Basta abrir alguma rede social e buscar sobre autismo que milhares de conteúdos saltam, com informações que vão do diagnóstico ao acompanhamento. Mas o acesso a esse tipo de informação nem sempre foi assim, disponível na palma da mão. E, mesmo para quem nasceu já nos anos 2000, conseguir o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista) foi uma jornada longa e dolorosa.

É o caso da Gabriela Barbieri, que prefere ser chamada de Gabs e só aos 15 anos recebeu o diagnóstico de TEA, mesmo tendo sinais no comportamento desde muito pequena e acesso à assistência média. Atualmente, com 22 anos, ela é uma das pessoas que utiliza do acesso às redes sociais para falar do assunto e conscientizar mais pessoas sobre o transtorno.

A jornada enfrentada por Gabs e sua família não foi fácil. Desde os 3 anos ela fazia tratamento psicoterapêutico e chegou a receber diagnóstico de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), mas sem o acompanhamento correto, enfrentou muitas dificuldades de adaptação na infância e depressão na adolescência.

Advogada e mãe de Gabs, Sheyla Barbieri conta que só por volta de 2017, com o diagnóstico de autismo e intervenções adequadas, a vida da filha começou a melhorar, com passos lentos. Foi aí também que a família mergulhou em estudos sobre o tema para aprender a lidar com as situações de maneira adequada.

“Informação é tudo. Uma vez que a gente tem, de repente, um nome e já tem toda uma ciência por trás que pode nos dar ferramenta para aprender a lidar e melhorar a qualidade de vida do autista e da família. A gente foi em busca de informação, de profissionais realmente especializados, uma coisa que a gente teve muita dificuldade”, conta Sheyla.

Falar sobre o assunto é preciso

Em 2 de abril se comemora o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, data importante para falar sobre o transtorno que atinge 1 a cada 36 crianças. Dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) de 2023 mostram que a prevalência de pessoas com TEA vem aumentando progressivamente ao longo dos anos.

Em 2004, o centro de controle norte-americano estimava 1 caso para cada 166 pessoas. O caso da Gabs, que nasceu em 2002, nos mostra que o que tem mudado ao longo dos anos não é o aumento exponencial de casos, mas o de diagnóstico correto.

A psiquiatra Mayara Marques Muchon explica que devido ao maior número de estudos e conhecimento na área, e com maior acesso à informação, na prática, cada vez mais adultos têm procurado o consultório do psiquiatra para investigação de transtorno do espectro autista. Apesar do acesso à informação, o autodiagnóstico não é recomendado.

“O intuito do diagnóstico não é rotular, mas promover autoconhecimento, clareza, contextualizar dificuldades e desafios e amenizar muito o sofrimento do indivíduo. Possibilitando, assim, a procura por um atendimento especializado, multidisciplinar e intervenção terapêutica ao paciente”, conta a psiquiatra.

Depressão, ansiedade ou autismo?

A vida de Gabs foi marcada pela ansiedade e a depressão. Apesar da sua mãe identificar desde cedo questões comportamentais na filha, que servem de alerta, mas pouco resolvem sem diagnóstico adequado, para a jovem, tudo se resumia à depressão antes do autismo. Isso acontece porque uma característica do TEA é a dificuldade nas relações interpessoais, que pode gerar outros problemas, como bullying e traumas.

“Nunca suspeitei de autismo, eu sempre chamei tudo que eu tinha de depressão, porque esse era o meu principal diagnóstico na época. Passei por um momento bem difícil, na época do início da adolescência e depois do diagnóstico, conforme eu fui pesquisando mais sobre autismo e estudando mais, eu vi que tudo na minha história e nas minhas experiências que não tinham uma explicação, começou a fazer sentido”, conta ela.

Mesmo com o crescente número de diagnóstico de TEA, a maioria ocorre em homens por uma questão comportamental que cobra que mulheres sejam mais discretas e menos expansivas. Por esse aspecto da sociedade, o diagnóstico tardio é mais comum nas mulheres.

“Mesmo antes do diagnóstico, eu já sofria muito com o preconceito por causa disso, porque as nossas dificuldades, elas são invisíveis para as outras pessoas, sabe? Porque as pessoas tendem a ver o autismo como dois extremos, capaz demais e incapaz demais, mas não é assim que as coisas funcionam”, conta Gabs, que decidiu falar sobre o assunto nas redes sociais.

Pensando na informação e na conexão com outras pessoas, ela se arriscou nas redes sociais e colhe bons frutos. “Eu me sinto muito acolhida assim, eu criei muitas conexões com outros autistas e também responsáveis, pais e mães de outras pessoas autistas, e é muito legal a gente trocar essas experiências”, finaliza.

Diagnóstico abre portas dentro da família

Flavia Caloni Gomes, 49, tem um filho de 15 anos e há 13 começou a aprender sobre o TEA. A convivência com o transtorno mudou a vida dela, que hoje está à frente da AMA/MS (Associação de Pais e Amigos do Autista de Campo Grande). Ela conta que é rotina receber na associação pessoas com diagnóstico de autismo tardio.

E quando alguém da família é diagnosticado dentro do espectro, o olhar de todos muda e, quase sempre, outros membros se reconhecem como autistas. “Geralmente pessoas mais velhas descobrem a partir do diagnóstico de filhos e netos e percebem que sofreram a vida toda por causa dos comportamentos dentro do TEA”.

O relato de Gabs é rotina para Flávia, que convive com o espectro. “Muitas pessoas conseguem se adaptar ao meio com o tempo, mas vivem de maneira desconfortável, com depressão e até tentativas de suicídio, antes do diagnóstico”, conta ela ao explicar que autistas de nível 1 têm maior prejuízo na socialização.

Sheyla conta que depois do diagnóstico da filha Gabs, outros familiares foram diagnosticados. “Vários primos também estão dentro do espectro, também com históricos bem parecidos, de prejuízos infinitos, mas que ninguém nunca identificava que era TEA, e somente na vida adulta que foi confirmado”, afirma.