Os desafios da cidade com 57% da população indígena e de nome tupi-guarani em MS
Nesta série especial, o Jornal Midiamax foi a Japorã conferir os desafios do município que concentra a maior população indígena de Mato Grosso do Sul
Graziela Rezende –
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Atenção: início de área indígena. A placa à direita, na MS-386, indica que estamos chegando a Japorã, município no extremo sul de Mato Grosso do Sul. Logo adiante, o próximo aviso é da Aldeia Porto Lindo, onde vivem, em sua maioria, os guarani-nhãndeva, conforme o mais recente censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nesta série especial, o Jornal Midiamax foi ao local para conhecer os desafios do município que concentra a maior população indígena de Mato Grosso do Sul em relação a não indígena.
Ao todo, são 4.170 indígenas, o que representa 57,81% da população. De um pequeno lugarejo, fundado em meados de 1953 por famílias do interior paulista interessadas no domínio de terras, a cidade foi crescendo por meio da agricultura e também margeada pelo Rio Iguatemi. Em meio à natureza, estão os indígenas, que lutam diariamente para preservar sua cultura e sobreviver ao “mundo moderno”.
Atento às demandas da população, o cacique da aldeia Porto Lindo, Roberto Carlos, de 42 anos, diz que muitos são os desafios enfrentados pela população indígena residente no município.
Com 1,3 mil famílias, o que equivale a cerca de seis mil indígenas, diz que o número do IBGE pode ser ainda maior e equipara a aldeia a uma cidade, porém, lamenta a falta de estrutura e até mesmo “abandono do poder público”, fazendo muitos moradores perderem a esperança na vida e se envolverem no vício das drogas e bebidas alcoólicas, por exemplo.
‘Carregamos uma cicatriz de 1.523 anos’, afirma cacique
“Pela minha experiência, posso dizer que nós, indígenas, carregamos uma cicatriz de 1.523 anos na nossa vida. Hoje, sentimos que é muito difícil ser índio e, com isso, carregamos uma tristeza profunda de 1.523 anos. A gente é discriminado, maltratado, ameaçado e isolado. Só que também falo que somos valentes demais, principalmente porque tem índio que ultrapassa toda essa barreira e vai estudar”, afirmou o cacique.
Conforme o cacique, após luta conjunta da própria aldeia e o executivo municipal, parte dos indígenas estão empregados. “Destes 6 mil, 250 são funcionários públicos, cerca de 300 estão no frigorífico Frango Bello, 90 no frigorífico de Iguatemi, 30 em uma empresa fabricante de sapatos, 23 prestando serviço na Teston, que é de plantio de cana-de-açúcar e mais 10 parentes indígenas no frigorífico de Naviraí”, explicou.
Na própria aldeia, cerca de 50 indígenas também atuam diretamente no plantio e colheita de mandioca. “Isto tudo fora os 70 estabelecimentos comerciais que existem aqui dentro e geram empregos, porque também contratam indígenas trabalharem. No entanto, resta muita gente desempregada”, ponderou.
Aldeia gera empregos em meio ao desemprego
Guaranis, terenas e kaiowás trabalhando: ainda conforme o cacique, não há discriminação de raça entre os “irmãos indígenas e os irmãos brancos”, os quais recebem muitas oportunidades na aldeia.
“Aqui todo mundo trabalha. Tem os brancos também, que fazem pinturas, construções e perfuram poços. A gente gera muito emprego aqui, com instalações de tecnologia, por exemplo. Não há preconceito e, quem tem, é porque não conhece a história e nem se conhece”, lamentou o cacique.
De acordo com Roberto Carlos, a história é clara quando diz que os portugueses descobriram o Brasil, em um grupo só de homens, tendo as mulheres indígenas como companheiras.
“Quem estava aqui de mulher para reproduzir? E muitos falam: a minha avó foi pega no laço, minha mãe, vó, bisavó, era indígena, ou seja, a geração brasileira é indígena. A mãe brasileira é indígena. Só o pai é estrangeiro. Somos gerações de fruto indígena, então, sempre digo que as pessoas precisam se autoconhecer. Quem sou eu? Vou estudar um pouco a história da minha mãe. Onde que nasceu, que brotou, aí vão chegar aqui, nos indígenas”, argumentou.
