Passa Carnaval, chega Carnaval e, infelizmente, esse tipo de matéria ainda precisa ser escrita para falar de algo muito óbvio, mas que as pessoas – principalmente homens – se recusam a respeitar. Em pleno 2023, a folia ainda é rodeada por forças-tarefas, campanhas de conscientização e até ‘táticas’ entre mulheres para evitar episódios de importunação sexual durante o Carnaval em Campo Grande. 

No Brasil, importunação sexual é crime previsto na Lei nº 13.718 no Código Penal desde 2018 e se configura como Crime Contra a Liberdade Sexual. Dessa forma, o artigo descreve como crime o ato de praticar ato libidinoso na presença de alguém sem a autorização e com a intenção de satisfazer prazer sexual próprio ou de outra pessoa.

Então, podem ser considerados atos libidinosos, práticas e comportamentos como: apalpar, lamber, tocar, desnudar, masturbar-se, ejacular em público e até mesmo o ‘beijo roubado’. Parece familiar? Pois é, isso porque grande parte das mulheres sofre com esse tipo de situação durante a folia, momento em que elas deveriam se sentir livres e confortáveis para comemorar a festividade. 

Com o intuito de promover um Carnaval mais leve às mulheres, blocos de rua se unem para manifestações de respeito e amor entre foliões. 

Carnaval sem assédio 

O Bloco Calcinha Molhada, por exemplo, que tem eventos agendados para os próximos dias 20 e 24 de fevereiro, afirma que “a nossa bandeira é a do amor e respeito, nossa luta é pelo carnaval sem assédio”. Nas redes sociais, o grupo sempre faz posts de cunho informativo sobre o tema. Assim, é importante que as pessoas não insistam, não toquem e não mexam com as outras quando a interação não é recíproca. 

“Não abuse! Para que o nosso carnaval seja livre, para que as mulheres possam brincar, dançar e curtir como quiserem, esse recadinho precisa estar na cabeça de todo mundo”.

Mulheres fazem ‘força-tarefa’ para proteção

Há dois anos sem comparecer a um Carnaval de rua devido à Covid-19, a vendedora Maria Vitória Freire de Almeida, de 22 anos, está ansiosa para retornar à Esplanada Ferroviária neste fim de semana. No entanto, a preocupação de evitar episódios de importunação sexual ainda existe. Para ela, o medo afeta em todos os aspectos, desde o planejamento da roupa até a hora de escolher companhias para ir às festas.

“Se a pessoa quiser assediar, ela infelizmente vai tentar fazer isso. Então, a gente tem que procurar mecanismos para se defender disso. Eu, por exemplo, vou fazer cara feia e de desaprovação, não é não e, de preferência, evitar de andar sozinha”, explica.

Maria Vitória vai ao Carnaval com um grupo de meninas. Para ela, estar com mais pessoas evita de estar vulnerável para episódios de abusos. “É importante sempre estar com alguém de confiança e se alguém tentar fazer alguma coisa, buscar se defender e fazer alarde. Se um cara tentar passar a mão no meu corpo, eu vou gritar pra todo mundo que ele está fazendo isso e as pessoas ficarem cientes também”, diz. 

Mesmo assim, a jovem afirma que não vai deixar o medo atrapalhar a sua festa. “Roupa curta a gente vai usar, eu quero e vou me vestir do jeito que eu quiser. Eu também não vou ficar em alerta durante todo o meu rolê então, se acontecer, vou fazer alarde, falar não, avisar os demais e evitar de estar sozinha para evitar coisas além do assédio”, conclui. 

Não é Não
Lembre-se: Não é sempre NÃO (Imagem: Jornal Midiamax)

Medo não é à toa

O medo não é à toa, afinal, a importunação sexual é apenas a porta de entrada para crimes mais graves amplamente praticados na Capital. Conforme dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), Campo Grande registrou 552 ocorrências de estupro em 2022. Um dos picos, inclusive, ocorreu no mês de fevereiro com total de 55 notificações. A maioria das vítimas eram mulheres. Já a faixa etária que mais sofreu o crime foi de crianças (319), adolescentes (131) e jovens (64).

