Após incomodar toda vizinhança, acumulador da Rua Planalto abre as portas de casa e conta sua história
Em meio a uma situação insalubre, dono da casa afirma que a sujeira é único jeito de chamar atenção das autoridades
Lethycia Anjos, Clayton Neves –
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Tomada por lixo, mato alto e fezes, mais uma vez a casa localizada na esquina entre as ruas Planalto e Geraldo Agostinho tem chamado a atenção de quem passa pela região. No entanto, a precariedade do local reflete a luta de um homem que encontrou ali a única maneira de chamar a atenção para um processo judicial que se arrasta desde 2006.
Desta vez, José Fernandes da Silva, que sempre preferiu se manter distante de entrevistas, optou por abrir as portas de sua casa e contar a história que o levou a chegar a esse ponto. Ele relata que tudo começou em 2006, quando recebeu uma notificação judicial de desapropriação de seu terreno de 1 mil metros quadrados, localizado entre a Rua Rolândia e a Avenida Fábio Zahran.
Segundo ele, a área foi desapropriada para a construção da Avenida Fábio Zahran, que naquela época, era chamada de Via Morena. A princípio, mesmo discordando da decisão, José concordou com a desapropriação, desde que houvesse garantias de que ele receberia um novo terreno ou o valor correspondente à área desapropriada.
“Eu disse que saía desde que me dessem uma área em outro lugar, ou me pagassem valor que o terreno valia. Um oficial fez o levantamento e disse que valia apenas R$ 106 mil, isso não pagava nem o que investi no terreno. Depois chegaram com caçamba e destruíram tudo, até mataram meus animais”, relata.
Na época, além de José, outras 76 famílias receberam a ordem de desapropriação, sendo que ele foi o primeiro a contestar o valor avaliado judicialmente. Mesmo sem saber ler, ele sabia que o valor estava muito aquém do esperado. Quando o local foi oficialmente desapropriado, ele já morava há um ano na casa localizada na Rua Planalto.
‘Foi a única maneira que encontrei para chamar atenção’
O processo se arrastou por anos, durante os quais José começou a realizar protestos para chamar atenção para seu caso. Ele organizou diversas manifestações na Prefeitura de Campo Grande, Câmara de Vereadores e em outros órgãos públicos da cidade. No entanto, o impasse persistia sem solução até 2023, quando encontrou uma nova maneira de chamar atenção para o problema.
“Tentei de tudo. Fazia várias manifestações, mas nunca deram moral. Cheguei a ser expulso da prefeitura. Até então, sempre mantive minha casa muito bem cuidada, o jardim era impecável, as crianças brincavam e a manutenção era recorrente”.
‘Minha casa não era assim’
Aos poucos, José sucumbiu e, como último recurso, iniciou os protestos em frente à sua casa na Rua Planalto. Primeiro, fixou uma faixa na frente da residência, onde relatava que teve seu terreno desapropriado e não recebeu compensação por isso. Em seguida, começou a espalhar lixo e objetos pela calçada.
“Não vou dizer que o que faço é bonito. Fiz por ignorância, não agi da mesma forma que os advogados. Minha casa não era assim, mas esta é a maneira que encontrei para lutar”, disse José.
Assim, ele passou a ser conhecido na região como o ‘acumulador da Rua Planalto’, tornando-se uma figura frequente em polêmicas e alvo de reclamações devido aos seus protestos.
Em agosto, o processo teve um novo desdobramento. A decisão passou por uma atualização e previa o valor de R$ 245 mil referente ao terreno, contudo, era em precatório, ou seja, um tipo de pagamento que indica que o valor foi determinado judicialmente, mas não pode ser acessado imediatamente.
“Estou lutando do meu jeito. Não digo que está certo, mas é o que posso fazer. Não tenho dúvidas de que toda essa movimentação aconteceu por causa disso. Mas o dinheiro está em precatório, o que significa que foi determinado o pagamento, mas não posso ter acesso direto a ele.”
Para a esposa, a situação reflete o sofrimento que há anos é compartilhado por toda a família. Embora compreenda o lado dos vizinhos, ela acredita que os protestos de José são a única maneira de resolver a situação.
