Eterna ‘menina do trem’, Madalena transformou pesquisa ao se tornar 1ª presidenta de instituto
Primeira mulher a assumir presidência do IHGMS, Madalena Greco construiu legado na preservação e propagação da história sul-mato-grossense
Nathália Rabelo –
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Com o Dia da Mulher celebrado nessa quarta-feira (8), é iminente a quantidade de conteúdos voltados ao público feminino nesta data, afinal, é sempre bom lembrar a trajetória que a mulher precisou percorrer com as próprias pernas na busca constante pelo seu espaço na sociedade. Moradora da Esplanada Ferroviária de Campo Grande, Madalena Greco entende bem esse caminho, já que foi a primeira mulher a assumir a presidência do IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul). Após 43 anos de gestão masculina, o Instituto se viu nas mãos de uma mulher revolucionária que entrou para transformá-lo num espaço de pesquisa. O que poucos sabem, na verdade, é que essa paixão pulsante pela valorização da história começou quando Madalena ainda era a ‘Menina do Trem’.
A história de Madalena faz parte da série de reportagens especiais que o Jornal Midiamax publica nesta semana de comemoração e reflexão sobre o Dia da Mulher, celebrado no dia 8 de março. Confira aqui outras reportagens da série que constam a história de Letícia e Lívia e também de Marinetti.
Esta reportagem volta no tempo para reviver a trajetória de Maria Madalena Dib Mereb Greco, atual presidente do IHGMS. Graduada e pós-graduada em História e História Regional, Mada tem 66 anos de vida, sendo grande parte dela dedicada à comunidade e à pesquisa acadêmica. Caçulinha de três irmãos, nasceu no interior de São Paulo e se mudou para bairro de ferroviários de Bauru quando ainda era pequena. Assim nasceu a sua grande admiração pelos trilhos.
“Eu fui criada no meio dos ferroviários e minha vida era regida pelo apito da oficina da Noroeste [estrada de ferro]. Então, minha paixão por trens e trilhos começou muito cedo. Quis a vida que eu me casasse com um ferroviário”, recorda Madalena ao Jornal Midiamax.
Vinda a Campo Grande: luta pela vila ferroviária
Madalena se casou aos 21 anos com Fernando, já falecido, e com ele teve três filhos. A família veio para Campo Grande na década de 90 e se estabeleceu na comunidade ferroviária da cidade. Leitora assídua desde sua alfabetização, a mulher se tornou uma figura emblemática na comunidade pelo seu conhecimento e facilidade em expor suas ideias. Essas características foram fundamentais com o encerramento da ferrovia na região e as tentativas de vendas das residências por parte da empresa, uma vez que Madalena assumiu a frente do movimento para preservar o lar dos moradores.
“Sempre fui muito ativa dentro da nossa comunidade. Eu fui presidente da ala feminina da ala Noroeste, era voluntária para cozinhar para escola no Batatinha, sempre estava organizando festas juninas para a comunidade e achamos apropriado criar uma associação dos moradores. Vivia me enfiando em gabinetes e tentando conquistar alguma coisa para a comunidade. Na época, os moradores estavam com medo de serem expulsos da casa e integraram o movimento. Então, conseguimos o primeiro tombamento em 13 de maio de 1996”, celebra Madalena sobre a conquista.
Atualmente, o sítio histórico localizado na Vila Noroeste é tombado como patrimônio histórico pela Lei 3249/96. (Acesse os detalhes aqui). Influenciada por seu ativismo, Madalena, então, decidiu entrar para a faculdade de História.
Trajetória acadêmica
Madalena foi dona de uma vida acadêmica de destaque, com inúmeras participações e representações em simpósios e pesquisas. Foi um desses estudos que a colocou dentro do Instituto Histórico e Geográfico, quando equilibrava sua rotina entre as aulas nas escolas e trabalho voluntário no Instituto. Não foi à toa, então, que ficou carinhosamente conhecida como “a professora que ama trem”.
“Eu estava sempre buscando estudar, mas sempre naquela loucura de esposa, mãe de três filhos adolescentes e acadêmica”. Habituada ao acervo, fez a publicação do seu primeiro livro pelo instituto. O nome, claro, não poderia ter sido diferente. A obra “A Menina e o Trem” é o primeiro dos três livros publicados por Madalena. Já esgotado nas prateleiras, o livro nasceu a partir de dissertação sobre a importância da ferrovia para o desenvolvimento do Estado.
A historiadora ainda ressalta que se encontrava num cenário inspirador para continuar suas pesquisas por estar rodeada de mulheres talentosas, como Vera Machado, Vera Tylde, Lucia Salsa, Sueli Teixeira, Cris Felix, Angela Laurino, Regina Maura e sua irmã, Anette.