Os números de 2023 também impressionam. Até a publicação desta reportagem, a Capital registrou 72 casos de estupro: 54 em janeiro e 18 em fevereiro. Do total de vítimas, 68 foram do sexo feminino.

Conforme a delegada titular da Deam (Delegacia da Mulher), Elaine Benincasa, o assédio nos ambientes festivos consiste em dois principais tipos de crime: importunação sexual e estupro. No caso da importunação sexual, os mais comuns durante o carnaval são: passadas de mãos nas partes íntimas da vítima, beijos forçados e atos de masturbação. Por outro lado, o crime de estupro se configura com os mesmos atos e até conjunção carnal, sempre com grave ameaça ou violência.

“Mediante um tapa, uma faca ou porte de arma, ele ameaça, desfere um soco e ao mesmo tempo passa a mão nas partes íntimas ou, em seguida, pratica a conjunção carnal com a vítima”, explica a delegada. Benincasa ainda informa que não há uma estatística específica da Polícia Civil para os crimes nestas épocas festivas, mas há aumento evidente nos plantões nas delegacias para registros de Boletins de Ocorrências e prisões em flagrantes, muitas vezes acompanhadas pelo uso excessivo de droga lícita ou ilícita.

“A vítima do assédio pode ser tanto homem quanto mulher. Toda e qualquer vítima, ao se perceber numa situação como essa, o primeiro momento deve comunicar a policiais militares que estarão fazendo a segurança do local. Em seguida, se acautelar de testemunhas que possam ter presenciado o fato e solicitar a polícia militar, encaminhe todos até a delegacia, preferencialmente com suspeito da prática desses delitos”, explica.

Dessa forma, é importante destacar a importância de curtir o Carnaval com segurança.

Segurança no Carnaval de Campo Grande 

Mais de 150 policiais militares farão a segurança nos bloquinhos de rua no Carnaval de Campo Grande, entre os dias 17 e 21 de fevereiro. A informação foi divulgada em coletiva de imprensa, na quarta-feira (15), com a presença de representantes dos blocos de carnaval de rua, de segurança, trânsito e do poder público.

De acordo com o comandante do policiamento metropolitano, Coronel Emerson de Almeida Vicente, uma novidade em 2023 é que o acesso aos locais de folia serão feitos por apenas duas entradas, uma na Avenida Calógeras com a Rua Antônio Maria Coelho, e a segunda na Avenida Mato Grosso entre as Ruas 13 de Maio e 14 de Julho. 

O restante do perímetro será fechado e contará com agentes que farão a orientação do público sobre os pontos de entrada. 

A segunda novidade na segurança deste ano é o controle de objetos que poderão entrar, como proibição de gelo, garrafas de vidro, estandartes, além de qualquer material que possa ser usado como arma.

Campanha “Não é não, e ponto final”

Além disso, a Polícia Militar também promove a Campanha “Não é não, e ponto final” (assista aqui) no Carnaval de 2023. Ação tem objetivo de proteger as mulheres durante a festividade.

“Muitas mulheres, devido ao período da pandemia, estão indo pela primeira vez para o Carnaval. Nossa intenção é garantir a segurança delas. Caso algo que não é consentido aconteça, denuncie. Procure imediatamente a PM no local, não fique calada, pois se a denúncia não for feita, o assédio pode continuar com outras pessoas. Tudo que não é consentido é crime”, alertou a coronel Neyde Centurião, subcomandante-geral da PM.

Onde denunciar? 

Para denunciar violência contra a mulher, basta ligar no disque-denúncia 180. Se presenciar ou for vítima de uma violência, procure um Policial ou a Delegacia de Polícia mais próxima. Qualquer delegacia está apta a receber denúncias de importunação sexual e em Campo Grande, a Deam na Casa da Mulher Brasileira funciona 24h, todos os dias.

Qualquer pessoa que presenciar um ato que seja enquadrado nessas situações pode ajudar como testemunha ou tirando fotos para facilitar a identificação do infrator ou ajudar na denúncia.