estava a seu alcance para garantir uma rotina tranquila e confortável para ela. Lidar com a perda do filho ainda é muito difícil.

“A mãe dele precisou aprender e reaprender muita coisa, porque ele fazia tudo por ela e para ela. Se ela tinha uma conta, ele ia e pagava. Se ela precisasse ir pra um lugar, ele não deixava ela ir de ônibus, fazia questão de pagar motorista de aplicativo, pagava salão pra ela. Ele era extremamente amoroso. Ele era o corpo dela inteiro”, conta Kelly.

Já para as filhas de Kelly, hoje com 19, 17 e 15 anos, “ele era um paizão”. Ela até lembra que as meninas preferiam pedir e compartilhar as coisas com ele, que era para elas, um amigo confidente.

“Ele fazia o que podia por elas, era presente, cuidadoso. Elas sentem muita falta dele e ainda estão muito abaladas. Agora a gente está tentando seguir a vida, mas ele era o alicerce da família. É difícil colocar a vida no mesmo ritmo”, pontua.

“Pedimos Justiça”

A saudade será eterna, conta Kelly. Nos momentos de tristeza, era para ele que ela corria. O último abraço, o último sorriso, a última lembrança. É nisso que ela sempre se apegará.

Ela sabe que nada trará o marido para a casa, mas, sabendo que o culpado pela morte do marido estará sendo punido pelo crime, fará ela sentir um pouco mais de paz para seguir em frente.

“Continuamos pedindo justiça. Queremos que ele [Arthur] pague pelo que fez. Meu marido não foi a primeira vítima dele e não quero que ele destrua outra família”.

Não existe fase do luto

Há um tempo era comum dizer que o luto era composto por fases. Primeiro a pessoa enlutada passava pela negação e isolamento. Depois, raiva, barganha e depressão. Só após esse período nebuloso é que ela enfim encontraria a aceitação.

Segundo Raissa Ramos Ferreira Pedroli, psicóloga clínica especialista em luto, esse conceito já não existe mais. Diversos estudos sobre o tema foram feitos e constataram que o luto acontece de forma única e particular para cada pessoa. Não há regras no “sentir”.

“Vemos que o luto ocorre em movimentos que podem estar orientados para perda, com características de desesperança, tristeza e choro, ou movimentos orientados para reestruturação da nova vida sem a pessoa amada. O luto se assemelha mais a uma jornada com altos e baixos”, explica.

O luto deve ser sentido

Embora seja um período difícil, com seus altos e baixos, o luto deve ser sentido. Quando ignorado, ele pode acarretar consequências mais aparentes como depressão, tristeza profunda, agitação, estresse e até doenças secundárias que nem sempre são percebidas pelo enlutado.

Segundo a psicóloga, todas as pessoas devem passar por esse processo, independentemente da idade. Na infância, mesmo sem total compreensão do que está acontecendo, a criança vai perceber e sentir a perda do ente amado.

Nesse caso, é importante falar com as crianças sobre a perda, explicar, na medida do entendimento delas, o que aconteceu, sem inventar fantasias que desmintam o ocorrido.

“Na infância a orientação é sempre falar a verdade. Explicar com palavras simples e deixar a criança participar dos rituais de despedida. A criança irá compreender conforme a sua idade e os instrumentos que forem fornecidos pela família/ambiente”, pontua Raissa.

Busque uma rede de apoio

O luto é um fluxo natural da vida, mas isso não significa que estaremos preparados para vivê-lo. Por isso, é tão importante buscar uma rede de apoio e contar com a ajuda das pessoas que nos amam.

“A rede de apoio tem papel fundamental no enfrentamento do luto, são as pessoas que darão apoio estrutural e emocional para o enlutado”, explica a psicóloga.

O apoio profissional também não deve ser desconsiderado. Ter o suporte de um psicólogo pode fazer o processo ser muito mais leve, sem acarretar traumas ou problemas maiores.

Já enquanto rede de apoio, é fundamental considerar que cada pessoa tem um processo para a aceitação da perda de um ente querido. Pressionar ou exigir atitudes específicas do enlutado, segundo Raissa, pode acabar atrapalhando o processo.

💬 Receba notícias antes de todo mundo

Seja o primeiro a saber de tudo o que acontece nas cidades de Mato Grosso do Sul. São notícias em tempo real com informações detalhadas dos casos policiais, tempo em MS, trânsito, vagas de emprego e concursos, direitos do consumidor. Além disso, você fica por dentro das últimas novidades sobre política, transparência e escândalos.
📢 Participe da nossa comunidade no WhatsApp e acompanhe a cobertura jornalística mais completa e mais rápida de Mato Grosso do Sul.