Com rezas e danças, indígenas fazem enterro em aldeia três dias após morte de Neri
Indígenas tentam negociar ao menos a colocação de uma cruz no local da morte de Neri
Priscilla Peres, Clayton Neves –
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Três dias após Neri da Silva, de 23 anos, ser morto a tiro pela polícia em disputa por terra em Antônio João, seus familiares sepultaram o corpo dentro da Terra Indígena Nhanderu Marangatu. Eles foram impedidos de sepultar o jovem no local da morte, como manda a tradição indígena.
Acontece que Neri foi assassinado dentro da Fazenda Barra, de propriedade da influente família Ruiz, e alvo de disputa. A área foi homologada como terra indígena em 2002. Mas teve os efeitos suspensos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) pouco tempo depois.
O velório que começou na tarde de sexta-feira (20) terminou na manhã deste sábado (21), cerimônias realizadas com muito simbolismo indígena, de rezas, danças e músicas. Agora, eles tentam negociar ao menos a colocação de uma cruz no local da morte de Neri.
Na língua nativa, os indígenas enterraram Neri da Silva pedindo paz para a sua alma. Muitos pediram Justiça, o direito à terra e o fim dos conflitos. De idosos a crianças, o sepultamento do corpo do indígena reuniu dezenas de pessoas, que se emocionaram muito com a despedida.
Velório de simbologias
No velório de Neri, ele foi recebido pela mãe, pela esposa e pelo filho de 10 meses. Ele foi acolhido não somente por sua comunidade, Nhanderu Marangatu, mas também por outras comunidades da região, somando centenas de pessoas reunidas no local.
O velório reafirmou a união dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, indo além da despedida do parente Neri — como os indígenas costumam se chamar mutualmente.
Além disso, foi um momento que reafirmou o encontro de gerações. No local, estavam presentes pessoas que iam de anciões às crianças mais pequenas, que já sabem muito bem a luta que carregam.
Indígenas cercados pela polícia
A Terra Indígena Nhanderu Marangatu está totalmente cercada pelas forças policiais que escoltam a fazenda Barra. A movimentação de viaturas é intensa todos os dias e assusta aos indígenas, que vivenciam o luto da perda de um dos seus.
Durante a saída do velório para o enterro, ao menos 9 viaturas da Polícia Militar passaram em comboio pelos indígenas. Eles se sentem cercados, monitorados e realmente estão. Há relato de uso de drone pelas forças de segurança e o fechamento de uma vala que os indígenas abriram para evitar acesso à aldeia.
Polícia Militar, DOF, Choque e Força Nacional estão no local, com ônibus, viaturas, fuzil, fardas e escudos. Na aldeia, indígenas em casas improvisadas, em chão de terra batida e a pé.
Justiça mantém policiamento em área de conflito
Após a morte do indígena Guarani Kaiowá Neri da Silva, de 23 anos, em confronto com a tropa de choque a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, a Justiça Federal manteve decisão que autoriza o “policiamento ostensivo”.
O juiz federal Cristiano Harasymowicz de Almeida justifica a decisão sob a prerrogativa de proteção à Fazenda Barra, sobreposta à Terra Indígena Nanderu Marangatu, em Antônio João.
Neri morreu durante o confronto que aconteceu na manhã desta quarta-feira (18). O conflito acontece na área que está em disputa entre produtores rurais e indígenas da comunidade Nhanderu Marangatu.
Terra indígena homologada
A Fazenda Barra, de propriedade de Pio Queiroz da Silva e Roseli Maria Ruiz, está localizada em área homologada como terra indígena desde 2002. Roseli inclusive foi indicada como “especialista” para conciliação do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023).
A advogada Luana Ruiz, que possui cargo no alto escalão do Governo de Mato Grosso do Sul desde janeiro de 2023, é filha dos proprietários da fazenda. Ela defende os pais em ação judicial que tramita há um ano na 1ª Vara Federal de Ponta Porã, contra a Comunidade Indígena Guarani Kaiowá.
A Terra Indígena Ñande Ru Marangatu foi declarada para posse e usufruto exclusivo e permanente do povo Guarani Kaiowá, por meio da Portaria nº 1.456, de 30 de outubro de 2002, e homologada por meio de Decreto Presidencial de 28 de março de 2005. No entanto, a demarcação foi suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Em setembro de 2023, Luana Ruiz entrou com ação na Justiça Federal alegando ameaças de invasão de indígenas e pedindo a manutenção da posse. Na época, o juiz federal Ricardo Duarte, não viu indícios suficientes que comprovassem a ameaça descrita pela advogada.
Dias depois, o mesmo juiz federal determinou à Polícia Federal que, se necessário, com auxílio material da Polícia Militar e da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, bem como da Força Nacional de Segurança, efetue o patrulhamento ostensivo nas dependências da propriedade rural da Fazenda Barra.
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