Série de acordos com MPMS e multa de meio milhão não acabam com ‘fedor sem fim’ em Campo Grande
Moradores sofrem com cheiro podre, enquanto acordo com MPMS se arrasta por mais de 14 anos
Gabriel Maymone, Monique Faria –
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Moradores da região oeste de Campo Grande, no entorno do Bairro Nova Campo Grande, convivem diariamente com problema ambiental que deixa o ar no local fétido. A situação, apesar de conhecida das autoridades, se arrasta há anos e parece não ter solução próxima.
Uma unidade do frigorífico da JBS, na Avenida Duque de Caxias, na saída de Campo Grande para Aquidauana, é apontada como responsável pelo mau cheiro que toma conta do ambiente e atinge diretamente mais de cem mil moradores.
A situação foi denunciada diversas vezes aos órgãos fiscalizadores competentes pelo menos desde 2009. No entanto, foi firmado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) que não resolveu nada.
De lá para cá, 14 anos depois, o problema continua. Nesse intervalo, o gigante frigorífico não “ajustou conduta alguma” e chegou a pagar uma multa de R$ 500 mil como indenização por danos causados ao meio ambiente.
O acordo (TAC) foi aditivado quatro vezes, ou seja, foram dadas novas oportunidades para a JBS se adequar às normas ambientais, sempre com o MPMS abrindo mão da prerrogativa constitucional de judicializar a situação em defesa dos moradores.
Enquanto isso, para os moradores, o fedor sem fim interfere na saúde de crianças e idosos. Além disso, afeta até as vendas do comércio, que amarga queda no faturamento com clientes fugindo da fedentina insuportável para fazer compras em bairros vizinhos.
Carla Aparecida do Nascimento, há cinco anos, é proprietária de um pet shop na Avenida Dois – que concentra a maioria das lojas do Nova Campo Grande-, mas mora na região desde criança. Ela conta que a situação do mau cheiro sempre incomodou, apesar de ter tido melhora por um período, voltou a se intensificar nos últimos anos.
O frigorífico funciona sob comando da JBS desde 2002. Apesar disso, o local já era utilizado para abates de gado anteriormente.
“Eu moro aqui desde criança e sempre teve esse problema, mas teve uma época que deu uma amenizada porque o frigorífico fez um trabalho para melhorar a situação. De cinco anos para cá, que eu abri o pet shop, percebi que voltou o mau cheiro”, pontua.
A empresária afirma que todo o comércio sai perdendo com a questão, principalmente estabelecimentos do ramo alimentício. “Você pensa os comércios que servem alimentos? Receber os clientes, servir um lanche, uma pizza, com esse mau cheiro, acaba tirando a freguesia”, argumenta.
“Mau cheiro dá ânsia”
A comerciante Waldenise Fernandes mora na região desde 2008 e há muitos anos é obrigada a respirar o ar de cheiro podre que vem do frigorífico. Em sua loja, se vê obrigada a deixar as portas todas fechadas para evitar que o odor de fora entre no comércio.
“Você se sente até mal, o cheiro enjoa, dá ânsia de vômito. Aquele cheiro de queimado te dá um mal-estar. Tem que ficar tudo fechado aqui porque o cheiro incomoda. Começa a te dar enjoo e você começa a se sentir mal”, explica.
Segundo Waldenise, na parte da noite, a situação se agrava, mas alguns moradores acabam não percebendo porque estão muito ocupados.
“Parece que eles fazem o tratamento na parte noturna para que as pessoas não percebam tanto. As pessoas estão mais ocupadas à noite, com a janta, com as crianças e acabam não prestando tanta atenção”, conta.
Mau cheiro no ar da Nova Campo Grande vem do esgoto de frigorífico
Nos TACs firmados com o MPMS, vários pontos que devem ser resolvidos pela empresa estão ligados ao sistema de esgoto das instalações do frigorífico, que são as lagoas de tratamentos de efluentes. A indústria frigorífica utiliza muita água em seus processos de abates e, por isso, gera grande carga de resíduos com alta carga orgânica, que emite forte odor.
Nessas lagoas, é feito o tratamento desses dejetos para que a água possa ser devolvida, neste caso, no córrego Imbirussu.
E foram justamente nesses pontos que uma fiscalização realizada pelo Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) focou, já que a denúncia era de que a JBS estaria descumprindo normas ambientais e, por esse motivo, estaria exalando o forte odor pela vizinhança.
