UPA superlotada é problema ‘cultural’ e desafio municipal em Campo Grande

Superlotação de UPAs gera sobrecarga em pacientes e médicos e problema é enfrentado diariamente pelo campo-grandense

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UPA Coronel Antonino. Imagem Ilustrativa. (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Diariamente uma parcela da população de Campo Grande passa de 3h a 6h na espera por atendimento em UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) ou CRSs (Centros Regionais de Saúde). Um tempo importante para quem, muitas vezes, tem o dia atribulado com afazeres domésticos e trabalho.

Isso, somado à dor, incômodo ou mal-estar – sentidos ao longo das horas de espera por atendimento -, fome e preocupação ‘acabam’ com qualquer um. Cenários semelhantes ou até piores que esse são encontrados todos os dias nas 10 unidades que atendem urgência e emergência e que funcionam 24h em Campo Grande.

Neste sábado (26), a capital completa seus 124 anos. A situação retratada em relação aos atendimentos das urgências e emergências, no entanto, é um ponto obscuro da celebração. Isso porque a resolução é complexa e está, também, relacionada à forma como os usuários de saúde entendem esse serviço.

Como exemplo do tamanho volume desses locais, apenas de janeiro a julho de 2023, 703 mil consultas médicas foram realizadas nessas unidades – fora aqueles que desistiram de esperar e foram embora. O número equivale a 78% da população total de Campo Grande, segundo o último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

É como se quase 80% dos campo-grandenses tivessem precisado de atendimento nos primeiros sete meses deste ano.

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Unidade de Pronto Atendimento (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Um dos pontos a se observar, no entanto, é que estudos da área de Medicina Preventiva indicam que muitas pessoas deixam para buscar ajuda médica apenas quando já estão sofrendo com doenças que poderiam ter sido evitadas.

Nesse ponto, portanto, acabam esbarrando e até mesmo contribuindo para a superlotação das UPAs, disputando ‘espaço’ com casos mais graves.

Da ficha azul à vermelha

Das seis UPAs e quatro CRSs da Capital, as unidades do Leblon e do Coronel Antonino são as que possuem os maiores fluxos, com média de 500 pacientes por dia. De acordo com relatório de risco da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), 88% dos pacientes atendidos em unidades 24h de Campo Grande são classificados como azul e verde (menor gravidade) e 18% de pacientes amarelo e vermelho (maior gravidade), vítimas de acidentes e emergências clínicas.

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Protocolo Manchester usado na classificação dos serviços de saúde (Jornal Midiamax)

Conforme preconiza o Ministério da Saúde, os 88% de atendimentos restantes deveriam ser absorvidos pelas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e UBSFs (Unidades Básicas de Saúde da Família). Essas últimas, inclusive, não recebem metade da procura que as de Pronto Atendimento ou Centros Regionais.

Por serem de urgência e emergência – quando há risco iminente de morte -, o ‘Pronto Atendimento’ no nome das UPAs acaba ficando apenas com as fichas amarelas e vermelhas. E assim, pacientes de menor gravidade tomam o famoso chá de cadeira esperando por horas e criando o maior problema da Saúde de Campo Grande: a superlotação das UPAs.

Porém, há casos e casos. Mesmo com a filha de 19 anos vomitando sangue, a comerciante Katia Franco, de 49, precisou implorar por atendimento na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) das Moreninhas, no mês passado. Mãe e filha chegaram ao local às 11h30, pois a jovem estava com muitas dores e vomitando sangue. “Já era 13h20 e ela não tinha passado nem pela triagem”, contou Katia à reportagem.

Após a triagem, Katia e a filha esperaram por cerca de 40 minutos, quando as dores voltaram a aumentar e a mãe implorou para a jovem ser atendida. “A moça da recepção explicou lá que a minha filha estava com muita dor e fez a gentileza de passar ela para frente”, revelou.

Mas a maioria das situações é o oposto disso, quando os atendimentos poderiam ser feitos nas próprias unidades de saúde, sobretudo quando as classificações são das cores azul e verde. A pouca compreensão do funcionamento dessas unidades é um fator preponderante para a confusão caótica que as UPAs se tornam quando lotam.

Questão cultural

Para a Sesau, o principal desafio atualmente é que a população volte a procurar atendimento nas unidades básicas para desafogar as UPAs. Segundo o secretário de saúde do município, Sandro Benites, esse ‘hábito’ das pessoas não vai mudar da noite para o dia.

