Ler é uma palavra pequena, de apenas três letras, mas que representa um universo novo para os estudantes em fase de alfabetização, especialmente aos adultos e idosos, que também veem nesse ato, que parece simples, a realização de um sonho. 

Tirar a carteira de motorista, ler uma placa, contar o troco e até viajar. São atividades comuns, mas que representam um enorme desafio para quem não sabe escrever ou fazer operações simples. Quantos sonhos não realizados as pessoas analfabetas deixaram guardados?

Nesta quarta-feira (15) é celebrado o Dia da Escola, data que celebra uma das instituições mais importantes para a sociedade. Em , mil alunos estão matriculados na EJA (Educação de Jovens e Adultos) na rede municipal, responsável pelo ensino fundamental. 

Renata Tokeco Tobaru, de 45 anos, parou de estudar na quinta série quando precisou se mudar com a mãe de para Campo Grande para cuidar dos avós doentes. “Naquele tempo a gente morava na fazenda e aqui em Campo Grande eu era pequena, parei de estudar aos dez anos”, recorda.

Neste ano, ela finaliza a EJA e conta sorrindo sobre como foi incentivada pelo marido a voltar para a sala de aula. 

A dona de casa sonha em completar o ensino médio, ingressar na universidade e ser radiologista.“Eu entrei aqui e não sabia nem ler. Escrever eu sei, mas ler mesmo não lia nada. Quando eu começava a ler já me dava calafrio, ficava nervosa, agora tô lendo aos pouquinhos, a gente vai aprendendo”, relata a mulher. 

Renata parou de estudar aos dez anos de idade. (Foto: Kísie Ainoã/Jornal Midiamax)

Atualmente, ela frequenta a Escola Municipal Osvaldo Cruz, na Vila Palmira, a única da Capital que oferece a EJA nos turnos da manhã, tarde e noite. Renata estudava a noite próximo de casa, no bairro Nova Lima, mas precisou trocar de turno por causa da segurança e porque chegava tarde. 

“A gente sem estudo não é nada. Antigamente eu nem tinha tempo de ir na escola. Eu gosto de ler revistas e a bíblia”, afirma Renata. 

No caso de Jean Carlo de Souza Lima, atualmente com 37 anos, a timidez foi o tirando da sala de aula na infância.

“Eu entrava na sala e não falava com ninguém, saia quieto. O professor explicava e eu não falava nada. Aí quando mudei de escola fui puxando a amizade, e aí fui soltando as vozes e lia”, se recorda o homem. 

Ele parou de estudar na quinta série e contou que voltava para casa cheio de dúvidas que ficavam guardadas pela vergonha de interagir. Mais velho, a dificuldade em conciliar o trabalho na roça com os estudos foi o segundo motivo responsável por retirá-lo da escola. 

“Estudava em à noite e precisava ajudar meu irmão na chácara e aí não conseguia acompanhar. Eu chegava na escola muito cansado”, recorda. 

Depois se mudou para Campo Grande e incentivado pela família decidiu entrar na EJA. Esperou passar a pandemia porque não conseguiu se adaptar à educação remota e acompanhar as atividades. 

Em 2021, voltou para a sala de aula e hoje adora ler gibis e consegue interagir com os colegas e os professores.

Jean voltou a estudar já na fase adulta. (Foto: Kísie Ainoã/Jornal Midiamax)

“Às vezes venho na biblioteca da escola e pego um livro e fico lendo. Meu livro preferido foi chapéuzinho vermelho”, relata Jean sobre a história infantil que conheceu nas páginas do livro da escola. 

A matéria preferida de Jean é geografia devido aos mapas e a que tem mais dificuldade é  história. Depois de terminar o EJA, ele planeja continuar estudando para se tornar professor de educação física.

“A timidez agora acabou e converso com todo mundo na sala, brinco com todo mundo, todo mundo é legal, cada um dá uma força um pro outro”, conta. 

Ensinar na EJA

A na Escola Municipal Osvaldo Cruz, Ana Paula Carvalho, leciona para adultos e crianças nas séries iniciais e ela avalia que ensinar os mais velhos é extremamente gratificante devido à vontade de aprender que os alunos expressam em todas as aulas. 