Por estar descumprindo medidas que impedissem que o cheiro podre tomasse conta do bairro é que o TAC foi firmado em 2009, com uma série de exigências, que ainda não foram totalmente cumpridas.
O que o frigorífico se comprometeu a fazer para extinguir problema?
O objetivo do TAC é fazer o frigorífico da JBS cumprir as licenças de operação e executar medidas previstas em relatório de vistoria (que identificou irregularidades), bem como o pagamento de meio milhão de reais por indenização aos danos causados ao meio ambiente – que foram destinados ao Fundo Municipal do Meio Ambiente.
- reformar o sistema de tratamento de esgoto para que o lançamento de resíduos ficasse em níveis permitidos pelos organismos de meio ambiente (atendida);
- construção de cercas de isolamento nas lagoas de estabilização (atendida);
- implementação de cobertura vegetal no entorno das lagoas de estabilização (atendida);
- aperfeiçoamento do sistema de efluentes para que os resíduos lançados nas lagoas de estabilização estejam devidamente tratados (não atendida);
Ainda segundo o acordo, caso algum ponto não seja cumprido, o frigorífico estaria sujeito a multa diária de 500 Uferms – que pelos valores de novembro/23 equivale a R$ 714 mil por mês.
No entanto, verificou-se a necessidade de novas adequações, em pontos que foram inseridos em aditivos a esse primeiro TAC firmado em 2009.
Um segundo aditivo – feito em 2018 – previa a impermeabilização das lagoas de efluentes, obra já realizada pela JBS. O terceiro aditivo – de 2021 – estipulou que uma terceira lagoa que não estava impermeabilizada fosse desativada.
Por fim, o quarto aditivo ao TAC – firmado em março de 2023 – determina que a empresa implante sistema de lodo ativado no frigorífico, em obra que deve estar pronta até agosto de 2024.
Para fiscalizar o cumprimento dessa série de exigências, o MPMS abriu um Procedimento Administrativo de acompanhamento de TAC, que está sob responsabilidade da 26ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, nas mãos da promotora Luz Marina Borges Maciel Pinheiro.
Laudo comprova forte odor mesmo após TAC
Em março de 2019, dez anos após o frigorífico firmar o compromisso para resolver o problema, denúncia anônima recebida pela ouvidoria do MPMS relatando o forte odor nos bairros vizinhos motivou nova fiscalização de técnicos ambientais.
A providência, à época, foi encaminhada pelo ouvidor do órgão, procurador de Justiça Adhemar Mombrum de Carvalho Neto. O pedido foi distribuído para a 42ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, que estava sob responsabilidade da promotora titular Andreia Cristina Peres da Silva.
Dessa forma, equipe técnica formada pela engenheira ambiental chefe de núcleo de arquivos georreferenciados, Ananda Rodrigues Oliveira, e pelo geógrafo assessor em ciências da terra, Roni Berto Medina Espíndola, vistoriaram o local (no dia 26 de abril de 2019) e emitiram parecer técnico confirmando o forte odor existente nas instalações da JBS.
O relatório técnico constatou a construção de uma nova lagoa de sistema de tratamento de esgoto realizada entre o fim de 2018 e início de 2019.
“Verificou-se que o odor daquela [lagoa de tratamento de esgoto] recém construída era o mesmo identificado na Avenida Cinco (Bairro Nova Campo Grande), por conta da direção favorável do vento. Dessa forma, constatamos que a poluição olfativa é proveniente da lagoa instalada no ano de 2019”, dizem os técnicos no relatório.
Questão também pode ser apurada por vereadores
Questionado sobre a situação, o presidente da Câmara Municipal de Campo Grande, vereador Carlos Augusto Borges (Carlão), afirmou não ter conhecimento do caso, até então.
“Se realmente está acontecendo isso aí, nós vamos tentar saber realmente as informações concretas e corretas para a gente tentar alguma providencia que ajude a solucionar esse problema. Vamos oficiar através da câmara um documento pedindo as providências. Não pode acontecer isso”, afirma.
A reportagem Jornal Midiamax entrou em contato com a JBS pelos canais oficiais de assessoria de imprensa via e-mail e WhatsApp, devidamente documentado, mas não obtivemos retorno. O canal segue aberto para manifestações.
A reportagem também procurou o Imasul através de e-mail oficial de assessoria de imprensa, ligação telefônica e mensagem. Ainda não obtivemos retorno. O espaço segue aberto para posicionamento.
Também foi solicitado posicionamento oficial do MPMS sobre o inquérito, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
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