“É uma questão cultural. Ali [na UPA] tem resolutividade. Exercer a paciência em horário de pico é muito difícil para quem está com dor, mas é algo que a gente tem que fazer e é um enfrentamento que a Sesau está fazendo”, diz Benites ao Jornal Midiamax.

Entre os motivos elencados para que a população procure direto a unidade 24h é a questão do ‘horário comercial’, ou seja, pessoas que procuram atendimento após saírem do trabalho. Além disso, as UPAs oferecem hemograma e raio-x na hora.

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UPA Coronel Antonino (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

De acordo com Sandro, são 2,5 milhões de procedimentos por mês na Sesau. “Seja um simples hemograma, uma consulta, uma inalação, uma orientação. Dois milhões acontecem em UPAs e CRSs. Só 500 mil que vão para as unidades básicas. Ou seja, eu tenho um volume enorme de pessoas indo na contramão daquilo que o Ministério da Saúde preconiza”, explica à reportagem.

Conforme a Sesau, as queixas mais comuns de pacientes são de dor na lombar que se expande para os membros inferiores, principalmente no trajeto do nervo ciático, gastroenterite (irritação ou inflamação do tubo digestivo – estômago e intestino) e sintomas respiratórios diversos. 

“Eu tenho 74 unidades atendendo 1/4 do que 10 unidades 24h atendem. O volume de atendimento dentro de uma UPA chega a ser próximo do absurdo. Quase 90% são de resolução na unidade básica, sem necessidade de ir até uma UPA”, continua o secretário.

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UPA com alta demanda (Foto: Fala Povo, Jornal Midiamax)

O que realmente há por trás da superlotação das UPAs?

Para Isadora Müller Telles, médica da Família e Comunidade, esse problema é mais estrutural e profundo do que parece.

“A população adoece não só por conta de questões físicas e biológicas, mas também por conta do trabalho excessivo, hábitos de vida nocivos, estresse, situação social e financeira precárias, condições de vida insalubres, etc.”, explica ao Jornal Midiamax.

Nesse sentido, ela defende que a atenção primária deve ser fortalecida para atuar na prevenção de doenças e educação da população para que não aconteça o adoecimento. No entanto, mesmo com esse trabalho, a população esbarra na problemática do atendimento precário nas UBSs.

“As UBSs não têm capacidade física para absorver tamanha demanda e também, muitas vezes, não têm organização e profissionais especializados em Saúde de Família e Comunidade que tenham essa visão e proposta de trabalho. Dessa forma, as UBSs também não conseguem fazer o que se propõe”, pontua.

Dessa forma, as doenças se tornam agudas com mais frequência, fazendo com que a população procure os serviços de urgência e emergência – acarretando superlotação.

“Uma [política de] Atenção Básica fortalecida e suficiente consegue ter uma população mais saudável e que, consequentemente, vai procurar menos as UPAs”, avalia a profissional.

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Banner utilizado em campanha para utilização correta de UBSs e UPAs (Divulgação, PMCG)

Porém, em maio, um paciente enfrentou uma saga para conseguir um atendimento. Ele conta que acordou com febre, dor no corpo, de cabeça e muita fraqueza. Decidiu ir ao médico e fez a rota recomendada pela Sesau, procurando primeiro a UBS mais próxima, às 10h da manhã.

Lá, ele esperou por três horas e 20 minutos, sendo informado que o médico havia ido embora. Segundo ele, havia apenas um enfermeiro disponível para atendimento. Por volta das 14h, chegou à UPA Leblon, onde passou pela triagem e até às 16h30 aguardava por atendimento.

Se mesmo aqueles que procuram as UBSs ou UBSFs – que também fazem o papel preventivo – se deparam com falhas no atendimento, então, o que fazer?

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Serviços na USF Parque do Sol (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

Prevenção e acompanhamento

Para o clínico-geral e presidente do SinMed/MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul), Marcelo Santana, a população deveria procurar as unidades básicas para criar um vínculo com aquele local da sua região e poder fazer o acompanhamento.

“E, assim, fazendo essa correlação com as Unidades Básicas de Saúde da Família. E não só para o tratamento, mas também, e principalmente, para prevenção”, diz o médico, complementando que a prevenção evita que a população adoeça facilmente.

Esse fator não beneficia somente o campo-grandense, mas também a máquina pública. “O atendimento na Atenção Básica é um atendimento muito menos custoso para o sistema de saúde do que um atendimento hospitalar. E isso faz com que a gente tenha uma melhor redistribuição em investimento na saúde”.