“São mulheres que realmente foram melhores naquilo que fazem. Então, eu me cobro muito porque estou cercada por pessoas que têm um nível de profissionalismo que me obriga a todos os dias ser melhor também”, diz Madalena.
Suas pesquisas, somadas aos anos de dedicação ao IHGMS, tornaram a ascensão à presidência um movimento natural. Dentro do Instituto, criado e comandado por homens por 43 anos, Madalena desenvolveu trabalho imprescindível para a criação do espaço atualmente visto como referência na pesquisa sul-mato-grossense.
Evoluções no IHGMS
O IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul) é uma instituição privada que funciona à base do trabalho voluntário de associados. Fundado no dia 6 de março de 1978 por José Barbosa Rodrigues, Acyr Vaz Guimarães, Otávio Gonçalves Gomes e Paulo Coelho Machado – que foi o grande idealizador – o Instituto vem da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, uma vez que foi criado um ano depois da divisão e criação do Estado de MS, em 1977.
Desde então, tem o objetivo de preservar a cultura, memória, história, meio ambiente, turismo, geografia e tudo que está relacionado ao patrimônio cultural de Mato Grosso do Sul.
Assim, o IHGMS tem um dos maiores acervos do Estado em documentos primários. Porém, o cenário era bem diferente quando Madalena assumiu o espaço porque, até então, não havia proposta definitiva para o Instituto ser um acervo.
Grandes desafios
As principais barreiras eram a falta de equipamentos, como scanner para digitalizar documentos, e a ausência de protocolos para registrar e guardar os documentos históricos.
“Eu entrei com esse trabalho porque sempre fui pesquisadora. Então, eu já tinha esse repertório de mexer com a parte de pesquisa, por isso vim pra cá e comecei esse trabalho do zero para dar munição aos pesquisadores e sistematizar os processos. Comecei a montar e com isso as pessoas foram vendo as respostas. Então, foram entregues acervos de muita gente e as pessoas começaram a entender o Instituto como um lugar sério onde a pesquisa é possível. As universidades, escolas e os pesquisadores começaram a vir pra cá e entenderam o Instituto como um polo, centro de pesquisa”.
Porém, o alto cargo não a livrou de vivenciar preconceito estrutural por ser mulher. À equipe de reportagem, ela recorda de uma cerimônia em que participou na Capital. Na época, escreveu seu cartão de apresentação como ‘presidente do IHGMS‘. A surpresa veio ao ter seu nome anunciado: elencaram ela como diretora, e não presidente, do espaço.
“Falaram como se mulher não pudesse ser presidente do IHGMS. Essa situação não foi a primeira vez. Na minha geração, a mulher podia ser o que quisesse desde que fizesse o papel de esposa, mãe, de dona de casa. Aí você ia ser profissional também, mas cumprindo tudo isso. Mas, aos poucos, você vai se colocando e se mostrando ao que veio, passando por cima disso, mas não é tão simples quanto as pessoas falam”, reforça.
Quem é Madalena Greco
Atuante no IHGMS desde 2011 e presidente a partir de 2021, Madalena se prepara para encerrar o seu último mandato. De riso fácil e vasto conhecimento, no fundo, mora em seu coração uma mulher que sempre foi apaixonada pela vida. A Menina do Trem nos levou até sua casa, localizada bem em frente à antiga estação ferroviária e às margens da rua de paralelepípedo que guarda tantas histórias. A poucos metros do Instituto, Greco teve o privilégio de viver em dois lares a poucos metros de distância.
Afinal, Madalena se mudou três vezes desde que veio a Campo Grande, mas nunca deixou o perímetro da Esplanada Ferroviária. Rodeada por animais, plantas e uma linda família, a historiadora revela quais são os planos para quando dizer adeus à presidência do Instituto: continuar a escrita de mais três livros, viajar, curtir a família e relaxar no seu quintal com um bom livro e uma xícara de café.
Ao reviver o passado durante a entrevista, se diz orgulhosa por ter construído o seu legado.
“Esse é o papel do IHGMS porque estamos aqui com uma proposta estatutária, que é preservar, incentivar e divulgar a história e a cultura de Mato Grosso do Sul. Então, eu acho que estou fazendo certo o meu trabalho e isso é extremamente compensador”, diz ela, emocionada.
Referência regional quanto à história e pesquisa, Madalena tem seu nome reconhecido ao redor do Estado. Por mais que as estradas a tenham levado para muito longe, ela sempre será a menina que admirava o trem e sentia o coração pulsar com o barulho do apito. Para ela, foi a coragem de embarcar em um, muitos anos atrás, que moldou totalmente a sua trajetória.
“O único fator limitador que eu vejo na vida é quando você coloca restrição, então não faz isso com você, o mundo está aí. Acredite em você porque a única pessoa que vai te amar mais do que tudo é você mesmo”, finaliza.
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