“Eles vem com uma força de vontade tão grande de aprender e eles já passaram por tantas dificuldades e essa vontade faz com que a gente se apaixone e queira cada vez mais dar o melhor para eles. São estudantes que já viram a diferença que a educação pode fazer na vida dele e a falta que isso fez. As crianças não, elas não tem muita ideia do que estão fazendo ali, elas vão porque os pais mandam ir”, observa a professora. 

Ela conta que um dos pontos principais para manter o aluno mais velho na escola é o vínculo criado com os professores. Porém, quando querem voltar ao e conseguem um emprego, fica difícil conciliar a rotina e acabam desistindo. 

“A maioria das vezes o trabalho acaba pegando o horário da tarde e à tarde e de manhã ficam mais prejudicados. Tem a possibilidade do noturno, mas é muito cansativo, a gente vê que as pessoas chegam muito cansadas”, expõe a professora. 

A docente conta que gosta de trabalhar com atividades lúdicas e o método de “Palavras Geradoras” criado por Paulo Freire para ensinar com palavras e informações que fazem parte do cotidiano daquele adulto. 

“Se eu tenho um aluno que trabalha com confecção, eu vou trabalhar com ele essa palavra confecção”, ela exemplifica. 

Professora Ana Paula dá aulas para a EJA. (Foto: Kísie Ainoã/Jornal Midiamax)

A professora também utiliza dinheiro de mentira e outros recursos práticos, como notas fiscais que os alunos trazem de casa, para trabalhar em sala de aula e tornar o ensino mais próximo da realidade do estudante no dia-a-dia.

Como fruto do trabalho, Ana Paula conta que se enche de orgulho dos alunos quando começam a realizar sonhos que se tornaram possíveis a partir da alfabetização.  

“Eu tenho uma aluna que na primeira vez que postou uma foto na rede social em uma viagem foi gratificante porque ela não tinha medo de avião, mas enfrentar um aeroporto sem conseguir ler é muito mais difícil. Quando ela começou a ler começou a participar do mundo de outro jeito”, ela se recorda. 

Outro motivo de orgulho dela é uma aluna cadeirante que, nem sob chuva, deixa de ir às aulas. Porém, ela pondera que nem todas as pessoas com deficiência conseguem se manter na escola. 

“Às vezes os alunos com deficiência dependem de outro idoso ou pessoa com deficiência para trazer ele, então não tem autonomia para vir. Se essa pessoa fica doente, ela acaba não vindo e desanimando”, ela lamenta.

Como funciona a EJA na rede municipal?

Campo Grande conta com dez escolas municipais que oferecem a EJA, sendo nove no período noturno e uma em três períodos. 

De acordo com a superintendente de políticas educacionais da (Secretaria Municipal de Educação), Ana Dorsa, a evasão no grupo de adultos chega a 40% em Campo Grande. Diante desse problema, a secretaria reformulou a organização das aulas para esse grupo para que tenham mais flexibilidade e consigam permanecer na escola. 

“Antes tínhamos uma metodologia em que o aluno tinha que acessar obrigatoriamente 100% as aulas.A gente tem variados públicos que acessam a educação de jovens e adultos, pensando nesse público e formato pensamos em ofertar em 2023 uma educação que seja de aulas flexíveis. Se ele tem algum trabalho, se ele sai do centro e vem para a escola ele tem tempo para chegar”, explica a superintendente.

 

Ana Dorsa explica nova metodologia da EJA em Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã/Jornal Midiamax)

Assim, a partir deste ano é ofertado no primeiro período aulas não presenciais não obrigatórias como oficinas de caligrafias, tira dúvidas de ortografia e matemática. Assim, o currículo é 50% flexível e 50% obrigatório. 

Para ingressar no ensino fundamental pela EJA é preciso ter, no mínimo, 15 anos de idade  e realizar a matrícula em qualquer época do ano na central de matrículas da Reme (Rede Municipal de Ensino) ou com ajuda da secretaria de qualquer escola municipal. 

Depois da matrícula, o aluno passa por uma prova para avaliar o nível de conhecimento do aluno e colocá-lo na etapa inicial (alfabetização), etapa intermediária (consolidação) e a terceira etapa (equivalente sexto ao nono ano). 

Confira abaixo a lista de escolas municipais que contam a EJA em Campo Grande, com exceção da Escola Maria Izabel Gomes Salles: