Mais de 200 pessoas de baixa renda têm benefício do INSS negado todo mês em MS
País tem cerca de 5,5 milhões de brasileiros na fila do INSS
Thalya Godoy –
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Findou-se o trabalho para chegar em uma fila sem fim. Foi-se a saúde mental agoniada por uma resposta, a firmeza nas pernas e a maciez das mãos. Acordam de madrugada e vêm de longe, até do interior de Mato Grosso do Sul, com as mãos cheias de sacolas ou pastas abarrotadas de papéis com laudos médicos que contam parte de uma história que precisa ser validada pela perícia da autarquia previdenciária.
Neste 24 de janeiro é celebrado o Dia da Previdência Social e o Dia Nacional do Aposentado, uma área calejada de dois lados e que completa 100 anos no Brasil em 2023. Da parte do governo, um malabarismo para equilibrar as despesas com os aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), uma herança que passa de gestão em gestão governamental.
Do lado do povo, uma fila que se perde no horizonte à espera de respostas sobre a perícias e quando será concedido o benefício.
Dados mais atualizados, disponibilizados pela equipe de transição presidencial em dezembro do ano passado, mostravam 5,5 milhões de brasileiros que aguardavam há mais de 45 dias uma resposta (prazo de análise) sobre a concessão de benefício ou que entraram com recurso após uma primeira negativa.
O INSS tem o prazo de 45 dias para analisar o pedido, que pode ser dobrado e chegar a 90 dias.
O Midiamax tenta desde 4 de janeiro dados com o INSS sobre a fila de pessoas que aguardam a concessão de benefícios em Mato Grosso do Sul, mas não obteve resposta.
O instituto é responsável por conceder benefícios, auxílios e aposentadorias, como licença por invalidez, licença-maternidade, aposentadoria por idade, aposentadoria rural e pensão por morte, entre outros. Cerca de 64% dos 36 milhões de beneficiários recebem apenas um salário mínimo e menos de mil pessoas recebem o teto, de R$ 7.507,49.
Em cinco meses, mais de 1 mil procuram Defensoria
Em agosto de 2022, foi firmado um acordo de cooperação técnica entre a Defensoria Pública da União e o INSS para dar mais velocidade aos processos de revisão. Podem solicitar a ajuda os que tiveram o pedido negado e que tenham renda familiar de até R$ 2 mil.
De acordo com dados da DPU de MS, o órgão realizou cerca de 1.040 atendimentos entre agosto e dezembro de 2022, ou seja, uma média mensal de 208.
Destes, foram instaurados 514 processos de assistência jurídica (PAJs), sendo que 284 PAJs resultaram em processos judiciais.
“É comum a reversão das decisões do INSS na via judicial. A DPU na unidade de Campo Grande, por exemplo, normalmente reverte as decisões após uma perícia judicial, quando a Justiça de Campo Grande constata que na perícia teve alguma falha”, informou a entidade.
Os principais assuntos de pedidos de assistência à DPU de MS sobre demandas previdenciárias são:
- Auxílio-doença: 31% (327 atendimentos)
- BPC: 27% (284 atendimentos)
- Aposentadoria por idade: 14% (144 atendimentos)
Porta do INSS tem de jovens a idosos
Em uma manhã de janeiro, as pessoas que aguardam para entrar na unidade do INSS em Campo Grande, próximo ao Horto Florestal, estão espalhadas pela calçada, seja de pé ou sentadas no concreto, protegidas do sol pela sombra de uma árvore. O grupo é de gente que procura perícia para si própria ou que acompanha o marido, o filho ou sobrinho menor de idade.
Na esquina do prédio em que são feitas as perícias, alguns escritórios de advocacia especializados em trabalho e previdência se anunciam e aproveitam o local estratégico para captar clientes.
O agricultor familiar Angelo Mendonça Nogueira, de 58 anos, saiu de casa a 1h30 do assentamento que mora em Nioaque, a 183 km de Campo Grande, para pegar a van às 3h na cidade e vir para a Capital passar pela perícia uma segunda vez, depois de ter o primeiro pedido de aposentadoria negado em 2022. O carro passaria para pegá-lo somente às 16h e a previsão é que chegue em casa perto das 21h.
O homem sofre com uma hérnia na barriga e catarata, o que o impede de exercer o ofício no campo, já que não pode fazer força e lida com ferramentas perigosas, como enxada e trator. Angelo mora sozinho e conta com a ajuda de vizinhos para marcar a perícia e consultar o resultado.
“Agora não tô mexendo em nada [de trabalho], tô quieto, tô parado. Com a visão embaçada não tem como trabalhar. A gente se vira para sobreviver, a gente dá um pulo”, relata o agricultor familiar.
Quando o pedido é negado, a pessoa pode entrar com recurso administrativo diretamente no INSS ou ajuizar uma ação previdenciária, conforme explica o advogado Adão Salemaq.
Adão ainda afirma que é importante ter conhecimento das informações do que é a documentação necessária para evitar idas e vindas.
“Eu aconselho que o segurado deve se organizar para pedir seu benefício, ver e conhecer seu CNIS [Cadastro Nacional de Informações Sociais], se tiver erros corrigir antes do pedido, juntar toda a documentação que comprove contribuição, trabalho, idade e saúde se for o caso, assim a análise do pedido é mais ágil”, relata o advogado.
Fila de anos
Ana Cristina da Silva, de 44 anos, espera há quatro anos para se aposentar pelo INSS. Trabalhava na área de limpeza de uma empresa quando começou a sentir dores na perna. Foi mandada embora depois de dois atestados médicos.