Refúgio a preconceito: álcool e drogas na aldeia
Por conta da falta de conhecimento, muitos discriminam, não oferecem oportunidades e é por isso que parte dos indígenas buscam refúgio em vícios. “Infelizmente, a droga chegou aqui na aldeia também. E como o preconceito, o índio sempre é visto como alcoólatra, drogado, vagabundo, só que aqui, 90% da população são agricultores, sabem trabalhar, só não tem oportunidade”, garantiu.
Até pouco tempo, segundo o cacique, a entrada da aldeia estampava uma placa, onde dizia: “Proibida a entrada de pessoas estranhas”. “Ou seja, proibiam a entrada de quem queria e poderia vir nos ajudar. Aqui nós morremos de fome, de doenças, ninguém vem nos ajudar e quem está do lado de fora fala que isso é tudo é a nossa cultura, só para não nos ajudar, então, é por isso também que temos casos de uso de drogas, alcoolismo e suicídio. Estamos tristes, vendendo almoço para comprar a janta e, muitos índios valentes, foram estudar, buscar conhecimento e retornam para ajudar e fazer o serviço formiguinha, então, hoje, o que pensamos é que muitos não veem futuro na vida”, finalizou.
De posto de saúde a água em caixas de plástico: prefeito fala dos desafios
Vereador não indígena mais votado da aldeia e atual prefeito de Japorã, Paulo César Franjotti (PSDB) disse que também foi secretário de saúde, educação e sempre trabalhou em prol de políticas públicas voltadas aos indígenas.
“A gente faz um trabalho em que são valorizados, enquanto ser humano, enquanto cidadão e procuro trazer a administração toda que tem para o não indígena, para o indígena. A missão evangélica, por exemplo, é uma delas. Foram construídas quatro salas de aula e vou derrubar a última sala de madeira, de 40 anos de missão, que prefeito nenhum fazia. E lá foi feita a cozinha, refeitório, tudo, na missão. Também construímos casas para mulheres indígenas que não tem marido. Fiz postos de saúde na área de retomada, vou dando dignidade conforme é possível. Não tinha como o médico ir lá e atender alguém debaixo de uma árvore”, comentou.
Outra dificuldade, na área de retomada, é a água. “Ainda temos muita dificuldade. A Sesai [Secretaria de Saúde Indígena] ainda coloca nas caixas de plástico, para as pessoas pegarem, beirando a estrada, e é desumano. Eles trazem de oito em oito dias nas áreas de retomada”, disse.
Questionado sobre a elevada taxa de desemprego, Paulão, como é conhecido, disse que ainda existe o desafio por novas vagas de trabalho, porém, houve avanço. “Há alguns anos atrás, nenhum indígena da região trabalhava com carteira assinada e o quadro foi revertido. Hoje a gente tem centenas deles com emprego fixo. São 10 ônibus saindo diariamente, 8 daqui e 2 da cidade, levando aos frigoríficos e fábrica de sapato”, finalizou.
Censo Demográfico Indígena: população cresceu 51%
O Censo Demográfico Indígena foi realizado em áreas urbanas, rurais e em TIs (Terras Indígenas), sendo a coleta iniciada no dia 1º de agosto de 2022 e encerrada no dia 28 de maio de 2023.
Conforme apurado, a população indígena do Estado cresceu 51,04%, saindo de 77.025 em 2010 para 116,346 pessoas em 2022. Os povos originários representam 4,22% dos moradores de Mato Grosso do Sul, a qual chegou a 2.756.700 habitantes.
Ao todo, MS tem 43 TIs, seis a mais do que em 2010. A média de moradores em domicílios particulares permanentes ocupados é de 3,51 com pelo menos um morador indígena.
Série especial: Nos próximos dias, os temas serão explorados, como as dificuldades que lideranças da região enfrentam, porém, muitos também estão tendo a oportunidade de se autossustentar, manter a cultura, a tradição e até se divertirem em alguns momentos. Não deixe de acompanhar.
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