Construtora ‘esperou’ PM prender indígenas para responder ao MPF sobre muro em área de conflito
Uso de tropas especiais da PM coloca sob suspeita motivação da Sejusp para atender ocorrências que envolvem índios em Mato Grosso do Sul
Gabriel Neves –
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A Corpal Incorporadora e Construtora ignorou dois alertas do MPF (Ministério Público Federal) sobre a construção de um empreendimento de luxo nos limites da comunidade Yvu Verá, em área reivindicada como terra indígena, em Dourados.
O primeiro, no dia 14 de março, o qual a empreiteira sequer respondeu – mesmo após prazo de 10 dias. Assim, o MPF enviou um segundo ofício, no dia 29 de março, que só foi respondido no dia 10 de abril, dois dias após tentativa de desocupação da PM que terminou com 10 indígenas presos.
No documento, o MPF alertou a Corpal sobre a preocupação dos grupos indígenas com a realização das obras para construção do condomínio de luxo nos limites da comunidade Yvu Verá.
Conforme informado pelo MPF ao Jornal Midiamax, o ofício foi enviado para a construtora no dia 14 de março, pedindo resposta em um prazo de dez dias. Sem respostas, um novo ofício foi enviado no dia 29 do mês passado.
A empresa respondeu o ofício na segunda-feira (10), ou seja, 13 dias após o segundo envio. Além disso, a resposta ocorreu dois dias após a ação da PM que terminou com a prisão de lideranças indígenas. Entre os presos está o ex-candidato ao governo de Mato Grosso do Sul nas últimas eleições, Magno Souza (PCO), que teve prisão mantida pela Justiça Federal.
A suspeita, de acordo com o que a reportagem apurou, é que a atuação da Sejusp tenha dado ordem direta à PM para intervir no caso. O direcionamento da secretaria para tropa de elite da PM, o Batalhão de Choque, atuar na retirada dos indígenas, suspeitam lideranças, seria reflexo de pedido direto feito por interessados na construção.
Empresa admite ter conhecimento de recomendação do MPF
A Corpal Incorporações e Construções admitiu ter conhecimento de ofício do MPF solicitando informações sobre a construção do condomínio em área reivindicada como terra indígena.
Conforme nota enviada ao Jornal Midiamax, a Corpal afirma que no dia 29 de março paralisou as obras na área. No entanto, a reportagem esteve no local na manhã de segunda, e lideranças indígenas afirmaram que a construção seguia na data da retomada, na quinta-feira (6).
Ainda conforme apurado pela reportagem, apesar da afirmação da empresa de que as obras haviam sido paralisadas, informações colhidas no local dão conta de que a construtora estava com máquinas e trabalhadores na área.
Depois da ação policial arquitetada pela Sejusp-MS (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), que resultou na prisão de 10 indígenas – sendo um idoso de 77 anos que foi liberado após intervenção da Defensoria Pública -, a empresa teria retirado o maquinário e operários do local.
Em nota, a Corpal afirmou que está prestando os esclarecimentos ao MPF, que questionou o motivo da construtora estar erguendo um muro no perímetro da área, que é reivindicada como tradicional indígena.
Além disso, a incorporadora afirma que o terreno está em situação regular. “Todas as ações relacionadas ao terreno em questão seguem rigorosamente as legislações em vigor e que possui todas as autorizações e licenças exigidas pelos órgãos responsáveis para a construção do empreendimento”.
Por fim, ela afirma que “mantém contato permanente e diálogo aberto com representantes das comunidades indígenas residentes em áreas no entorno de seu empreendimento”.
Comunidade aguarda demarcação há mais de 30 anos
A comunidade Yvu Verá é formada por cerca de 1,5 mil indígenas, que enfrentam situação de vulnerabilidade social e econômica, segundo o MPF.
Em 2017, em parecer enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal), o MPF alertou sobre a necessidade da correta delimitação e demarcação da Reserva Indígena de Dourados, para que se encerre o ciclo de ocupações na região, impedindo que ocorra um “mal maior” como mortes, por exemplo.
Na época, o MPF solicitou ainda a perícia topográfica da área, que havia sido indeferida pelo juízo de Dourados.
“Esse panorama de incerteza quanto à legítima propriedade das terras, enquanto fator de acirramento do conflito possessório, reforça a prudência das ordens de imediata desocupação das terras, ao menos até que se conclua o procedimento de revisão de limites da reserva indígena ou seja produzida a prova técnica requerida na origem”, defendeu a procuradora-geral à época, Raquel Dodge.
Prisões de lideranças indígenas são questionadas
Organismos de proteção indígena questionam as ações da Sejusp-MS, que mandou homens da elite da PM para realizar as prisões em flagrante. Um deles, um idoso de 77 anos, chegou a ser liberado após intermediação da Defensoria Pública.
O grupo de indígenas foi acusado pelos crimes de ameaça, lesão corporal, esbulho possessório, associação criminosa e porte ilegal de arma.
Em depoimento à Polícia Civil, os indígenas negaram as acusações, e afirmam ter ocupado o terreno em protesto contra o início das obras do condomínio. Os indígenas afirmam que a área faz parte do território indígena.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) denuncia que a operação foi realizada sem mandado judicial. Após as prisões, dezenas de indígenas se dirigiram à área retomada, em solidariedade aos detidos, aguardam a liberação dos presos na audiência de custódia.
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