Se dividia entre diárias e o tratamento para reumatismo. O plano era conseguir um serviço com carteira assinada depois de terminar o tratamento. “Depois de consultas e exames, descobri que estava com um câncer de mieloma múltiplo e que tinha fibromialgia. Então comecei a luta para aposentar”, relembra Ana.
Iniciou o processo para se aposentar há quatro anos com a ajuda de um advogado e passou por duas perícias nesse período. Foi aprovada há mais de um ano para ter a aposentadoria concedida, mas há um ano o papel está parado na espera da assinatura do juiz.
“Eu vivo de doações, não tenho renda, só o Bolsa Família. Moro com minha filha de 16 anos, as contas estão acumuladas porque eu só pago água e luz. Eu fiz o cartão Mais Social, mas como tive os documentos furtados tive que cancelar o cartão de R$ 300 e agora tenho que esperar. Estou sem fazer compras, é difícil, né?”, relata a mulher.
Menores de idade
A porta do INSS não é reservada apenas para adultos. Menores de idades chegam tímidos, acompanhados de um parente, para passar pela perícia que pode definir o futuro financeiro de quem ainda não teve a oportunidade de chegar ao mercado de trabalho.
A filha de 14 anos de Reginalda Malaquias foi diagnosticada com dislexia desde os 10 anos de idade, com a ajuda da escola. Não consegue ler, escrever e, de acordo com a mãe, “mal conhece o dinheiro”.
Mãe e filha acordaram às 4h da madrugada para pegar a condução de Camapuã, a 141 km de Campo Grande, para estar na porta do INSS às 9h. Há três anos ela aguarda a perícia que pode conceder o BPC/LOAS (Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência) no valor de um salário mínimo para a menina. A data foi empurrada devido à pandemia.
“Eu estou correndo atrás [do benefício] para ela. Não posso trabalhar para poder cuidar dela já tem uns sete anos, meu pai que ajuda com as contas. Eu não sou aposentada”, conta Reginalda, que levou a filha na perícia pela primeira vez.
O sobrinho de 16 anos de Begair Gomes era outro adolescente na entrada do INSS com uma sacola grande e cheia de exames, laudos e papéis médicos a serem apresentados na perícia. O menino foi diagnosticado desde pequeno com neurofibromatose, uma doença que causa tumores na pele e que pode afetar a parte neurológica da pessoa.
Há um ano o jovem passou por um cirurgia em Curitiba (PR) para a retirada de um nódulo com meio quilo que estava no pescoço. Na manhã de janeiro deste ano, o adolescente estava às portas do INSS para tentar o benefício do LOAS.
“Eu nem sei falar o nome dessa doença, mas ele nasceu com isso. A mãe dele que agendou aqui, mas hoje ela está internada para uma cirurgia de câncer no seio e não pôde vir. Falaram para ligar amanhã para ver o resultado [da perícia]”, conta a tia do garoto.
Primeira vez para tentar o benefício
Encostada no carro à espera do marido que foi passar pela perícia de aposentadoria, Aparecida Rosalia Paulo, de 55 anos, assegura que o processo para agendar uma data foi mais rápido após acionar uma advogada.
O marido tentou várias vezes um agendamento pelo telefone 135, sem sucesso. Precisaria esperar até janeiro para, então, poder agendar. Procuraram uma advogada e quatro meses depois, já em janeiro, o homem passava pela perícia.
Foram dois meses juntando documentos para apresentar ao Instituto Nacional de Segurança Social. Uma das dificuldades encontradas foi que oito empresas da época em que trabalhava como CLT não haviam feito a contribuição ao INSS.
“Ele tem mais de 40 anos de contribuição, tem comorbidades, e com a advogada é mais rápido. Se for fazer pessoalmente ish [sic], é mais difícil, mais demorado. A demanda é muito grande, acho que deveria ter mais polos. A população vai crescendo e envelhecendo, vai ficando doente”, opina a mulher.
O esposo de 62 anos exerce o ofício de representante comercial e há cerca de 10 anos já não se sente 100% para trabalhar. Conforme Aparecida, ele “tem bastante coisinhas associadas”, como a realização de uma bariátrica há 16 anos, stent no coração, hérnia, quase a perda do pé por causa da diabetes e problemas renais.
As dificuldades com a saúde do marido levaram Aparecida a pedir exoneração do cargo que ocupava no Hospital Regional e a trabalhar mais próximo dele como secretária. “Eu não me arrependo de ter pedido exoneração, mas sinto falta sim”, afirma a mulher.
Mensalmente, o gasto com medicação fica em torno de R$ 2 mil. Devido à hérnia ele não pode pegar peso e depende de terceiros para trabalhar, pois é representante comercial de materiais de construção. A esperança é que os trâmites não demorem devido à assistência da advogada.
De acordo com o professor Emérito da Faculdade de Direito da UFMS e doutor em Direito pela USP (Universidade de São Paulo), Aurelio Tomaz da Silva Briltes, o que dificulta em muitos casos o processo no INSS é a falta de uma assistência especializada, tendo em vista que não é obrigatória a contratação de um advogado para entrar com o pedido do benefício.
“Quando se inicia um processo incompleto, ou mesmo errado, a tendência realmente é atrasar, pois os requisitos que o INSS são eminentemente técnicos. Assim, o cidadão deve procurar um advogado previdenciária, ou mesmo àqueles em extrema vulnerabilidade socioeconômica a Defensoria Púbica da União”, aconselha o docente da UFMS.
No Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário é possível procurar advogados especializados em direito previdenciário. Para realizar uma busca, clique aqui.
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