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USF Jardim Panamá (Anna Gomes, Jornal Midiamax)

Com o atendimento insuficiente, a médica Isadora Telles acrescenta que a população procura atendimentos pontuais que, na maioria das vezes, não resolvem o cerne da doença.

“Na verdade, a população não tem culpa de procurar a urgência direto quando tem algum problema. Os pacientes vão procurar um local em que sejam atendidos e que tenham a sua demanda ‘resolvida’, mesmo que temporariamente”, explica ao Jornal Midiamax.

“O atendimento nas UBSs, no entanto, são insuficientes para dar conta de tanta demanda, pois cada unidade é responsável por um território muito grande, com população majoritariamente vulnerável e adoecida. E então procuram uma UPA”, expõe a médica.

Ciclo vicioso

Essa problemática acaba gerando uma bola de neve que atinge tanto os pacientes quanto os médicos. Para Marcelo, a população procura a urgência e emergência por acreditarem que serão atendidos mais rápido.

“Isso vai sobrecarregar as unidades de saúde, vai sobrecarregar os UPAs, vai aumentar o número de atendimentos e, muitas vezes, um atendimento que pode ser até inadequado”, opina o médico ao Jornal Midiamax.

O médico descreve que há uma sobrecarga de toda a equipe de urgência e emergência (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem).

“Todos os profissionais que estão envolvidos no atendimento vão aumentar a sua carga de trabalho e, como qualquer ser humano, na hora que precisar mesmo para uma urgência e emergência, você pode ter essa equipe mais cansada. Isso é natural”, explica.

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UPA Coronel Antonino (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Soluções?

Em entrevista ao Jornal Midiamax, o titular da Sesau adiantou que ainda para este ano a pasta pretende estender atendimento até às 22h em um total de 20 unidades. Atualmente, apenas a USF do Tiradentes tem esse horário diferenciado.

A ideia é aumentar o horário nas unidades ‘irmãs’ – aquelas que têm uma 24h ao lado da saúde básica, como no Tiradentes, Nova Bahia, Aero Rancho e Coophavila 2. “Se eu tiver pelo menos de 10 a 12 unidades funcionando até às 10 horas [da noite], eu quero que esse fluxo saia da UPA e vá para uma unidade básica”, diz.

“Como você tem a classificação, verde e amarela, ali mesmo a própria enfermeira ou técnico que faz a classificação ele já poderia ter encaminhado o paciente para uma unidade irmã. A população não tem a obrigação de saber o que é grave e o que não é”, explica.

Alguns dos outros projetos futuros são:

  • Entrega do complexo do Nova Bahia 4 em 1 – CRS, UBSF, CEO II (Centro Especialidades Odontológicas) e Hospital-Dia.
  • Ordem de serviço para reforma das unidades do Paulo Coelho Machado, Cidade Morena e Los Angeles.

Além disso, um projeto-piloto de informatização na UPA Universitário será implantado, com previsão de lançamento nesta segunda-feira (28). As fichas dos pacientes serão digitais e ele será chamado através de uma tela, onde vão constar as informações do médico e sala.

“Por isso eu vou ter a ideia em tempo real exatamente da produção de cada médico, de cada enfermeiro, de cada técnico, qual maior volume de atendimento, qual o horário, qual é ficha verde, amarela, azul. Vamos poder direcionar melhor esse paciente e otimizar a presença do médico, do enfermeiro, do profissional dentro da UPA”, garante Benites.

Hospital Municipal de Campo Grande

Ainda no campo das possibilidades e conversas está a implantação de um Hospital Municipal com 200 leitos em Campo Grande.

“A gente tem a maioria do gasto hoje aqui dentro da Sesau são com hospitais credenciados: Santa Casa, São Julião, Hospital do Pênfigo, Maternidade Cândido Mariano, Hospital do Amor, Hospital Nosso Lar, que ocupam mais da metade do nosso orçamento”, revela o secretário.

Segundo Sandro, a ideia é que no início do ano que vem a Prefeitura tenha a pedra fundamental do hospital através de uma parceria público-privada-comunitária, além do Centro de Especialidades Materno-infantil, o Cemi.

O Cemi ficará em um espaço alugado pelo Executivo Municipal próximo ao Terminal Hércules Maymone, com expectativa de que esteja em funcionamento já para a Campanha de Outubro Rosa, ainda neste ano.

Confira trechos da entrevista com o secretário de saúde:

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