Durante a audiência pública que discutiu possíveis falhas na rede de proteção à criança e ao adolescente em Campo Grande, a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente, Débora Marina de Souza Paulino, explicou que o pai da menina Sophia, Jean Carlos Ocampos, não deu sequência ao processo para obtenção da guarda da filha, que morreu aos 2 anos.

Segundo a coordenadora, o pai não apresentou uma lista de documentos solicitados pelo núcleo responsável por concessão de guardas. A falta dos documentos e da ida do pai ao núcleo também impossibilitou que as suspeitas de crime contra a criança tivessem sequência na apuração.

A defensora relembra que um dos últimos atendimentos foi prestado entre junho e julho de 2022. O pai teria procurado o núcleo com interesse em pedir a guarda ou modificação da tutela concedida inicialmente, apontando que a menina passava por violência no lar da mãe.

Débora explica que é solicitada uma lista de documentação necessária para prosseguir com o pedido, o que não foi feito.

“Nós entendemos que não [houve falhas no atendimento]. Assim que fomos procurados pelo pai, ele foi encaminhado para o núcleo competente, no mesmo dia passou por atendimento psicossocial, onde foi entrevistado e agendado uma visita domiciliar. Nessa época ele estava com a criança, acredito que com a posse e não a guarda. A visita domiciliar compete ao Conselho Tutelar. Nossa equipe entrou em contato por telefone com ele duas vezes, temos o registro, mas não foi dado prosseguimento na documentação porque ele não retornou”, disse.

(Foto: Henrique Arakaki)
Defensora pública e coordenadora do núcleo de proteção a criança e adolescente, Débora Marina de Souza Paulino (Foto: Henrique Arakaki)

Órgão fala sobre atendimento

Adriano Vargas, presidente da Associação de Conselheiros Tutelares de Mato Grosso do Sul, também esteve presente na audiência e explicou que o conselho soma mais de 40 mil atendimentos nos últimos anos, mas confirma a ineficiência da estrutura necessária para prestação do serviço.

“O atendimento tem que ser como um todo, não adianta criar mais conselhos se não tem uma rede eficiente para a criança. A delegacia especializada está sobrecarregada, por isso a criança devia passar por escuta especializada na escola e na unidade de saúde. Precisa que o sistema funcione como um todo, não só criar mais Conselhos Tutelares”.

Sobre a família de Sophia, ele disse que a casa recebeu visita no dia seguinte à denúncia. “O conselho esteve na casa, notificou a família e requisitou acompanhamento sociofamiliar que foi feito pelo conselho. Quando foi feito o primeiro atendimento, não teve situação de violência”.

Somando a fala dos órgãos de prestação de atendimento da rede de proteção, Rozeman Geise de Paula, delegada geral adjunta da Polícia Civil, disse que o setor tem unidades especializadas para o atendimento.

“Sempre haverá algo a se melhorar, sempre tentaremos encontrar as falhas para resolver. As três vezes em que a Polícia Civil tomou conta do caso, as medidas foram tomadas com todas as estruturas. Hoje nós estamos reunidos na delegacia de mulheres para que essas crianças sejam atendidas nas 24h na Deam até que consigamos implementar o centro especializado. Todas as medidas de repressão foram e estão sendo implantadas. Os autores estão presos. Nós temos muitas Sophias”.

Jean e Igor em plenário (Foto: Henrique Arakaki)

Ary Carlos Barbosa, secretário adjunto de Estado da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), falou em plenário sobre a distribuição de demandas atendidas e que está tentando viabilizar a ‘Casa da Criança’, nos moldes da Casa da Mulher Brasileira.

“Não sei em que ponto nos perdemos de uma pessoa olhar pra uma criança de 2 anos e sentir desejo sexual. Por isso quero me solidarizar com a família e estamos trabalhando para que a rede de proteção possa funcionar com mais ações positivas”, afirma.

Juíza da Vara de Infância e Juventude, Katy Braun do Prado, pontua a rotina de casos de violência contra criança que a unidade recebe e cobrou uma resposta do poder público para estruturação de demais serviços.

“A nossa rede não atende à demanda de município. Recomenda-se para que a cada 100 mil habitantes haja um conselho tutelar. Em 2018, houve uma ação para obrigar o município para instalar mais três sedes do Conselho Tutelar e os atuais fossem mais bem estruturados. Em agosto do ano passado, ela foi confirmada e desde então há multa de R$ 5 mil reais sem que a prefeitura instale os novos conselhos tutelares”.

O deputado Pedro Kemp (PT) criticou a postura de ‘empurra-empurra’ na responsabilidade do segmento do caso da criança “O caso Sophia mostrou série de falhas de pessoas que deveriam estar à frente da proteção de crianças do município. O Eca estabeleceu a criança como responsabilidade absoluta e é de responsabilidade da sociedade e do poder público que essa criança tenha seus direitos assegurados. É obrigação do vizinho, do professor, enfermeiro, do médico quando encontra crianças com sinais de maus-tratos fazer as denúncias e mobilização. O silêncio mata. A omissão mata”.

Jean Ocampos, pai de Sophia, ao lado do marido (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Pai diz que pedidos não foram atendidos

Vestidos com uma camiseta que estampa uma fotografia ao lado da filha, Jean Carlos Ocampos e o marido, Igor de Andrade, relembram cada passo no processo de pedido de ajuda aos órgãos públicos, como o Conselho Tutelar.

Jean diz que a lembrança do sorriso da pequena é motivo para força na luta e evitar mais casos.

“Estamos transformando nosso luto em uma luta para que outras crianças não passem pelo que ela [Sophia] passou, para que outros pais não passem pelo que estamos passando. Estamos pedindo para que os órgãos deem mais atenção para quando tiver dois pais, duas mães, estamos reforçando para eles fazerem a obrigação. Foi uma negligência, teve descaso, foi omissão, porque olhavam para dois pais e esqueciam da criança. Fomos atrás, mas caminhamos no inquérito sozinhos”, disse.

Ainda com a fala embargada, Jean lamenta os dias difíceis após a morte de Sophia. “Estou aqui por ela. Tem sido cada vez pior, falta ar, não conseguimos dormir e comer. A sensação é de revolta, assassinaram nossa filha. É um processo e estamos lutando para sair disso. Cada dia que passa a saudade aumenta, é muito difícil de prosseguir. Fazíamos tudo por ela. Trabalhávamos para comprar coisas para ela, hoje não tem mais”, disse.

Jean e o marido lamentam o fato de conheceram a história de Sophia após a morte, a audiência pública seria uma maneira de relembrá-la.

“O melhor lado dela conhecemos em vida. Ela era uma criança de luz, de alegria, doce. Todo mundo que passava na rua ela fala ‘oi’. Ela amava dançar, cantar. Nossa vida era cinza e quando a Sophia começou a frequentar nossa casa, trouxe luz e cor, tanto para a minha, a dela e família dela. Ela era felicidade, e vai ser para sempre nossa melhor lembrança”, diz Igor.