Indígenas ‘migratórios’ serão monitorados após morte de bebê por suspeita de desnutrição em MS

Criança não era cadastrada no DSEI, que promete força-tarefa em todo Mato Grosso do Sul

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Condições de alimentação no assentamento onde criança vivia (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

A morte de um bebê causada possivelmente por desnutrição, no Assentamento Santa Felicidade, em Dourados, escancara a falta de monitoramento de famílias indígenas migratórias, aquelas que deixaram aldeias e decidiram morar nas áreas urbanas de Mato Grosso do Sul. Diante do novo caso, a coordenação regional do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) afirma que fará uma força-tarefa para cadastrar famílias em todas as regiões do Estado, já que a criança que morreu na semana passada não era monitorada.

A comunidade a qual a família da criança fazia parte foi despejada da retomada de Apyka’i, em 2016. Segundo a Entidade de Defesa das Mulheres Indígenas, uma megaoperação despejou nove famílias Guarani Kaiowa da propriedade arrendada para o plantio de cana. Desde então, a maioria migra para outros assentamentos ou vive à beira de rodovias.

“Só em Dourados há 20 mil indígenas e há uma cultura migratória entre as famílias e há milhares que saem da aldeia, de uma terra e não avisa o DSEI. Há uma falha no monitoramento pela dificuldade em percorrer as longas distâncias e a quantidade de equipes atuando. Por exemplo, o polo de Dourados atende Maracaju, Douradina e distritos da região, somando apenas uma assistente social, três nutricionistas. É pouco servidor para uma população considerável e o tamanho territorial de Mato Grosso do Sul”, explica o coordenador do DSEI Arildo Alcântara.

O monitoramento ineficaz de famílias migratórias faz com que crianças indígenas recém-nascidas não tenham cadastro no SIASI (Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena), dados que facilitam a estimativa de povos que são assistidos pelo poder público. O coordenador informada que um dos dados desatualizados é o do bebê morto por falta de alimentação saudável.

A partir da tragédia, o DSEI esclareceu que irá intensificar ações continuadas com equipes remotas em campo para inserir indígenas no SIASI. Conversas com o poder público devem ser revisadas para reforçar o pedido de novos editais e contrações, uma vez que a diretriz da saúde indígena regula uma equipe de atendimento para 4 mil indígenas.

“Assumi há um mês a gestão do DSEI e queremos reduzir esse porcentual ou reajuste na contratação. Temos seis equipes e duas volantes, nosso território é extenso e há muito gasto de gasolina, alimentação. Por exemplo, se vamos fazer visita em Rio Brilhante, como ir para distrito distante no mesmo dia?”.

Fogão improvisado (Foto: Marcos Morandi)

Investigação

Uma força-tarefa esteve no local no último sábado (6) para um mapeamento da situação. Apesar da extrema pobreza constatada na casa onde a criança morava, tudo indica tratar-se de um caso isolado. O grupo composto pelo MPF (Ministério Público Federal), Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul e Secretaria Estadual de Assistência Social e Diretos Humanos conversou com a mãe da vítima e também com vizinhos. A visita foi acompanhada com exclusividade pela reportagem do Jornal Midiamax.

Duas panelas abertas sobre a mesa, com restos de bobó de galinha, arroz e alguns pedaços de carne, espalhadas entre um litro de leite longa vida, uma lata de suplemento vitamínico e um pacote de biscoitos. A cena, apesar de estarrecedora, diante do aspecto de insalubridade, mostra que a família tinha alimentos, pelo menos, durante a operação.

Encravado quase no final de uma das ruas estreitas de terra, está o barraco onde morava a criança de pouco mais de um ano. O lugar de chão batido coberto por lonas, já em deterioração e paredes de papelão e cobertores, tem apenas dois cômodos.

“Nossa preocupação principal desde o início foi verificar se era uma situação generalizada, ou seja, se a fome tinha atingido outras crianças da família e a gente verificou que não. Há indícios de que ela tinha uma doença e isso obviamente vai ter que ser apurado”, explicou o procurador do MPF, Marco Antônio Delfino.

O que diz a prefeitura de Dourados

Em nota, a prefeitura de Dourados informou que a morte da criança indígena está sendo apurada pelo Ministério Público Federal em Dourados. “A família da criança é atendida pelo CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), que é vinculado à Secretaria de Assistência Social do município”, diz um trecho da nota.

Ainda segundo a prefeitura, no assentamento Santa Felicidade, onde morava a criança, há 21 famílias indígenas. “Segundo o CRAS, a mãe da criança é cadastrada e recebe o Bolsa Família, programa do governo federal”, informa a Assessoria de Comunicação do município.

“Por meio da parceria com a Funai, a família também recebe do CRAS uma cesta básica de alimentos mensalmente. Todo histórico de atendimento à família já foi repassado ao Ministério Público Federal. Lamentamos a morte da criança e informamos que a família continuará sendo assistida”, conclui a nota da prefeitura.

*Com Marcos Morandi.

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