Com 23 mil na fila em MS, perícia por telemedicina pode ser esperança de quem espera há anos no INSS
Governo Federal implantou a ferramenta de perícia via telemedicina para tentar reduzir a fila do INSS
Thalya Godoy –
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Antes do sol nascer e da agitação urbana, uma quadra na Rua Anhanduí, próxima ao Horto Florestal, em Campo Grande, já testemunha a atividade humana com pessoas formando uma fila na porta do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Acordam às 2h, 3h ou 4h da manhã e vêm de longe, de outras cidades do interior, debilitados pela dor física ou mental, para passar pela perícia médica que pode definir a bonança ou pobreza de uma família nos próximos meses.
O Boletim Estatístico Da Previdência Social aponta que o valor médio do benefício em Mato Grosso do Sul é de R$ 1.695,47. Dados da Transparência Previdenciária, de setembro deste ano, mostram que 23.272 sul-mato-grossenses estão na fila do INSS.
A nível nacional, o número de pessoas que aguardam uma resposta da autarquia previdenciária ultrapassa 1,63 milhão. Assim, a longa fila e tempo de espera levou o Governo Federal a criar o PEFPS (Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social), pela Lei nº 14.724, de 14 de novembro de 2023.
Um dos destaques do texto é a autorização de telemedicina na perícia médica federal em municípios com poucos médicos peritos ou com tempo de espera elevado (confira abaixo mais detalhes).
Mulheres aguardam há anos na fila do INSS
Uma das milhares de sul-mato-grossenses que aguardam uma resposta do INSS é Luzia Henrique, de 56 anos, que há dois anos foi atropelada quando voltava do serviço de bicicleta. Ela estava a duas quadras de distância de casa quando um carro a derrubou.
O acidente trouxe sequelas de perda de memória recente, o que a impede de trabalhar e até mesmo de ir sozinha até o serviço.
Ela conta que ficou sabendo da perícia por telemedicina, mas nem isso a animou, visto que, quando a reportagem a encontrou na porta do INSS, essa era a terceira vez em dois anos que passava pela perícia. Essa última foi marcada há sete meses.
“Eu não estou bem psicologicamente, mas o INSS não liga. Você pode chegar aqui quebrado que para eles não está bom. De dois anos para cá eu não posso andar sozinha, não sei resolver nada sozinha. Você vai acabar de conversar comigo e aí vou tentar lembrar do seu rosto e do que você falou. Por isso que tudo que vou fazer levo uma caneta e papel porque tenho que escrever tudo”, relata.
Contudo, a saga de Luzia não se resume apenas ao INSS. A justificativa para negar o benefício é a falta de um laudo atualizado do neurologista. Porém, ela está na fila do SUS há um ano e três aguardando uma consulta com o especialista.
Assim, Luzia fica desamparada e os gastos da casa são pagos pelo marido, que é pedreiro, que tem 50 anos, e que sofre com problemas no coração. Se ele parar de trabalhar, o dinheiro para de entrar em casa. “Para sequela psicológica o INSS não te dá moral, é pior do que braço quebrado”, ela lamenta.
Desamparadas
Maria Aparecida Leite Bulhões, de 55 anos, também é outra pessoa que espera há anos na fila. Já fez três cirurgias na coluna depois de cair de uma escada. Está na fila do INSS há três anos e agora passa pela primeira vez na perícia.
Sobrevive com a ajuda dos filhos. Ela veio de Nioaque, que fica a 183 km e duas horas de distância de Campo Grande, com a van da prefeitura de madrugada para chegar cedo na porta do INSS.
“Eu não aguento ficar em pé por mais que duas horas, a dor é demais, não consigo respirar direito. É uma dor que não passa. Comecei a pegar diárias, mas não aguento”, relata sentada do lado de fora do INSS. Ela e outros
Mais de 200 pessoas de baixa renda têm benefício do INSS negado todo mês em MS
Outra pessoa na fila do INSS é Marlene Chaves Lopes, de 64 anos, moradora do bairro Jardim das Meninas. Ela espera que seja aprovada a aposentadoria pelo BPC/LOAS (Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social) depois de anos com dores de cabeça causadas por um acidente há 32 anos e varizes que tomaram conta das pernas.
Ao longo da vida tentou trabalhar como diarista, mas as dores a impediram de continuar. Sobrevive sozinha atualmente, com a renda de R$ 600 do Bolsa-Família e vale-gás.
“Esse pé ficou menor que esse e eu não posso usar calçado fechado. Se usar, para diminuir a dor eu tenho que andar com o pé torto. Se eu forçar, dói muito. Eu não posso tomar sol muito forte também, senão a minha cabeça dói, parece que tem uma mangueira ligada lá dentro”, relata a mulher.
O Midiamax entrou em contato com a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) para perguntar o motivo da demora da consulta de Luzia Henrique com o neurologista. Em resposta, a pasta informou que “a paciente em questão já está em acompanhamento pela rede contratualizada especializada”.
Perícia via telemedicina
De acordo com o doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Aurelio Tomaz Da Silva Briltes, os tipos de perícias médicas que poderão ser realizadas por telemedicina, ou seja, de forma remota, são para benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença).
A lei também estende a avaliação médica remota e a análise documental para requerimentos de BPC (Benefício de Prestação Continuada) da pessoa com deficiência.
O docente ressalta que esse formato é vantajoso para os dois lados: a administração pública consegue oferecer o serviço em cidades distantes ou com longas filas. Os segurados podem fazer sem sair de casa ou ainda no hospital, sem ter gastos ou desconfortos com viagens, ou precisar esperar em longas filas virtuais, ou físicas.
“Quando se trata de situação eminentemente documental, na qual o segurado já apresenta uma farta documentação sobre seu estado de saúde, na maioria das vezes grave, com exames expressivos de ultrassom, ressonância, prontuários de internações, cirurgias, acredita-se um avanço, pois a constatação pode ser feita de maneira remota e o ato em si, apenas para algumas formalidades adicionais mínimas, se necessário, tornando-se assim, mais célere e eficiente para todos”, explica o especialista em direito previdenciário.
O Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social será válido para os seguintes casos:
- realizados nas unidades de atendimento da Previdência Social sem oferta regular de serviço médico pericial;
- realizados nas unidades de atendimento da Previdência Social cujo prazo máximo para agendamento seja superior a 30 (trinta) dias;
- com prazo judicial expirado;
- relativos à análise documental, desde que realizados em dias úteis após as 18h (dezoito horas) e em dias não úteis;)
- de servidor público federal na forma estabelecida nos arts. 83, 202 e 203 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Como agendar a perícia por telemedicina?
Os interessados pela perícia via telemedicina podem agendar o atendimento no aplicativo e ou site “meu INSS”, ou no pelo telefone: 135.
O docente da UFMS, Aurelio Briltes, cabe ao segurado escolher o formato da perícia, se presencial ou remota, conforme estabelece a lei sobre o PEFPS.
Conforme a própria Lei, no artigo 3º, parágrafo único, que diz: “A execução de atividades no âmbito do PEFPS não poderá afetar a regularidade dos atendimentos e dos agendamentos nas agências da Previdência Social”.
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