“Isso mexe com a cabeça do ser humano. Às vezes ele está bem, em outras está em uma depressão profunda. Não posso mais receber visitas. Entendo as reclamações, mas é a forma que ele encontrou para buscar justiça. Um problema vai gerando outro”, relata.
Após meses de ‘paz’, problema retornou ainda pior
Nos últimos meses, José se manteve afastado de polêmicas, até esta semana, quando a situação se tornou insustentável, levando os vizinhos a reclamarem novamente. Ao redor da casa, é possível observar que mais uma vez o mato alto toma conta da calçada, o lixo ainda está espalhado, e agora há uma barraca na calçada que, para infelicidade da vizinhança, se tornou abrigo para pessoas em situação de rua.
Para os vizinhos, a situação já ultrapassou os limites. Segundo eles, a barraca tem sido usada como banheiro por pessoas em situação de rua, o que resultou em um odor que se espalha por toda a rua.
“Faz alguns dias que andarilhos têm usado a barraca como banheiro. Ele em si não é incomodo, mas ele faz loucuras, outro dia começou a jogar objetos, foi um pampeiro”, diz um dos moradores.
Para outro vizinho, a solução deveria ser mais incisiva. “Não entendo por que ele não é preso, isso é inexplicável. Virou uma nojeira total, dá nojo”.
Pedestres precisam dividir espaço com condutores
Segundo relatos da vizinhança, o mato alto tem obrigado os pedestres a caminhar pela rua, o que tem causado vários acidentes no cruzamento, já que o matagal impede a visão dos motoristas.
“Está tudo degradado e a prefeitura não toma providências, há até fezes humanas. Ele cria galinhas, gatos e cachorros cheios de carrapatos em condições precárias. Ninguém aparece para resolver isso”, relata outra vizinha.
Dentro da casa, há inúmeros objetos que refletem a alcunha de acumulador. Questionado, ele justifica: “Tínhamos um acordo com o proprietário do terreno ao lado, que também foi desapropriado. Quando a prefeitura ordenou a remoção de tudo, trouxe as coisas dele e as minhas para a nova casa, por isso tudo ficou acumulado”, afirma.
Problema recorrente
Em março do ano passado, José foi filmado andando sem roupas na sacada de vidro da casa. Vizinhos acionaram a Polícia Militar e o Conselho Tutelar ao verem crianças na casa enquanto o homem corria nu pela sacada.
Na ocasião, policiais conversaram com a mulher e as crianças, de 6, 9 e 10 anos. As meninas relataram que o pai não as agrediu ou ameaçou.
Três dias depois, o homem usou galhos, objetos e entulhos para bloquear a passagem em uma das pistas da Rua Planalto. Com isso, uma fila de veículos se formou na via enquanto motoristas tentavam desviar do lixo.
Em junho do mesmo ano, ele utilizou um boneco, latas de tintas e plantas para chamar atenção às suas reivindicações. A situação se repetiu em julho, e novamente em setembro.
Notificações e limpeza
Ainda no ano passado, José recebeu uma notificação da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), e 11 autuações por “corte não autorizado, derrubada ou morte provocada de árvore”, conforme especifica a Lei 184/2011 do município. Somadas todas as infrações, o homem pode receber multa de R$ 62.685,21.
A primeira infração prevê uma multa que vai de R$ 2.867,95 a R$ 10.652,39. O morador recebeu quatro notificações, o que poderia resultar no valor de R$ 42.609,56. Já na segunda notificação, também por corte, derrubada ou morte de árvore, o homem recebeu sete autuações numa multa de R$ 2.867,95, o equivalente a R$ 20.075,65. Somados os dois valores, o acumulador do Jardim TV Morena pode pagar multa de até R$ 62.685,21 à prefeitura.
Em março de 2023, o local passou por uma ‘operação de limpeza’, devido ao acúmulo de lixo e plantas, principalmente na calçada. A prefeitura utilizou uma retroescavadeira e retirou um caminhão cheio de entulhos e plantas do entorno da casa. Na época, a calçada estava intransitável, com tambores, equipamentos velhos e enferrujados, vidros, cadeiras e uma infinidade de objetos.
A reportagem do Jornal Midiamax entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande para questionar as denúncias dos moradores, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto.
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