As agulhas mais antigas foram fabricadas há mais de 30 mil anos, feitas de ossos de marfim, o que significa que a costura existe desde os primórdios da civilização. Resistindo à modernidade das máquinas que dispensam a mão de obra humana, essa profissão antiga tem despertado interesse entre o público mais jovem.

Em Campo Grande, ateliês estão profissionalizando aqueles que foram influenciados pelo talento de suas avós.

Aliás, um artigo da Future Print cita que a profissão enfrenta escassez na confecção por dois motivos: o encarecimento da matéria-prima e a falta de mão de obra, que foi acentuada durante a pandemia. No entanto, a costura realmente corre o risco de extinção diante da modernidade?

Para Vanda Sol, professora e designer que possui um espaço colaborativo de moda com brechós, ateliê-escola e um grupo de costureiras colaborativas, essa possibilidade está fora de questão. Com mais de 14 anos atuando no mercado, sendo 10 anos como professora, ela atualmente leciona para seis turmas lotadas, sendo a maioria composta por jovens.

“Não concordo que essa profissão vai acabar. Aliás, eu acho que, como a gente tem roupas que são mais descartáveis, talvez isso também fomente os ateliês de consertos e reformas, porque há muita necessidade nesse sentido, devido à grande quantidade de compras pela internet e de roupas usadas”, pontua.

Ela também defende que, com o mercado globalizado e o aumento do descarte de roupas, a consciência do consumidor está aumentando. “Talvez, no futuro, as pessoas passem a customizar ou criar suas próprias roupas para que durem mais. Pesquisas apontam uma mudança de consciência e de consumo, com um pensamento mais voltado para o planeta, já que a indústria da moda é uma das que mais poluem. Reutilizar, reaproveitar, consertar e fazer roupas de maior qualidade e durabilidade é uma necessidade para o nosso planeta”, acrescenta.

Fio da meada dos jovens

Nas turmas, há alunos a partir dos 15 anos até idosos de 72 anos. Em muitos casos, o interesse pela costura vem da família, seja por hobby ou para profissionalização visando ao avanço na carreira. Portanto, a “extinção” da profissão seria uma subestimação dessa atividade.

“O interesse está bastante alto entre os jovens e também entre aquelas pessoas que sempre sonharam, mas não tiveram oportunidade. Metade das pessoas que eu conheço tem vontade de aprender algum trabalho manual. Algumas não têm oportunidade, e outras acham que não têm aptidão até começarem a fazer, até a vida lhes dar oportunidade. Aqui, acho que realizo sonhos. Você pode entrar sem saber fazer nada e sair fazendo, pelo menos para si mesmo. O que era para ser um hobby pode se tornar uma profissão”.

Com o apoio dos pais, Raquel Cristina Mortari de Jesus e Joaquim Soares de Oliveira Neto, Giovana Mortari Vilela Oliveira, de 11 anos, está fazendo um curso de costura para confeccionar suas próprias roupas e as de seus familiares.

“Foi um incentivo da minha mãe, e eu acabei querendo fazer também porque minha avó costura, e sempre gostei de aprender para fazer minhas próprias roupas. Já tinha alguma noção na área porque minha avó me ensinou. Acho que os jovens de hoje em dia não enxergam a costura como algo importante. Eu acho a costura algo muito interessante, ainda mais quando você encontra uma turma boa e professores maravilhosos como eu encontrei na escola”.

Influência materna

Mariana Feitosa, de 25 anos, também foi influenciada pela avó para iniciar na costura. Seu amor pela área a levou a criar sua própria marca. “Lembro da minha avó e da minha mãe costurando desde que eu era criança. Já tinha feito um curso rápido de costura e aprendi algumas coisas com minha avó e minha mãe ao longo do tempo”.

Nickole Canazilles Sotomayor Azambuja, de 20 anos, tem afinidade com a costura desde os quatro anos de idade, quando sua tia a ensinou a fazer roupinhas para bonecas. Além disso, sua bisavó era modelista e costureira. Diante desses incentivos, a jovem costureira viu beleza na criatividade.

“Sempre via as roupas que ela fazia para minha mãe e minhas tias, e achava incrível. Inclusive, hoje em dia, eu uso várias das peças que ela fez nos anos 80 e 90 para minha mãe. Eu me inspirava muito nela, sempre brincava de desenhar croquis quando pequena, passei toda minha adolescência customizando minhas roupas, e aos 18 anos ganhei minha primeira máquina de costura. Um tempo depois, entrei no curso”.

costura
Costura em máquina usando técnicas (Arquivo pessoal, Vanda Sol)

‘Fiz para mim’

Entre muitos dos jovens entrevistados, quando questionados se gostariam de avançar na carreira de costura, a resposta foi unânime. O desejo de se envolver com a costura tem relevância tanto para a criação de marcas quanto para a confecção de roupas próprias. Essas opiniões ressaltam a questão sobre o fim da confecção na indústria.

“Sempre tive o sonho de trabalhar com isso (costura) e tenho muita vontade de fazer uma faculdade de moda após minha graduação em psicologia. Talvez até abrir uma marca própria ou algo assim. Eu tinha uma noção bem básica mesmo sobre costura. Não sabia nada de modelagem, técnicas de corte e de costura”.

Assim como tantos jovens, Nickole não tinha familiaridade com a máquina industrial. Para ela, a geração mais nova é influenciada pelo fast fashion, um termo para roupas “compradas, usadas e descartadas com facilidade”.

“As tendências começam e terminam em questão de semanas, e os consumidores são bombardeados com informações o tempo todo. Desse modo, eles não têm espaço para descobrir seu estilo pessoal. Além disso, as roupas estão perdendo cada vez mais qualidade, tornando-se quase descartáveis. Portanto, quando a moda passa, a vida útil da roupa já acabou”.

“Assim, acredito que fazer suas próprias peças ou transformá-las com upcycling (reutilização criativa), além de consumir de marcas mais responsáveis que prezam pelo slow fashion (moda sustentável) e brechós, pode ser um diferencial para quem quer consumir de forma mais consciente, ser mais único e original, ou até mesmo usar a moda como uma forma de expressão artística”, conclui.

Atraindo o público

No ateliê de Vanda Sol, os cursos variam de R$ 300 a R$ 530, do iniciante ao avançado. O mercado das máquinas tem investido em equipamentos com conexão Wi-Fi, acompanhando a tendência da internet. No entanto, para a especialista, o charme do “antigo” encanta a geração atual, que aprecia o trabalho manual. Portanto, a metodologia é a mesma tanto para adolescentes quanto para idosos.

“Eu não estou focada em muita tecnologia na hora de ensinar. Pelo menos, as pessoas que me procuram não estão interessadas nisso. A maioria delas faz cursos comigo por um ou dois anos, até aprender bastante. Algumas fazem cursos por questões pessoais, emocionais, psicológicas. É um momento de lazer, de introspecção, de diversão. São vários os motivos que levam as pessoas a aprenderem, e não há muita tecnologia inovadora envolvida nisso. O que importa é o coração, o amor, a boa vontade e uma técnica eficiente. Eu acho que o grande diferencial de um bom atendimento é tratar as pessoas como seres humanos”, finaliza Vanda Sol.